Emigrantes ucranianos em Portugal preocupados com os familiares que deixaram lá: "Não consigo estar sossegada, não consigo dormir”

16 fev 2022, 18:00

Não querem uma guerra, preferem a via diplomática, mas acreditam que o país está preparado para qualquer um dos cenários. Pavlo Sadokha, Larissa Savchenko e Andriy Ivanochka escolheram Portugal como uma segunda casa e estão dispostos a trazer a família para cá

"Estou sempre agarrada às notícias do meu país, não consigo estar sossegada, não consigo dormir”, desabafa Larissa Savchenko, 52 anos, professora de canto lírico no Conservatório Nacional, em Lisboa. A mais de quatro mil quilómetros fica Donetsk, onde tem os olhos postos. É uma das zonas fronteiriças de maior tensão. Aí vive a irmã e o sobrinho, a quem telefona todos os dias para saber novidades, sempre à espera de não ouvir más notícias. "Estamos muito preocupados com esta situação", contou à CNN Portugal. 

A tensão entre a Rússia e a Ucrânia tem subido de tom desde novembro do ano passado, quando junto à fronteira se foi formando um contingente cada vez maior de tropas russas. Por cá, há duas versões. Ucranianos que dizem que os dois países são amigos e por isso não vai nascer uma guerra, e ucranianos que não acreditam numa palavra de Vladimir Putin, nem na alegada retirada de tropas. 

Larissa Savchenko veio para Portugal em 1997. Trabalhou durante 12 anos como cantora no coro do Teatro Nacional de São Carlos, em Lisboa, mas antes disso esteve quatro anos nos Açores, dois na ilha da Graciosa e os outros dois em São Miguel. Sempre a trabalhar na área da música.

Com família perto da cidade de Donetsk, vê com preocupação o conflito com a Rússia. É o seu conforto. Nos telefonemas que faz ao longo do dia para falar com a irmã, tenta ajudá-la psicologicamente. "Ela teve uma depressão muito forte e até veio para Portugal três semanas (...) Está assustada, mas também está farta desta situação". Se a guerra avançar, gostava de trazer a família para Portugal, mas para isso "eles tinham de ter estatuto de refugiados". Para além disto, existe um outro problema. O marido da irmã está acamado e não pode viajar. Emocionada, confessa que Portugal é uma segunda casa. "Adoro este país, é o melhor país que existe". 

Professora de canto lírico no Conservatório Nacional Escola Artística de Música, em Lisboa, há 21 anos, Larissa conta que através dos relatos da família e pelo que lê nas notícias percebe que os ucranianos já não estão em pânico. "Não há medo nas ruas. Os ucranianos não têm medo. Eu tenho porque estou longe. Se eu estivesse lá, ficava com raiva e não com medo". 

Não querem uma guerra, mas estão preparados caso esta aconteça. No entanto, com ou sem guerra "este conflito vai durar anos e vamos continuar inimigos", assegura. Larissa Savchenko tem plena confiança nas tropas ucranianas, mas considera que a ajuda externa é fundamental para travar aquilo que diz ser o plano de Vladimir Putin: criar a antiga União Soviética.

"Nós agradecemos à Europa e aos Estados Unidos pela ajuda. Agradecemos muito porque nos dá muita força. Sentimos que atrás das nossas costas existe um grande apoio. A Ucrânia tem um espírito muito forte. Os russos não vão conseguir ocupar a Ucrânia. Vão morrer ucranianos, mas russos também. E vamos ganhar, porque Deus está do nosso lado. Eu acredito nisso".

 

Larissa Savchenko (à direita) e a irmã (à esquerda)
 

"Falamos, calmamente, sobre o que vamos fazer em caso de ataque" 

Pavlo Sadokha, presidente da Associação dos Ucranianos em Portugal (AUP), tem os pais, de 81 e 86 anos, uma irmã, o marido e os dois filhos a viver na Ucrânia. À CNN Portugal, conta que fala com a família cerca de duas a três vezes por dia e que estes acreditam que o cenário de guerra vai ser evitado: "confiam nas tropas ucranianas e no apoio internacional". 

Têm todos vivido esta situação com alguma preocupação, mas sem pânico. "O meu pai, quando era criança, assistiu à Segunda Guerra Mundial. Ele sabe o que é um bombardeamento. Sabe que os soldados russos são brutais com os civis". 

Apesar de viverem sob ameaças de guerra há oito anos, nunca o cenário se mostrou tão grave como agora. Ainda assim, não perdem a coragem. "Os ucranianos vivem com noção de guerra e estão preparados para defender o país", explica.

Economista e em Portugal há 21 anos, Pavlo fala "calmamente" com a família sobre o que vão fazer no caso de uma invasão russa. Um dos cenários em cima da mesa é virem todos para Portugal. "Eles conhecem bem o país. Todos anos os trago cá. Com esta idade eles [os pais] já não vão trabalhar, mas eu tenho condições para os sustentar", admite. 

Pavlo Sadokha e os pais (Direitos Reservados)

"O povo português tem que perceber que se a Ucrânia cair, cai a democracia"

A Ucrânia tem mais de 44 milhões de habitantes e existem cerca de 20 milhões de emigrantes espalhados pelo mundo. "Nós estamos muito preocupados com a situação que está a decorrer agora, mas também temos de perceber que a Ucrânia não está sozinha, existe a força dos que estão fora". É com este otimismo que Andriy Ivanochka, presidente da Associação da Juventude Ucraniana em Portugal, vê a atual situação de conflito. 

"Aqui em Portugal temos milhares de ucranianos, todos dispostos a apoiar a Ucrânia com apoio financeiro ou com apoio psicológico", acrescentou. 

Andriy Ivanochka não acredita nas boas intenções do presidente russo e vai mais longe: "As declarações por parte de Putin são quase todas mentira". Como tal, e por experiência de oito anos sob ameaça, a Ucrânia está preparada para qualquer cenário de guerra. "Estamos preparados para qualquer coisa. O que vai acontecer, só ele [Vladimir Putin] sabe. A nossa preocupação agora é estar unidos, estar atentos, fortificar a Ucrânia e os nossos militares". 

O representante dos jovens ucranianos deixou ainda um apelo aos portugueses: "Temos uma situação muito complicada e queria dizer a todo o povo português que este conflito não é um conflito que fica longe, é muito mais global do que parece. Não é a Ucrânia que está a lutar contra um país agressor, o povo português tem que perceber que se a Ucrânia cair, cai a democracia". 

Andriy Ivanochka

Existem cerca de 40 a 50 mil cidadãos ucranianos a viver em Portugal, dos quais 28 mil com autorização de residência e entre 15 a 20 mil já têm cidadania portuguesa. Muitos deles estão a pensar acolher familiares que ainda vivem na Ucrânia.

A Associação dos Ucranianos em Portugal vai promover uma manifestação no próximo domingo, 20 de fevereiro, em frente à embaixada e consulados russos em Lisboa, Porto e Vilamoura, "para defender a Ucrânia, para defender a Europa, para defender os valores democráticos", anunciou Pavlo.

Esta quarta-feira, a Rússia anunciou o fim das manobras militares e a partida de algumas das suas forças da península da Crimeia anexada da Ucrânia, onde a presença de tropas alimentou os receios de uma invasão.

"As unidades do distrito militar do sul que completaram os seus exercícios táticos nas bases da península da Crimeia estão a regressar por via ferroviária às suas bases de origem", disse o Ministério da Defesa russo.

Já na terça-feira, Moscovo anunciou uma retirada "parcial" dos seus soldados destacados durante semanas nas fronteiras da Ucrânia, um sinal de alívio de tensão após dois meses em que se receou uma invasão iminente, tendo como pano de fundo a crise russo-ocidental.

Europeus e norte-americanos continuam à espera de provas de uma importante retirada militar russa, mas estão cautelosamente otimistas. A Rússia não especificou a extensão ou o calendário da retirada.

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