A masturbação pode aumentar as hipóteses de um primata ter filhos (e reduzir o risco de doenças sexuais)

CNN Portugal , MJC
18 jun 2023, 09:00
Chimpanzé (foto: Tom Van Dyck/Pexels)

Estudo permite afirmar que os primatas se masturbam há pelo menos 40 milhões de anos e que o fazem independentemente do género e da idade. Mas qual a vantagem evolutiva da masturbação? Essa foi a pergunta a que os investigadores tentaram responder

A masturbação pode aumentar as hipóteses de um primata macho ter filhos. De acordo com um novo estudo da University College London (UCL), o ato de produzir prazer a si próprio pode contribuir para uma fertilização bem-sucedida, uma vez que aumenta a excitação antes do sexo. Os cientistas também concluíram que ejacular após a masturbação ajuda a eliminar o sémen de baixa qualidade, deixando o esperma melhor disponível para o acasalamento.

Além disso, os investigadores acrescentam que a masturbação também pode reduzir o risco de contrair infeções sexualmente transmissíveis (DST).

"As nossas descobertas ajudam a lançar luz sobre um comportamento sexual muito comum, mas pouco compreendido, e representam um avanço significativo na nossa compreensão das funções da masturbação", disse a investigadora principal, Matilda Brindle.

No estudo publicado na revista Proceedings of The Royal Society B, os biólogos traçam as origens da masturbação até aos antigos primatas que antecedem os primeiros humanos em dezenas de milhões de anos. A masturbação é comum entre os animais, mas acredita-se que seja mais prevalente em primatas, incluindo chimpanzés, símios e humanos.

Devido à falta de dados, Brindle não pode dizer com certeza se os primeiros primatas se masturbavam. “O que podemos dizer é que este comportamento estava presente há cerca de 40 milhões de anos no ancestral comum de todos os macacos e símios”, explicou Matilda Brindle. “Não é como se algumas espécies acordassem um dia e começassem a fazer isso. Este é um traço antigo e que faz parte da evolução.”

O estudo focou-se nos primatas, tanto selvagens quanto em cativeiro. A equipa liderada por Brindle reuniu informações de 246 trabalhos académicos publicados e 150 questionários, com o objetivo de entender quando e porque a masturbação evoluiu. Para preencher as lacunas nos dados, os cientistas enviaram questionários aos especialistas em primatas e tratadores de jardins zoológicos, para saber pormenores sobre as suas observações de masturbação de primatas que não tenham sido registadas por estudos anteriores. Isso foi especialmente importante para obter informações sobre a masturbação feminina, indicou Brindle, que tende a passar despercebida devido à falta de uma ereção fácil de detetar.

Os investigadores foram o mais longe possível na história do comportamento na esperança de entender as origens do que à primeira vista parece um enigma da evolução. De uma perspetiva evolutiva, a masturbação parece inútil, perturbadora, um desperdício e até arriscada. Por isso, depois de identificar quando, os investigadores voltaram-se para o porquê.

A equipa descreve como a masturbação parece comum entre primatas de todos os sexos e idades. À primeira vista, no entanto, os benefícios desse comportamento não são claros. Porque é que acontece, então? Parece ser um paradoxo evolutivo: porque um animal desperdiçaria tempo, energia e recursos reprodutivos no prazer próprio em vez de copular com um parceiro?

Historicamente, os estudos biológicos têm negligenciado as fémeas, dando aos autores poucos dados para prosseguir. Os cientistas afirmam que os benefícios da masturbação feminina - de uma perspetiva evolutiva - permanecem por isso menos claros. Para os homens, no entanto, há pelo menos dicas.

As hipóteses não funcionais postulam que a masturbação é uma patologia ou um subproduto da alta excitação sexual subjacente, enquanto as hipóteses funcionais argumentam um benefício adaptativo. Estes investigadores encontraram dados que permitem suportar as hipóteses de seleção pós-copulatória (que afirma que a masturbação aumenta as hipóteses de fertilização) e de prevenção de patógenos (que diz que a masturbação ajuda a reduzir as infeções ao libertar patógenos do trato genital) em primatas machos, sugerindo que a masturbação pode ser um traço adaptativo, funcionando numa escala macroevolutiva.

Como é que a masturbação contribui para aumentar as hipóteses de engravidar a parceira?

Por exemplo, um macho mais fraco pode-se masturbar apenas o suficiente para aumentar a sua excitação antes do sexo, o que significa que vai inseminar a sua parceira mais rapidamente - e antes que um competidor corpulento tenha a possibilidade de interromper a cópula.

Além disso, a masturbação também pode ajudar os machos a eliminar o esperma velho, deixando-os com esperma fresco e, por isso, de melhor qualidade e mais competitivo, para o sexo com a parceira.

Os investigadores descobriram ainda que a masturbação masculina em primatas aumentou em contraciclo com os níveis de infeções sexualmente transmissíveis. Uma explicação poderá ser que a masturbação após o sexo ajuda a limpar o canal genital, reduzindo o risco de infeção.

E a masturbação feminina?

Já no caso das fémeas, estudos anteriores mostraram que a excitação aumenta o pH vaginal, criando um ambiente mais acolhedor para o esperma, enquanto o muco vaginal filtra o esperma de pior qualidade e transporta rapidamente o sémen de alta qualidade para o útero. As contrações orgásmicas também podem ajudar o esperma na sua jornada. 

Mas a hipótese relacionada com as doenças não se confirma. “Normalmente, a vagina é levemente ácida para manter os patógenos afastados”, explicou Brindle à revista Science News, mas torna-se menos ácida quando a primata fêmea está excitada, para que o esperma não seja morto na entrada. Tornar o ambiente vaginal mais seguro para o esperma também o torna mais seguro perante patógenos. Porém, devido à falta de dados, o estudo não conseguiu avançar nesta linha de investigação. 

De qualquer forma, o estigma em volta o do estudo da masturbação e do comportamento sexual está a diminuir, observou Brindle, o que a deixa esperançosa de que mais descobertas sejam feitas em breve. “Este é um comportamento tão comum no reino animal que acho absolutamente desconcertante que ninguém o tenha investigado antes”, disse Brindle. “Para as pessoas que acham que a masturbação é errada ou antinatural de alguma forma, [é preciso dizer que] este é um comportamento perfeitamente natural. Faz parte do nosso repertório saudável de comportamentos sexuais.” 

Este é um campo de pesquisa que está ainda pouco explorado, sublinham os cientistas. Há outros mamíferos, assim como pássaros e répteis, que também se masturbam. Por isso, "se quisermos entender o quadro evolucionário mais amplo desse comportamento, precisamos ir além dos primatas”.

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