Uma confusão com uma escuta, uma confusão com uma portaria e uma confusão com António Costa... Silva: os três erros conhecidos da operação que fez o Governo cair

17 nov 2023, 13:03
O primeiro-ministro António Costa depois de ter anunciado a sua demissão, a 7 de novembro de 2023. (Lusa/José Sena Goulão)

Erros no despacho e libertação dos detidos da Operação Influencer causaram mal-estar no Ministério Público e levaram a procuradora-geral da República a pedir explicações ao diretor do DCIAP. Juiz deixou também cair todas as suspeitas de corrupção

Em apenas uma semana, são já três os erros detetados no despacho e a Procuradoria-Geral da República continua sem comentar ou esclarecer estes lapsos na investigação que fez cair o Governo. 

Depois da confusão com o apelido do primeiro-ministro e do ministro da Economia numa escuta, sabe-se agora que afinal o local de encontro entre chefe de gabinete, um empresário e Lacerda Machado não aconteceu na sede do PS mas em São Bento, residência oficial do primeiro-ministro.

Além disso, havia uma portaria que a Start Campus tinha alegadamente interesse em aprovar mas veio a saber-se que, afinal, a portaria em nada estava relacionada com o data center de Sines. 

Mas vamos por partes

António Costa... Silva

O Ministério Público enganou-se na transcrição de uma escuta telefónica entre Lacerda Machado, consultor da Start Campus, e Afonso Salema, administrador da mesma empresa, apontando que o primeiro ia mover uma influência junto de "António Costa" (primeiro-ministro), quando na verdade Lacerda Machado se estava a referir a António Costa Silva, ministro da Economia - conforme se percebe na audição da escuta, apurou a CNN Portugal.

Segundo fontes ligadas à defesa dos arguidos, o lapso, ou seja, a omissão do último apelido do ministro, ficou a constar no despacho de indiciação -  gerando a percepção de que Lacerda Machado disse ao telefone que iria interceder diretamente junto do seu amigo António Costa em prol dos interesses da Start Campus na construção do data center em Sines.

Durante os interrogatórios judiciais dos arguidos detidos, entre eles Lacerda Machado, o Ministério Público acabou por reconhecer que a referida escuta está mal transcrita no despacho.

A Portaria nº 248/2022

O Ministério Público refere que o agora ex-ministro das Infraestruturas aprovou em 2022 uma portaria cujo texto tinha sido redigido por pessoas ligadas à empresa Start Campus, nomeadamente para utilizar terrenos dos gasodutos da REN para passar cabos de fibra. 

No entanto, a portaria referida no despacho diz respeito à autorização de terrenos de antigas centrais termoelétricas para a colocação de outros projetos e outras energias, ou seja, conteúdo que nada tem que ver com o data center de Sines. 

De acordo com o jornal Expresso, a Portaria nº 248/2022 não está relacionada com o projeto da Start Campus nem com o projeto de uso dos terrenos dos gasodutos da REN para a passagem de cabos de fibra, tratando-se de uma autorização para que nos terrenos de antigas centrais termoelétricas e hidroelétricas pudessem vir a ser desenvolvidos projetos diferentes dos originais e com fontes de energia que não as térmicas e as hídricas.

Em frente à sede do PS

Segundo os investigadores, o chefe de gabinete do primeiro-ministro (Vítor Escária), o consultor Diogo Lacerda Machado e ainda o empresário Afonso Salema tiveram um encontro a 12 de dezembro de 2022 às 17:00 na sede do PS para transmitir a Vítor Escária preocupações relativas ao avanço do projeto do data center. 

No entanto, houve um erro, desta vez de geografia - o encontro não aconteceu no Largo do Rato mas em São Bento, no gabinete de Vítor Escária. Segundo o jornal Expresso, foi o próprio arguido que o afirmou em primeiro interrogatório ao juiz Nuno Dias Costa. 

Escária confirmou que teve encontros com os outros suspeitos, mas nunca nas instalações da sede do Partido Socialista. 

Perante estas informações, os procuradores acabaram por reconhecer o erro, assumindo que houve uma confusão na escuta. Os suspeitos afinal referiam que estavam a passar em frente à sede do PS em direção à casa oficial do primeiro-ministro. 

Mal-estar

Os erros no despacho da Operação Influencer levaram a procuradora-geral da República a convocar reuniões urgentes com a cúpula do Ministério Público. De acordo com o jornal Público, Lucília Gago reuniu-se com o diretor do DCIAP, Francisco Narciso, para pedir explicações sobre o que se passou.

Depois dessa reunião, o Ministério Público decidiu recorrer das medidas aplicadas aos cinco detidos no âmbito da operação Influencer.

Apesar dos erros no despacho terem causado mal-estar no seio da Procuradoria-Geral da República, até ao momento os lapsos continuam por ser esclarecidos pelas autoridades.

A cúpula do Ministério Público tem tido reuniões para definir o rumo do processo, que pode passar pela dedicação exclusiva dos três procuradores ao processo, sendo que outra das possibilidades em cima da mesa é o reforço de meios neste caso. 

O clima de mal-estar dentro do Ministério Público instalou-se sobretudo depois de o juiz de instrução da Operação Influencer ter decidido libertar todos os detidos, fazendo também cair as suspeitas de corrupção.

As medidas de coação ficaram aquém daquilo que o Ministério Público queria - tinha pedido prisão preventiva para o consultor, tal como para o agora ex-chefe de gabinete do primeiro-ministro, Vítor Escária, cuja defesa já confirmou na terça-feira que vai recorrer da medida de coação de proibição de sair do país (com a obrigação de entrega do passaporte).

Esta investigação tornou-se pública com a operação realizada a 7 de novembro pelo MP, que envolveu 42 buscas e levou à detenção de cinco pessoas: Vítor Escária, Diogo Lacerda Machado, os administradores da empresa Start Campus Afonso Salema e Rui Oliveira Neves, e o presidente da Câmara de Sines, Nuno Mascarenhas. 

No total, há nove arguidos no processo, incluindo o agora ex-ministro das Infraestruturas João Galamba, o presidente da Agência Portuguesa do Ambiente, Nuno Lacasta, o advogado, antigo secretário de Estado da Justiça e ex-porta-voz do PS João Tiago Silveira e a empresa Start Campus.

O processo está relacionado com a exploração de lítio em Montalegre e de Boticas (ambos distrito de Vila Real), com a produção de energia a partir de hidrogénio em Sines, Setúbal, e com o projeto de construção de um centro de dados (Data Center) na zona industrial e Logística de Sines pela sociedade Start Campus.

O primeiro-ministro, António Costa, que surgiu associado a este caso, foi alvo da abertura de um inquérito no MP junto do Supremo Tribunal de Justiça, situação que o levou a pedir a demissão, tendo o Presidente da República marcado eleições antecipadas para 10 de março de 2024.

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