Há um PS que diz mal de Marcelo e há um PS que não diz tão mal de Marcelo: o que isso diz sobre a maneira como o PS está a operar

9 jan, 18:00
Pedro Nuno Santos no encerramento do Congresso do PS (Lusa/Miguel A. Lopes)

"Os que ambicionam [dentro do PS] ter lugares de soberania ou de direção do partido preferem o politicamente correto" e por isso contêm-se nas críticas ao Presidente. "E depois há um PS mais histórico", que não se contém nas críticas. Portanto: o PS está a falar a "duas vozes" e isso "dá jeito" a Pedro Nuno Santos

Pedro Nuno Santos desejou “boas relações” com o Presidente da República. Mas a relação do restante PS com Marcelo Rebelo de Sousa é de outra natureza: ao contrário do novo líder, muitos socialistas presentes no congresso do fim de semana preferiram culpar o chefe de Estado pela instabilidade política.

É o PS a desautorizar o próprio secretário-geral? Politólogos e analistas políticos ouvidos pela CNN negam o primeiro cenário e admitem o segundo: “O partido está a falar a duas vozes mas são duas vozes que dão jeito ao secretário-geral”. É “estratégia eleitoral” dizem.

“Há um PS que está comprometido com uma dimensão mais institucional, que tem à cabeça Pedro Nuno Santos. E depois há um PS mais histórico, mais liberto dessa amarra institucional, que vai nessa luta e narrativa [anti-Marcelo]. Os que ambicionam ter lugares de soberania ou de direção do partido preferem o politicamente correto”, traça o politólogo João Pacheco.

Mas esta “é uma estratégia que também serve Pedro Nuno, porque quando se assume que a crise política decorre da iniciativa presidencial estamos a descolar o PS do desgaste da governação, dos erros e dos casos de corrupção”, acrescenta João Pacheco.

No mesmo sentido segue Paula do Espírito Santo, também politóloga: “Julgo que há mesmo uma estratégia concertada, de centralizar a culpa em elementos externos”. E, com isso, conseguir convencer o eleitorado nas urnas a 10 de março.

Mas porque fica Pedro Nuno Santos de fora, negando uma politização da justiça? “Parece-me apenas que quer começar o mandato com boas relações com o Presidente, o que é normal. Está apenas a distanciar-se enquanto secretário-geral”, aponta a analista política Inês Serra Lopes. “O PS percebeu que pode tentar lavar as mãos como Pilatos, mas que não pode exagerar na vitimização. Ter o Presidente como bode expiatório é uma forma de vitimização mais leve.”

Também o politólogo Bruno Gonçalves Bernardes descarta que “exista uma postura de desautorização”, lembrando que a tentativa de responsabilização de Marcelo Rebelo de Sousa pelos socialistas começou logo após o início da crise política, em novembro. Pedro Nuno Santos não fala, diz, “porque, nesta altura, não pode ser o líder a dizê-lo”.

(Lusa)

Na hora da despedida, António Costa deixou dois recados a Marcelo: não o deixou ir mais longe na regionalização e quase impediu a reforma das ordens profissionais. Os que vieram a seguir escalaram o ataque - como Carlos César, que há muito é visto como a voz daquilo que as lideranças socialistas não podem dizer diretamente:  “O primeiro-ministro fez o que era institucionalmente requerido mas o Presidente da República, em resposta, não fez o que era politicamente devido”, afirmou o presidente do PS.

Paulo do Espírito Santo considera que “Costa lançou a ideia de que a culpa era do Presidente, que a crise política se devia a uma atitude irresponsável do Presidente”. Mesmo que, na visão de Inês Serra Lopes, Costa tenha mantido um “discurso de não confrontação relativamente à justiça.

Os socialistas foram alimentando a lógica de Costa - “à justiça o que é da justiça” -, mas o tema acabou por dominar o congresso, sobretudo nas conversas de bastidores. Mas também nas intervenções em palco. E nas respostas aos jornalistas. É o comentar-sem-querer-comentar.

“Se formos a todas as pecinhas do puzzle, das mensagens dos diferentes intervenientes, como Ascenso Simões ou Manuel Alegre, percebemos que cada um introduziu o seu grão na engrenagem. Para responsabilizar o Presidente, não o PS. Só têm a ganhar com isso junto dos eleitores”, resume Paula do Espírito Santo.

Bruno Gonçalves Bernardes ressalva que há um “certo limite” na utilização da fórmula “à justiça o que é da justiça” pelos socialistas. Porque “o Governo do PS perdeu uma oportunidade de fazer uma reforma da justiça”, como desejado pelo antigo líder da oposição Rui Rio.

(Lusa)

Um pormenor “deselegante”

Pode ser um pormenor mas não passou “despercebido” a Paula do Espírito Santo: “Foi deselegante Pedro Nuno Santos dizer que os dois melhores Presidentes foram Mário Soares e Jorge Sampaio. Isso exclui todos os outros. E também o atual. Mesmo não tendo nomeado ou atribuído responsabilidade política ao Presidente, [ao nomear os melhores, que são socialistas], penso que ele também acaba por fazê-lo indiretamente, não expondo tanto essa culpa”.

No discurso de sábado, ao falar dos desafios eleitorais do PS, Pedro Nuno Santos revelou que o PS terá um candidato “próprio” nas próximas eleições presidenciais – algo diferente do que aconteceu na última corrida eleitoral, onde foi dado um apoio indireto a Marcelo Rebelo de Sousa. Foi a única referência de livre vontade do novo secretário-geral do PS à Presidência.

Pode tal ser interpretado como um sinal de arrependimento quanto à escolha passada? Os analistas dividem-se. Paula do Espírito Santo e João Pacheco acreditam que sim. Inês Serra Lopes e Bruno Gonçalves Bernardes entendem a afirmação apenas pelo que ela diz.

“Fica subentendida essa ‘mea culpa’, essa crítica à posição do PS na altura”, argumenta João Pacheco, lembrando que na altura Ana Gomes também estava na corrida eleitoral, sendo um nome mais próximo de Pedro Nuno Santos, enquanto representante de uma ala mais à esquerda no partido.

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