NOTA DO EDITOR | Antes de iniciar qualquer novo plano de exercício, consulte o seu médico. Pare imediatamente se sentir dores
Quando se ouve o termo "memória muscular", vêm à mente imagens dos músculos capazes de memorizar determinados movimentos, como driblar uma bola de futebol ou tocar "Parabéns a você" ao piano. Mas, embora a memória muscular seja real, não é isso que está a acontecer no seu corpo.
Para além disso, a ciência diz que existem dois tipos diferentes de memória muscular. Um tipo, o neurológico, está ligado à recordação da atividade aprendida, enquanto a outra forma, a fisiológica, está relacionada com o crescimento do tecido muscular real.
Compreender como funcionam os dois tipos de memória muscular pode ajudá-lo a começar bem se estiver a estabelecer uma nova rotina de fitness ou a reiniciar uma após uma pausa.
A forma neurológica da memória muscular é provavelmente o tipo que a maioria de nós associa ao termo, uma vez que tem a ver com o fenómeno em que parece que os nossos músculos se "lembram" de movimentos específicos. Mesmo que não ande de bicicleta há vários anos, por exemplo, é provável que consiga subir para uma e pedalar com facilidade. O mesmo se passa com a execução de uma canção ao piano que pode ter memorizado em criança.
Mas a razão pela qual consegue andar de bicicleta ou tocar piano não se deve ao facto de os músculos das suas pernas ou dedos terem memorizado os movimentos necessários.
Em vez disso, é devido à aprendizagem motora que ocorreu no sistema nervoso central, que é composto pelo cérebro e pela medula espinal. Através da repetição contínua de determinados movimentos, o cérebro e a medula espinal - trabalhando em conjunto e de forma independente - criam vias neurais fortes e eficientes para transmitir os sinais adequados a qualquer parte do corpo que precise de ser ativada.
Este tipo de memória muscular também significa que o seu cérebro já não tem de pensar tanto no movimento, explica o neurocientista Brett Johnson, diretor executivo da SwitchedOn Training Inc., com sede em Chicago, nos Estados Unidos. Quando se está a aprender um novo movimento ou uma nova habilidade, está-se na fase cognitiva, diz Johnson, em que os movimentos são lentos e ineficientes e há uma elevada ativação no córtex pré-frontal, que é a região de pensamento do cérebro.
A partir daí, passa-se à fase associativa, durante a qual o cérebro continua a trabalhar arduamente, mas os movimentos tornam-se mais fluidos e consistentes.
A memória muscular é alcançada quando se atinge a fase autónoma. O seu desempenho é agora suave e preciso, e a atividade principal do seu cérebro mudou para os gânglios basais, a região envolvida no funcionamento automático.
No entanto, a memória muscular neurológica tem um senão. Se não tiver a supervisão de um instrutor, treinador ou professor enquanto estabelece estas vias neurais, pode desenvolver inadvertidamente uma má forma, quer seja correr com uma passada ineficaz ou inclinar-se sobre o teclado. E a má técnica pode aumentar o risco de lesões por uso excessivo, de acordo com a investigação.
"Esteja consciente dos padrões de movimento que desenvolve", alerta Johnson, "sabendo que esses padrões se tornarão enraizados e mais difíceis de quebrar com o tempo".
Dito isto, Johnson esclarece que alguns especialistas acreditam que nem sempre existe uma técnica correcta para cada movimento, uma vez que as pessoas utilizam técnicas ligeiramente diferentes ou fazem determinadas modificações de movimento com base nas suas limitações individuais, como a altura, o peso e o nível de condição física. Na comunidade de guarda-redes de futebol, por exemplo, Johnson diz que alguns acreditam que uma postura mais aberta não é a melhor técnica. No entanto, um estudo publicado na revista Sports Biomechanics sugere que a postura mais aberta pode ser mais eficaz.
Memória muscular fisiológica
O lado fisiológico da memória muscular tem a ver com a capacidade de recuperar rapidamente os músculos perdidos. Isto é frequentemente observado em pessoas que frequentam o ginásio e depois têm uma pausa prolongada na sua rotina. Apesar de poderem perder massa muscular devido à inatividade, esta regressa mais rapidamente do que quando a ganharam pela primeira vez.
Esta forma de memória muscular ocorre porque, quando se começa a construir músculo, o corpo acrescenta novas células a esses músculos. Mas quando se perde músculo, essas novas células não desaparecem, como se pensava anteriormente. Em vez disso, mantêm-se e são facilmente reativadas quando se regressa à rotina habitual. Isso foi demonstrado numa revisão publicada na edição de 2019 da Frontiers in Physiology.
"Os músculos recuperam com uma rapidez extraordinária", afirma Nick Mitchell, fundador e diretor executivo da Ultimate Performance, uma empresa global de formação pessoal com sede em Manchester, no Reino Unido. "Nunca deixa de me surpreender, mesmo depois de todos estes anos."
Embora exista um amplo consenso na área científica de que a massa muscular regressa mais rapidamente do que o tempo necessário para ganhar volume, ainda existem muitas incógnitas. Por exemplo, durante quanto tempo se pode abandonar uma atividade e esperar que os músculos - ou o cérebro - se reativem com facilidade?
Infelizmente, não há consenso quanto ao período de tempo. "Toda a gente traz algo diferente para a festa", observa Mitchell. "Genética diferente, padrões de sono, mecanismos de stress, dietas." O que se sabe, segundo ele, é que quanto mais tempo tivermos esses bíceps musculados, mais lentamente eles desaparecerão com a inatividade e mais rapidamente regressarão quando retomarmos o exercício.
Exercício regular e função muscular
De facto, numerosos estudos científicos demonstraram que os músculos se comportam de forma diferente nas pessoas que praticam regularmente exercício físico em comparação com as que não o fazem, defende Jagdish Khubchandani, professor de saúde pública na Universidade Estatal do Novo México, em Las Cruces. No entanto, os estudos em grande escala e a longo prazo são escassos, em parte porque é difícil medir com precisão os níveis de atividade das pessoas ou acompanhá-las durante anos.
Assim, embora os cientistas saibam agora que, quando se ganham novas células musculares, estas não desaparecem no momento em que se deixa de fazer exercício, ainda não sabem se desaparecerão após um determinado nível ou duração de inatividade. Esta será uma área de foco para a próxima geração de estudos.
Até lá, Khubchandani dá alguns conselhos. "Não fique tanto tempo sem andar de bicicleta que se esqueça de como se anda de bicicleta. Quanto mais tempo se fica afastado de uma atividade, mais tempo o cérebro demora a voltar a ela. Os seus músculos também."
Além disso, o exercício não tem apenas a ver com a memória muscular, mas também com a força de vontade. "E a nossa força de vontade enfraquece quanto mais nos afastamos da atividade", garante Khubchandani.
*Melanie Radzicki McManus é uma jornalista freelancer especializada em caminhadas, viagens e fitness