Cinco dicas para o ajudar a exercitar o seu músculo do perdão

CNN , Andrea Kane
31 dez 2023, 17:00
Há muitos benefícios para a saúde ao perdoar, mas o psicólogo Robert Enright, pioneiro no campo da ciência do perdão, disse que a escolha é sempre de quem perdoa. AsiaVision/Getty Images

Mas não espere tornar-se na Madre Teresa de um dia para o outro

A menos que seja feito do mesmo material que a Madre Teresa, poucos de nós podem dizer que nunca estiveram zangados com alguém ao ponto de sentirem que não conseguiam ultrapassar a dor que nos causaram.

Um cônjuge traidor, um rufia de infância, um amigo traidor ou um colega manipulador - o agressor pode ser alguém do seu círculo de familiares e amigos, um estranho ou mesmo você próprio. A ofensa pode ser relativamente pequena, como fazer um comentário depreciativo num momento inoportuno, ou alterar a vida, como causar a morte de alguém. Independentemente dos pormenores exatos, é provável que já tenha passado por isso e, se for sincero, provavelmente mais do que uma vez.

Se o incidente em questão lhe causa um sofrimento contínuo e tem um impacto negativo na sua vida, é aí que a palavra com "p" - perdão - pode ter um papel a desempenhar, apontou o psicólogo Robert Enright, um pioneiro no campo da ciência do perdão e professor de psicologia educacional na Universidade de Wisconsin-Madison, nos Estados Unidos.

"Quais são os vossos caminhos de cura? E se houve tentativas, tentativas e mais tentativas, sem que tenha havido cura, eu sugeriria gentilmente a possibilidade de perdoar. Mas a escolha é sempre de quem perdoa", disse Enright ao correspondente médico chefe da CNN, Sanjay Gupta, num episódio recente do podcast Chasing Life..

Enright, que estuda o perdão há quase quatro décadas e é cofundador do International Forgiveness Institute [Instituto Internacional do Perdão], uma organização sem fins lucrativos, afirmou que há muitas evidências que mostram que o ato tem benefícios psicológicos, incluindo a redução da raiva, ansiedade e depressão. O perdão também tem um impacto positivo na nossa saúde, incluindo a redução da pressão arterial, um sono melhor, níveis mais baixos de inflamação induzida pelo stress e um sistema imunitário mais forte.

O especialista - que já trabalhou com governos estrangeiros, sobreviventes de incesto e violação, doentes terminais de cancro, reclusos e crianças de zonas afetadas pela guerra - explicou que não se trata de perdoar e esquecer; trata-se de perdoar e recordar.

"Recordar de novas formas, sem o rancor, sem que a raiva volte a brotar dentro de nós", esclareceu. "É como se tivéssemos magoado o joelho e, na altura, tivéssemos muita dor e confusão. Mas quando olhamos para trás, cinco anos depois, lembramo-nos do que aconteceu, mas não é com o mesmo tipo de dor."

É claro que é mais fácil falar do que fazer. Para ajudar as pessoas a cultivar conscientemente o perdão, Enright, que também é um prolífico autor de livros, desenvolveu um modelo de processo de perdão que estabelece os passos para lá chegar. "No final deste (processo), é você que é curado", disse.

E, de acordo com Enright, quanto mais se perdoa, melhor se fica. "O perdão melhora quanto mais o praticamos. E se praticarmos o perdão nas situações quotidianas da nossa própria família, do nosso bairro, da nossa comunidade, então estamos a melhorar", garantiu.

"À medida que praticamos o perdão nas pequenas coisas, estamos a construir um gosto por ele, uma familiaridade com ele, para que quando as coisas difíceis da vida chegarem, estejamos mais preparados porque conhecemos o caminho, gostamos do caminho, e o perdão faz parte da nossa vida", observou.

Então, como é que se começa? Aqui estão as cinco principais dicas de Enright (editadas por questões de tamanho):

Avaliar se é o momento certo para perdoar

Como é que se sabe quando é a altura certa para perdoar? Pode ser o oposto do que está a pensar.

"Se a sua raiva é intensa e duradoura e já tentou de tudo para se curar, pode considerar perdoar aqueles que o trataram injustamente. Quando somos tratados de forma injusta pelos outros, pode haver efeitos negativos em nós, como raiva intensa, tristeza e confusão. Por vezes, a raiva intensa pode durar muitos meses e até muitos anos", indicou.

É normal que não sejamos capazes de perdoar de imediato, sublinhou. "O perdão ocorre quando o nosso coração se acalmou até certo ponto e tivemos a oportunidade de ficar com raiva. E para aqueles que estão prontos - alguns estarão, muitos não - o caminho do perdão deve ser escolhido livremente, e pode ser profundamente curativo."

Compreender o que é - e o que não é - o perdão

Perdoar não é desculpar o erro, necessariamente reconciliar-se com a outra pessoa ou abandonar a busca pela justiça, explicou Enright. Em vez disso, "perdoar é oferecer misericórdia àqueles que agiram injustamente".

Isso é feito em três etapas. O primeiro é cultivar ao longo do tempo novos padrões de pensamento sobre a pessoa que o prejudicou. O segundo passo é cultivar, ao longo do tempo, menos sentimentos negativos e mais positivos sobre a pessoa - o que, segundo Enright, "não pode ser simplesmente desejado".

O terceiro passo é envolver-se em menos comportamentos negativos e mais positivos em relação à pessoa. Isto inclui "não fazer mal" ao outro (por exemplo, não revirar os olhos quando ele fala) e talvez até oferecer uma palavra simpática sobre a pessoa aos outros.

Esperar que o processo demore algum tempo

Para algumas pessoas, o perdão surge rapidamente, mesmo espontaneamente, mas para a maioria, reconheceu Enright, "o caminho para o perdão é como uma viagem que se faz todos os dias e este processo pode levar tempo".

Para começar esse caminho, sugeriu usar o modelo de processo da sua organização. Está dividido em quatro fases: examinar os efeitos da injustiça da pessoa sobre si; comprometer-se a começar a perdoar a pessoa; expandir a sua compreensão da outra pessoa, incluindo as suas feridas e o seu valor inerente; e encontrar um novo significado para o seu sofrimento.

Desenvolva o seu músculo do perdão

Não espere tornar-se na Madre Teresa de um dia para o outro.

"Comece com as pessoas que o magoaram um pouco e vá aumentando até chegar àquelas que o magoaram profundamente", sugeriu Enright.

Ao praticar o perdão numa base diária, pode esperar colher os benefícios físicos.

"Quando se pratica o perdão, a amígdala do cérebro reduz os sinais para o hipotálamo, o que facilita os sinais para as glândulas pituitárias, que reduzem os níveis excessivos de cortisol. Isso pode resultar em níveis mais baixos de ansiedade e depressão", apontou.

Esperar o inesperado

Ao aprofundar a sua prática do perdão, pode ter resultados paradoxais, disse Enright.

"Ao oferecer as qualidades positivas da bondade e até mesmo do amor àqueles que foram injustos, você mesmo pode experimentar as qualidades positivas do aumento da autoestima, mais esperança para o futuro e melhores relacionamentos", antecipou.

Porque está a ativar e a fortalecer diferentes áreas do seu cérebro, praticar o perdão também pode levar a uma melhor resolução de problemas e tomada de decisões, bem como ajudá-lo a crescer em empatia e a aprofundar a sua recuperação emocional, segundo Enright.

"A pessoa que o magoou já não tem poder sobre si, na medida em que o seu coração já não está a ser controlado pelas ações passadas dessa pessoa", afirmou.

*Esperamos que estas cinco dicas o ajudem a ter um cérebro mais tolerante. Ouça o episódio completo aqui para saber mais sobre os passos para o perdão, incluindo como se perdoar a si próprio, e descubra se toda a gente tem a capacidade de perdoar. E junte-se a nós na próxima semana no podcast Chasing Life, quando o Dr. Sanjay Gupta se debruçar sobre a caixa de correio para responder às suas perguntas.

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