Lolita: como um estilo surgido no Japão e inspirado na era Vitoriana encanta mulheres em todo o mundo

CNN , Scottie Andrew | Fotos de Shelby Knowles
1 jun, 17:00
Adeptas do estilo Lolita da Bay Area, em São Francisco, na Califórnia, EUA (Shelby Knowles/CNN)

Ella nunca tinha encontrado um estilo que se parecesse consigo até uma Lolita ter entrado no seu local de trabalho na Bay Area da Califórnia.

Não uma “Lolita” no sentido Nabokoviano, a mulher era uma adulta vestida à Lolita, um estilo de roupa popularizado no Japão em meados dos anos 1990 e inspirado na era Vitoriana e no movimento artístico ornamentado rococó. O típico estilo Lolita é descaradamente feminino, e consiste em saiotes, vestidos com camadas de folhos e acessórios delicados.

Ella foi transportada. Tinha crescido a ler manga shōjo, ou banda desenhada “de miúda”, e a criar desenhos inspirados nos estilos da contracultura japonesa que via nesses livros – as roupas, presumia, eram “muito giras mas inatingíveis” na América. A maquilhagem também a fascinava, mas não se revia nos looks “maduros” difundidos nos media americanos.

Da esquerda para a direita: Lauren, Ella e Nghi numa festa de chá no Salão de Chá Lovejoy, em São Francisco, na Califórnia, a 10 de setembro de 2023. Festas do chá de Lolitas e eventos semelhantes são uma oportunidade para aprofundar a comunidade de Lolitas, bem como uma chance para mostrarem os seus melhores modelitos

(A CNN refere-se a Ella apenas pelo primeiro nome porque as Lolitas podem ser alvo de assédio online por pessoas que não entendem o conceito ou que fetichizam a sua prática.)

Com a sua obsessão da juventude concretizada à frente dos seus olhos, Ella ficou inspirada a comprar a sua primeira peça de roupa de estilo Lolita em 2015, da popular loja online Angel Pretty. Começou por ser uma “Lolita solitária” – usava as roupas, mas não conhecia outras Lolitas. Aos poucos, contudo, as suas amigas começaram a juntar-se a ela, e desde então encontrou uma comunidade de Lolitas semelhantes que adoram aperaltar-se e estar juntas, que organizam festas de chá ao ar livre bem como viagens a adegas, plantações de abóboras e que vão às compras juntas em busca de mais vestidos para juntar às suas coleções. Agora, é uma das veteranas do grupo.

Ella não está sozinha: Com a subcultura Lolita a expandir-se para além do vibrante estilo de rua do Japão, tem encontrado fãs um pouco por todo o mundo, entre a diáspora asiática e para lá dela. A cena Lolita nos EUA é uma das maiores do mundo, escreve Michelle Liu Carriger, professora assistente na Escola de Teatro, Cinema e Televisão da UCLA, num artigo especializado sobre o estilo Lolita gótico. A subcultura cresceu e transformou-se num “exército de raparigas aristocratas desajustadas”, escreve Carriger.

Da esquerda para a direita: Bianca, Lauren, Kandace e Nghi após uma festa de cá no Morcom Rose Garden em Oakland, na Califórnia, a 25 de fevereiro de 2021

Moda Lolita, e o seu nome, explicados

O estilo é muitas vezes confundido por causa do seu nome. Apesar de o estilo Lolita ter ido buscar o seu nome ao controverso romance de Vladimir Nabokov com o mesmo nome, de 1955, a sobreposição acaba aí. (Devido à infâmia do romance, o termo ‘Lolita’ é amplamente lido como um sinónimo ou uma descrição de uma adolescente sexualizada; muitas Lolitas enfrentam censura nas plataformas sociais e assédio de pessoas fora da comunidade que interpretam mal as suas intenções com base na palavra.)

Masafumi Monden, professor da Universidade de Sidney, na Austrália, que estuda a cultura e vestimentas japonesas, diz que o nome “Lolita” serve, em vez disso, para “encapsular aquela fase intermédia entre a infância e a maturidade”.

As placas de moda Lolita abraçam a feminilidade juvenil através de saiotes, folhos e rendas e volumosas saias e jardineiras de saia (vestidos sem mangas tipicamente usados sobre uma blusa esvoaçante). A recusa do estilo em subscrever às normas do que é a “feminilidade madura” para os adultos – pessoas no final da adolescência, com 20, 30 ou mais anos usam roupas Lolita – faz desta moda uma forma subversiva de autoexpressão, diz Monden.

À esquerda, Bianca posa com um vestido Wa (ao estilo de um quimono) no Japanese Tea Garden em São Francisco. À direita, os acessórios usados por Kandace, incluindo pérolas, rendas e flores, numa festa de cá no Morcom Rose Garden em Oakland, na Califórnia

Vai buscar inspiração a fontes que atravessam séculos e continentes. Entre elas conta-se Maria Antonieta e a propensão para a moda extravagante e ultrafeminina, bem como as “Lolitas francesas” como Brigitte Bardot e Jane Birkin, modelo e atriz de origem britânica adotada pelo público francês pelos seus filmes da Nova Vaga, diz Monden. Até os vestidos de baile americanos dos anos 1950, com as suas saias e corpetes extravagantes, influenciam a moda Lolita contemporânea, acrescente.

“O estilo Lolita desafia a noção prevalente de que as mulheres se vestem primordialmente para atrair homens”, diz Monden. “Funciona como uma clara afirmação de que se vestem para sua própria satisfação e para expressar a sua estética única.”

Apesar de as Lolitas contemporâneas adotarem alguma da estética de períodos em que as mulheres eram muito menos empoderadas, fazem-no para “declarar a sua independência dos regimes contemporâneos de normas sociais”, escreve Liu Carriger no seu artigo.

Uma jovem adepta do estilo Lolita fotografada na margem do Canal Otaru, em Hokkaido, no Japão (The Asahi Shimbun/Getty Images)

De onde vem a moda Lolita e quando começou

O estilo Lolita tem origem na vibrante cena de estilo de rua do Japão, diz Monden. As suas sementes foram plantadas nos anos 70 e 80, com a fundação de ateliês japoneses como o Milk, o Pink House e até o Comme des Garçon, que partilhavam uma “estética romântica e feminina” que se revelou influente, diz ele.

Na década de 1990 assistiu-se ao surgimento do Visual Kei, um género musical japonês cujos intérpretes vestiam trajes elaborados, cabelo e maquilhagem compostos, muitas vezes inspirados em modas históricas. Os fãs das bandas do Visual Kei vestiam-se com um visual ornamentado e gótico para imitarem os seus ídolos – um precursor do que viria a ser o estilo Lolita, diz Monden.

E o bairro de Harajuku, em Tóquio, que se tornou destino popular para a juventude japonesa cujo estilo se afastava do mainstream, tornou-se um local onde as Lolitas em ascensão se encontravam, se inspiravam umas às outras e eram fotografadas. Os seus visuais eram difundidos por todo o mundo, online e em publicações como a Fruits, uma revista embrionária de moda e cultura que introduziu o estilo de rua japonês ao público ocidental.

Para além do Japão, a popularidade das exportações culturais do país, em particular o anime e o cosplay, atraíram pessoas não-japonesas a este estilo de vestuário, diz Monden. Mas os seguidores do estilo Lolita não consideram o estilo uma forma de cosplay, escreve Liu Carriger no seu artigo – o cosplay envolve vestir-se como outra personagem, enquanto as Lolitas usam roupas que refletem o seu verdadeiro “eu”.

Kandace dá os últimos retoques no seu vestido enquanto Nghi se maquilha antes de um encontro de Lolitas em São Francisco, na Califórnia, a 3 de dezembro de 2022

Diferentes tipos do estilo Lolita

Não existe apenas “uma” forma de se vestir à Lolita, apesar de haver alguns itens essenciais que compõem quase todos os trajes de Lolita, diz Ella. Os saiotes acrescentam volume a saias delicadas, muitas vezes adornadas com rendas e laços. Algumas Lolitas podem até usar cuecas bloomer, outra referência à era Vitoriana.

Tudo no estilo Lolita é cuidadosamente pensado, explica Ella: desde as meias perfeitas para um par de sapatos de salto alto Mary Janes, a um chapéu de palha ou um gorro com laços cor de rosa que melhor acentuará o seu vestido para aquele dia, cada peça de vestuário, cada acessório e escolha cosmética tem importância.

À esquerda, Nghi vestida de branco, com luvas de renda, numa festa de chá em Oakland, na Califórnia. À direita, uma adepta do estilo Lolita às compras numa loja pop-up no Hotel Kabuki, na Bay Area, em São Francisco, nos EUA

Existem até variações dentro do estilo Lolita com base nas preferências de cada Lolita: existe o look clássico de Lolita – pense em saiotes, blusas com mangas em balão, acessórios fofos como uma sombrinha. O estilo Lolita Doce é talvez o mais fresco dos subestilos Lolita, cujas costureiras elevam o estilo Lolita clássico a um nível superior com mais laços, mais folhos e tons pastel ainda mais delicados. E o estilo Lolita Gótica envolve os mesmos conjuntos carregados de folhos mas em tons mais escuros, misturando a feminilidade da Lolita com um traço de rebeldia; uma Lolita gótica pode trocar a paleta de cores rosa por tons de roxo profundo ou preto, por exemplo.

Ella diz que o seu estilo pessoal Lolita é uma mistura de clássico e doce, com uma dose saudável de padrões e estampados. Quando lhe apetece sair à rua vestida de preto, usa um dos vestidos de Lolita Gótica que tem no armário.

Mas coordenar luvas e sapatos com blusas e saias envolve mais planeamento do que o típico conjunto, por isso Ella diz que não se veste a preceito todos os dias – descrevendo a sua estética dos dias em que não o faz mais como ‘athleisure’ da Bay Area.

“Às vezes só quero usar algo confortável”, diz.

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