"Se Marcelo fosse um membro do Governo não acredito que se mantivesse em funções": a legitimidade do Presidente ficou "beliscada"

6 dez 2023, 07:00
Marcelo Rebelo de Sousa recebe Livre (JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA)

Mais: "Este caso altera o modo como as pessoas vão olhar para a dignidade do cargo"

Marcelo Rebelo de Sousa quis, segundo o próprio, esclarecer o país: confirma que sim, que afinal o filho enviou mesmo um email à Presidência da República; e que não, que Marcelo não lhe deu qualquer tratamento privilegiado pelos serviços. Mas se a tentativa de esclarecimento não explicou tudo sobre a alegada cunha presidencial às duas gémeas luso-brasileiras, os politólogos acreditam que a intervenção deixou algo bem evidente: a legitimidade do Presidente da República está “beliscada”.

“Acredito que está, sem dúvida, beliscada a imagem do Presidente da República. É uma situação caricata e difícil, que o diminui politicamente”, considera o politólogo João Pacheco. E não é o único.

“Quando pensamos em legitimidade política, há mais fundamento para acharmos que ficou beliscada. O cargo baseia-se nessa ideia de último reduto, de baluarte, de última instância de funcionamento do sistema político. Este caso altera o modo como as pessoas vão olhar para a função e para a própria dignidade do cargo”, junta o politólogo Pedro Silveira.

Já o politólogo André Freire prefere não tecer comentários sobre a forma como a legitimidade de Marcelo sai afetada, mas não deixa de considerar este um “episódio infeliz, que não honra o cargo” nem a postura a que Marcelo habitou o país. “Esta assunção de que houve um contacto do filho é tardia e não sabemos bem porque surge”, remata.

Para os especialistas, uma coisa é certa: Marcelo Rebelo de Sousa só conseguirá dar a volta a esta suspeição quando o caso puder ser totalmente clarificado, inclusive sobre o modo como se envolveu o Governo.

Crise política: a segurança de Marcelo?

O caso da alegada cunha presidencial para um tratamento de quatro milhões de euros no SNS foi revelado pela TVI e CNN Portugal poucos dias antes da queda do Governo. E, por isso, numa altura em que Marcelo Rebelo de Sousa seria encarado ainda mais como o garante da estabilidade, estas revelações implicam análises adicionais. E muitas cautelas.

João Pacheco considera que esta crise política é o “pior momento para que haja uma crise ou suspeição em relação ao Presidente”, acrescentando que “se esta situação fosse colocada a um membro do Governo, não acredito que se mantivesse em funções”.

Estará a opinião pública a segurar Marcelo porque outros já caíram nos entretantos? Pedro Silveira acredita que sim: “Muito provavelmente estaríamos a exigir, enquanto sociedade, que o Presidente se demitisse se não estivéssemos numa situação tão delicada. Muita gente está reticente em pedir a demissão”.

(Lusa)

As dúvidas não esclarecidas dos “contactos informais”

Marcelo socorreu-se da documentação para fixar a cronologia. Mas, quando confrontado, várias vezes, sobre eventuais contactos informais com o filho, Nuno Rebelo de Sousa, fugiu às questões. Algo que, para os especialistas, acentua a suspeição sobre o Presidente da República.

“Sabemos que quando acontecem influências políticas, há um caminho formal e um caminho informal. Na via informal, não há rastros ou provas, mas não quer dizer que não tenham deixado de existir”, posiciona João Pacheco.

Pedro Silveira considera que Marcelo agiu bem na comunicação ao país, porque “teria sido pior” o país descobrir por outras vias que enviou a informação recolhida pela Presidência à Procuradoria-Geral da República: “A consequência de se ter limitado a dar esclarecimentos apenas com a parte formal, é deixar-nos com algumas questões”.

Como teria sido evitado tudo isto? “Filho devia ter-se abstido”

Marcelo insistiu que o pedido do filho seguiu os tramites habituais. Mas os politólogos preferem centrar o debate noutro protagonista: Nuno Rebelo de Sousa. Porque é ele quem está na origem de todo este caso.

“Ainda que Marcelo não esteja envolvido por iniciativa próprio, foi empurrado pelo filho, que deu uso e primazia ao seu estatuto de filho”, aponta João Pacheco.

Os especialistas lembram que a Presidência da República é um órgão de soberania unipessoal. Qualquer pedido ou comunicação tem sempre, como último destinatário, o Presidente da República.

Por outras palavras, Nuno Rebelo de Sousa estaria sempre a fazer um pedido ao pai. Mesmo seguindo todos os procedimentos, como Belém afirma que terá seguido, não deixaria de colocar essa suspeição sobre Marcelo.

“O filho deveria ter-se abstido. A sua tomada de posição é problemática”, analisa André Freire.

Apesar do interesse de Nuno Rebelo de Sousa no caso, dizem os especialistas, deveria ter sido a própria família das gémeas (ou um representante seu) a fazer esse contacto com Belém.

“Quando o filho do Presidente envia um pedido à Presidência, está na verdade a fazer um pedido ao Presidente da República. Imagine que um filho de um ministro envia para outro ministro qualquer coisa, aí havia problemas. Mas aqui é pior. Porque está a enviar para o pai, para um órgão unipessoal”, resume Pedro Silveira.

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