Nos gestos e na postura, foi assim que Pedro Nuno Santos mudou. Tem de superar este desafio para ganhar eleições: mostrar o "verdadeiro eu"

20 nov 2023, 22:00
Pedro Nuno Santos, candidato à liderança do PS (LUSA)

Chamámos dois especialistas para perceber como a comunicação de Pedro Nuno Santos, verbal e corporal, têm mudado a cada papel que assume. E há muito para limar para convencer os portugueses de que os pode liderar – e não apenas ao PS

Irina Golovanova, habituada a anos e anos de análise à comunicação não verbal, não tem dúvidas: “Pedro Nuno Santos está em processo de construção de uma nova imagem. É ainda difícil definir o seu padrão comportamental”.

A meta, depois da liderança do PS, é o cargo de primeiro-ministro. Mas para lá chegar, avisa António Sacavém, professor universitário e especialista em comunicação, ainda há muito para trabalhar. Para criar uma “ligação emocional” com os eleitores, tem de se livrar do papel e puxar das histórias pessoas.

Depois deste resumo, vamos então ver como mudou a comunicação de Pedro Nuno Santos em cada contexto.

Enquanto ministro, em dezembro de 2019 (Lusa)

Tempos de Assembleia

Durante muitos anos, vimos Pedro Nuno Santos na Assembleia da República. Primeiro como deputado, depois como governante. Segundo Irina Golovanova, especialista em comunicação não verbal, manteve uma certa constância na postura.

“Tinha uma postura agressiva, emocional, imprevisível até. Usava todo o corpo e a voz para comunicar ideias. Apontava para os adversários, levantava a voz para interromper os outros, bem como a palma da mão virada para o interlocutor, procurando manter os outros em silêncio.

Mas quando se procura um desafio maior, como o cargo de primeiro-ministro, a imagem de pessoa “imprevisível e agressiva não joga a favor”. “Os eleitores costumam votar na estabilidade e na confiança. É aqui que parece estar uma nova aposta de Pedro Nuno Santos”, diz Irina Golovanova.

Em novembro de 2015 no Parlamento (Lusa)

Tempos de comentador

O processo de “construção de uma nova imagem” começou, diz a especialista, com a saída do Governo no final de 2022. Pedro Nuno Santos regressaria ao domínio mediático numa outra função: a de comentador. O próprio confessou que começou “tenso” e se foi “soltando”.

E havia vários sinais a confirmá-lo. No primeiro comentário, recorda a especialista, “o corpo quase não se mexe”, há papéis espalhados pela mesa. No segundo, a mesa já estava “impecável” e desaparece o “gesto apaziguador de mexer na caneta”. Para Irina Golovanova, foi-se “limando”, fazia “o trabalho de casa” e começou “a falar com o corpo”.

Chegou a trazer livros para recomendar, numa “tentativa de mostrar um outro lado”. “Pedro Nuno Santos é muito político, falta o lado humano como pessoa”, resume.

Numa iniciativa do PS em maio de 2018 (Lusa)

Grande desafio: mostrar o "verdadeiro Pedro Nuno Santos"

Falar de nós mesmos, do nosso passo e experiências, é uma estratégia muito relevante quando queremos dar-nos a conhecer a alguém e ganhar a sua confiança. “Facilita o contágio emocional”, resume António Sacavém, professor universitário e especialista em comunicação.

E, embora tenha procurado esta estratégia no discurso de candidatura à liderança do PS, os especialistas consideram que Pedro Nuno Santos não foi bem-sucedido na tarefa.

“Começa por falar mais da sua terra do que daquilo que aprendeu na sua terra. Mesmo quando refere que é filho de sapateiro e de empresário, comunica com distanciamento, não se permite partilhar nenhum exemplo prático, não ilustra com episódios vividos na primeira pessoa, que o ajudaram a ser quem ele é hoje. Ficou a faltar uma associação emocional”, aponta.

E aqui vão três dicas de graça deste especialista para melhoria: partilhar episódios enfáticos do passado, traçar qual o principal desafio no presente e clarificar bem o que pretende para o futuro.

Isto porque a plateia no Largo do Rato estava, à partida, convencida. Mas o ex-ministro tem de conquistar o país, inclusive quem não o conhece.

“E na política há apenas uma forma de conseguir esse objetivo: mostrar o lado humano, as opiniões pessoais, não apenas como político, mas também como cidadão e pessoa comum”, remata Irina Golovanova.

Pedro Nuno Santos terá de usar expressões que remontem para ele próprio – como um “eu julgo” ou “eu acho”, “mostrar o que sente” em relação a temas da atualidade e não se conter no uso de analogias, metáforas e humor. É onde está a sua “principal falha”, dizem os especialistas.

Na apresentação da candidatura à liderança do PS (Lusa)

Discurso de candidatura: agarrado ao texto

Muitas escolhas não foram deixadas ao acaso, como a sala do anúncio ou a cor avermelhada da gravata. Mas o que Pedro Nuno Santos fez quando subiu ao púlpito, segundo os especialistas, mostra que ainda não está confortável neste novo papel a que se desafia.

“Estava muito agarrado ao texto. E faltou o contacto visual, sobretudo nos momentos decisivos, como quando agradece ou anuncia a própria candidatura. Dá uma sensação estranha”, analisa Irina Golovanova.

Apesar das diferentes entoações no discurso, diz, o padrão foi sempre o mesmo. Esqueceu-se de abotoar o casaco, algo que fazia sempre, até em outros momentos mais quentes de confronto no passado. “Deu a sensação de que estava atrapalhado. Ou ainda não está seguro ou está a contrariar a própria natureza”, justifica. Vai ser preciso tempo para confirmar.

Também António Sacavém destaca que existiram “algumas hesitações” e “demasiada pressa na partilha de algumas ideias”. “Utilizou um contato visual moderado e uma gesticulação fraca ao nível da frequência e da amplitude, pois optou por ler o seu discurso, o que o levou a estar demasiado agarrado ao guião e ao púlpito”, acrescenta.

É uma das tarefas que Pedro Nuno Santos vai ter de trabalhar: um discurso bem preparado, não lido, que tende a “criar uma ligação emocional mais intensa com a audiência pois permite um contato visual mais contínuo e uma gesticulação mais abundante”, dando a perceção de uma liderança carismática, capaz de cativar as pessoas.

Ainda assim, Pedro Nuno Santos procurou utilizar linguagem “conciliadora”, admitindo as suas qualidades e defeitos, trazendo um traço de “vulnerabilidade” que permite a identificação da plateia.

“Por vezes, balançou o corpo de um lado para o outro, criando a perceção de estar pouco enraizado nestes momentos e ainda poderia ter trazido mais expressividade à sua face”, conclui.

Na comissão de inquérito sobre a TAP, em junho passado (Lusa)

 

Relacionados

Partidos

Mais Partidos

Mais Lidas

Patrocinados