A máscara continua obrigatória nas escolas mas não nos bares e nas discotecas: "essa comparação é ingrata". As virtudes e os defeitos desta medida

20 fev 2022, 08:00
Covid-19: regresso às aulas presenciais

Depois de o Governo ter anunciado o levantamento de algumas medidas restritivas, houve uma que gerou polémica precisamente por se ter mantido tal e qual como estava: o uso obrigatório de máscara nas escolas e em creches e infantários por parte dos profissionais. Isto quando essa mesma obrigatoriedade desaparece nos espaços de diversão noturna - onde a proximidade física é enorme. Especialistas pedem aos pais para não se precipitarem na análise a esta decisão do Governo - que tem defeitos, dizem, mas que também salvaguarda muitos problemas

O levantamento de algumas das medidas restritivas da covid-19 por parte do Governo era aguardado com alguma expectativa, em particular pela comunidade escolar. Mas o inesperado, para alguns encarregados de educação, aconteceu: manteve-se o uso obrigatório de máscara nas escolas em crianças a partir dos 10 anos. O que é que sustenta uma decisão destas e quais os impactos a longo prazo? 

Um dos principais argumentos utilizados por quem é contra tem que ver com o facto de a máscara criar uma barreira na comunicação, no diálogo, na aprendizagem e no desenvolvimento. Porque é que se pode estar sem máscara num bar ou numa discoteca mas nas aulas não? É, muitas vezes, desta forma que a questão é colocada, até porque os alunos que estão nas salas de aulas são os mesmos que saem à noite para conviver. Para Gustavo Tato Borges, presidente da Associação de Médicos de Saúde Pública, "a comparação é ingrata". 

"Idealmente deveria usar-se máscara nas discotecas e bares, seria fundamental porque muitas vezes os espaços são mal ventilados. Devia até haver uma separação entre o espaço de dança, onde seria obrigatório o uso de máscara, e o espaço de consumo de bebidas." No entanto, "o facto de algo não ser corretamente aplicado num local não significa que possamos exigir que também deixe de ser corretamente aplicado noutros". 

Mas, como o próprio especialista diz à CNN Portugal, isto seria "num mundo ideal". Não sendo, os pais deveriam ficar contentes com o uso de máscara nos estabelecimentos de ensino por ser uma forma "bastante eficaz na proteção e na transmissibilidade do vírus". "Não nos podemos esquecer que estamos a falar de uma população que ainda não está toda vacinada." 

Tato Borges explica ainda que a transmissão do vírus é muito rápida entre crianças e adolescentes e, precisamente por isso, as máscaras acabam por ser um mecanismo de "respeito e prudência uns pelos outros". Mas então quais são os impactos que isto pode ter a longo prazo? "Nós estamos há dois anos a usar máscara e temos de tudo: crianças que se sentem melhor a usá-las, mais protegidas, e temos crianças que têm mais dificuldades com esta noção e por isso têm mais dificuldades. Isto varia muito consoante nós, adultos, incutimos essa ideia aos nossos filhos."

O médico de saúde pública defende que Portugal precisa de baixar a taxa de incidência e de mortalidade para que se possa deixar cair mais medidas. As que existem atualmente não são perfeitas, alega, mas é preciso contrabalançar isso com o risco de se desenvolver doença - porque as máscaras são "a melhor forma de proteger as nossas crianças e manter o ensino presencial". 

"O que é que é mais importante? Deixar que as crianças socializarem ou separá-las do mundo?"

Susana Batista, presidente da Associação de Creches e Pequenos Estabelecimentos de Ensino Particular (ACPEEP), entende que Portugal ainda tem uma taxa de incidência de covid-19 muito grande entre os adultos e, como tal, "é importante que os profissionais destas aéreas se possam proteger". "Ainda bem que as crianças não têm de usar máscara, mas, neste momento, face à situação que temos estado a vivenciar nas creches e no pré-escolar, é absolutamente necessário que os docentes e não docentes continuem a usar máscara", até porque, se assim não for, "fecham-se creches ou salas por falta de profissionais por estarem todos infetados". 

Questionada sobre a opinião destes trabalhadores, Susana Batista assegura que, mesmo que o uso obrigatório de máscara fosse levantado nestes espaços, estes continuariam a utilizá-la "porque sentem na pele a dificuldade que é garantir o bom funcionamento dos serviços" com escassez de funcionários. "Os pais têm de pensar nisto: se os profissionais apanharem o covid, as creches e o pré-escolar são obrigados a fechar salas e depois não têm onde deixar os filhos". 

Ainda assim, a presidente da ACPEEP percebe a preocupação dos pais quando se queixam das dificuldades e do atraso no desenvolvimento das crianças, seja na fala ou ao nível das emoções, mas é preciso colocar as coisas numa balança: "O que é que é mais importante: deixar que as crianças socializarem ou separá-las do mundo? É melhor as crianças ficarem em casa fechadas ou virem para as creches com os funcionários de máscara?". 

Na ótica de Susana Batista, é preferível que estes estabelecimentos continuem abertos para que as crianças os possam frequentar, até porque "estamos a falar de uma fase cuja tendência é terminar em breve". No fundo, é aguentar só mais uma semanas, segundo os especialistas, até o número de infetados diminuir e poder dar-se mais um passo no levantamento das medidas restritivas. Até lá, deve reinar a prudência. 

O equilíbrio entre o contacto social e o uso de máscara

No meio disto tudo, onde fica a saúde mental dos adolescentes? Como é que as crianças criam uma figura de referência? Para a psicóloga Melanie Tavares, as questões já não podem ser respondidas com os mesmos argumentos de há uns meses porque Portugal está a caminhar para uma fase endémica da doença e tem uma taxa de vacinação, incluindo da dose de reforço, superior à grande maioria da dos países europeus. "Se estamos numa fase quase endémica da doença, o uso de máscara obrigatório nas escolas já não faz tanto sentido, até porque os alunos relacionam-se nos intervalos sem máscara e na cantina enquanto estão a almoçar." 

A psicóloga defende que os adolescentes "precisam de socializar de forma mais normal", ou seja, havendo contacto com expressões faciais, uma vez que são "um organizador psíquico das emoções e dos afetos". Se os jovens podem estar em discotecas e bares sem máscara, porque é que não o podem fazer na escola? Melanie Tavares considera que "as relações noturnas são muito mais diversificadas, nas escolas é mais restritivo". "Normalmente os adolescentes relacionam-se sempre no mesmo grupo, com as mesmas pessoas." 

Além disso, relembra que as medidas restritivas da pandemia têm um impacto negativo diferente consoante as idades e fases de vida em que as crianças se encontram. "Num adolescente com 16 anos que já passou a pré-adolescência com regras normais, o impacto das medidas restritivas vai ser menor. Tem uma grande capacidade de resiliência e adaptação. É uma diferença muito grande para uma criança que esteja a passar do primeiro para o segundo ciclo, por exemplo. É uma transição muito mais complicada, com muito mais medos, inseguranças, incertezas e dificuldades em fazer amigos."

Já no caso dos mais pequenos, a psicóloga considera preocupante o facto de estes não terem acesso a expressões faciais, o que, a curto e longo prazo, pode resultar numa dificuldade enorme na gestão de emoções, uma vez que, "como não têm um modelo, não sabem se é para rir, se é para chorar, se estão zangados", e isso faz com que "comecem a crescer com um quadro de ansiedade que é cada vez maior e começa cada vez mais cedo". 

Segundo os dados apresentados pelo Governo no final do Conselho de Ministros, o índice de transmissibilidade (Rt) - que estima o número de casos secundários de infeção resultantes de cada pessoa portadora do vírus – está agora nos 0,76 e a incidência acumulada a sete dias baixou para os 1.302,7 casos de infeção por 100 mil habitantes.

Já o número de óbitos mantém-se ainda elevado, o que impede, para já, o levantamento total das restrições, que deve acontecer quando o país atingir os 20 óbitos a 14 dias por um milhão de habitantes, o limiar definido pelo Centro Europeu de Controlo e Prevenção de Doenças (ECDC).

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