Costa defende-o, Matos Fernandes exalta-o e Marcelo… engole-o? Galamba, o ministro 'influencer' que nasceu duas vezes

3 mai 2023, 07:00
João Galamba (Horacio Villalobos/Corbis via Getty Images)

A TAP ia aniquilar o segundo ministro em cinco meses, mas Pedro Nuno Santos acabou sozinho no grupo dos renegados. Eis João Galamba, que passou de demissionário a readmitido em meia hora, numa reviravolta do primeiro-ministro que parece querer entalar o Presidente da República na sua própria língua.

Não deixa de ser irónico que João Galamba, um “enfant terrible” socialista, que se defendeu agora das acusações de mentir como antes entrou no PS, disparando em várias direções, tenha esta terça-feira apresentado demissão por causa do ruído político. Sim, ruído. Logo ele, que nos últimos anos baixou o seu intenso volume para assumir funções no governo e evitar polémicas. Não as evitou. Costa sempre soube destes sinais – e mesmo, assim, deu-lhe não uma mas duas oportunidades no poderoso Ministério das Infraestruturas: recusou a sua demissão.

A jogada parece ter mais a ver com a relação entre o primeiro-ministro e o Presidente da República, que queria a cabeça de Galamba. Mas que político é este, que passou de espalha-brasas nas redes sociais para ser a "escolha certa" e "um excelente ministro" para Costa? 

“A minha persona pública existe, em grande parte, devido aos blogues”. A frase é antiga, de 2010. É de João Galamba, ministro que se tornou político à boleia do sistema mediático. E que, no palco desse mesmo sistema, nasceu esta terça-feira pela segunda vez: primeiro ameaçou cair... depois não o deixaram sair.

No mundo digital, João Galamba foi-se adaptando. Primeiro nos blogues Jugular e Simplex, depois na rede social Twitter, onde revelou uma das facetas que mais o caracteriza: a disponibilidade para o embate e para a crítica a quem se afigure adversário. Gutural no ataque, explosivo no feitio.

A postura valeu-lhe inúmeros cognomes, desde o “abominável Galamba” por Vasco Pulido Valente ao “cowboy do Twitter” por Francisco Rodrigues dos Santos. Se havia polémica, Galamba ou a tinha criado ou a tinha escalado. Muitas vezes, reiterando o que tinha dito quando o país não falava de outra coisa.

Mas, já como político, Galamba foi camuflando - ou domesticando - a intempestividade. Os socialistas foram também trabalhando a sua imagem nesse sentido. Antes de tomar posse, em janeiro, como ministro das Infraestruturas – substituindo o amigo e aliado Pedro Nuno Santos -, António Costa dizia ser a “escolha certa para o lugar certo”. Quatro meses depois, o cenário parecia mudar.

“Para ser membro do Governo, exige-se uma certa gravitas. Ele tem de ter mais trabalho para poder fazer e mostrar às pessoas que está a fazer”, admitia ontem à CNN Portugal João Pedro Matos Fernandes, antigo ministro do Ambiente, que trabalhou diretamente com Galamba, quando este era secretário de Estado da Energia.

“Antes de mais, Galamba está a dar provas de não ter maturidade política suficiente para lidar com a adversidade", dizia a politóloga Paula do Espírito Santo ainda antes de se saber se Galamba seria ou não demitido. "Foi posto à prova e não conseguiu transmitir, junto da opinião pública, uma mensagem de serenidade, de competência politica, de resolução de conflito, acabando por criar mais ruído à volta do Ministério das Infraestruturas e da TAP”, afirmava.

Em causa estava a conferência de imprensa de sábado, para explicar toda a polémica com o assessor, num episódio que o próprio primeiro-ministro qualificou como "deplorável" e o que levou a pedir "desculpa aos portugueses". Nesse sábado, Galamba começou a ler um discurso e depois passou para o improviso. “Atropelando e criando novos casos a partir do que já é complexo por si, como o envolvimento do SIS. Está a fazer convergir um conjunto de episódios laterais”, completava a politóloga.

Galamba na conferência de imprensa em que explicou a polémica com o assessor (Lusa)

Os elogios da Energia

Nas últimas audições da comissão parlamentar de inquérito à gestão da TAP, vários sindicatos foram reconhecendo que o conhecimento de João Galamba sobre a empresa era muito limitado. Mas diziam que era preciso dar-lhe tempo para se inteirar.

Falta de preparação não é algo que quem trabalhou com Galamba lhe costume apontar. Pelo contrário. Quando deixou o cargo de secretário de Estado da Energia, que ocupava desde 2018, para subir a ministro, o setor foi maioritário no elogio: pela sua capacidade de encontrar soluções e definir caminhos para o futuro, disseram.

“Com a entrada de Galamba, houve uma quantidade de desenvolvimentos legislativos. Era de um trato afável, objetivo nos temas, com uma postura proativa na resolução dos problemas”, descreve Pedro Amaral Jorge, presidente da Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN).

Também João Pedro Matos Fernandes não poupa nos elogios ao seu antigo secretário de Estado: “Estou convencido que foi o melhor secretário de Estado da Energia que este país teve”, com uma “inteligência invulgar”, que “muito depressa percebe os assuntos” e tem uma “capacidade relacional, de ouvir muita gente, e que pensa de forma diferente”.

O antigo ministro assegura que, nesta tarefa, não ficou em causa o espírito combativo de Galamba.

“As pessoas podem ter um percurso estável e eficiente do ponto de vista de ação governativa, mas basta que haja um caso ou uma situação mal resolvida, com extensão mediática, para apagar tudo o que foi feito”, alerta a politóloga Paula do Espírito Santo.

João Galamba, Matos Fernandes e António Mexia em outubro de 2018 (Lusa)

Uma criação de Sócrates

Nos seus combates, João Galamba viu, por várias vezes, um nome ser usado contra si: José Sócrates. Ou não fosse ele, de alguma forma, uma criação do antigo primeiro-ministro socialista. Foi José Sócrates que, ao ver Galamba ganhar destaque na blogosfera, o convidou para integrar as listas de deputados em 2009.

Nesse mesmo ano, entraria como deputado na Assembleia da República, onde alimentou a postura de ataque à oposição. O hemiciclo, quando ele falava, transformava-se em arena. Uma postura que replicou, mais tarde, na comissão parlamentar de inquérito sobre o Banco Espírito Santo, que lhe valeria fortes elogios de diferentes quadrantes.

Mas, com o PS a firmar o divórcio com Sócrates, também Galamba se afastou de quem o trouxera para o partido: “Acho que é o sentimento de qualquer socialista, quando vê ex-dirigentes, no caso um ex-primeiro-ministro e secretário-geral do PS acusado de corrupção e branqueamento de capitais. Obviamente, envergonha qualquer socialista, sobretudo se as matérias de que é acusado vierem a confirmar-se”.

Para trás, ficava a fidelidade demonstrada noutro episódio que, passados tantos anos, ainda é usado para atacar Galamba: foi ele quem, recebendo a informação de alguém próximo do Governo de Passos Coelho, avisou Sócrates que era alvo de uma investigação. Era este o texto: "Fala com o JS [José Sócrates]. Há sururus de que vai ser feita qualquer coisa contra ele muito rapidamente, se souber algo mais aviso”.

Galamba chegou a ter porta de saída apontada. Mas ficou. Foto Miguel A. Lopes/Lusa 

Uma juventude longe da política e um casamento à direita

Em miúdo, era descrito como irrequieto e contestatário. À lista, os amigos juntam-lhe a boa disposição, o uso do sarcasmo e o espírito livre. Tão livre que, durante largos anos, a política era tudo menos uma preocupação. Mesmo tendo um pai que esteve preso por lutar contra o fascismo. Interessava-lhe mais o tamanho das ondas da costa portuguesa, para o bodyboard, e as viagens pelo mundo.

Aos amigos, gosta também de os juntar à volta de uma mesa, tenham eles a orientação política que tiverem. É o caso de Miguel Frasquilho que, publicamente, já elogiou os dotes para a culinária de João Galamba. Desta vez, ao telefone com a CNN Portugal, não quis falar de nada, mesmo o que não envolvia a política. Até porque Frasquilho, antigo presidente do Conselho de Administração da TAP - a mesma TAP que dita a saída de Galamba -, vai esta semana ao Parlamento prestar esclarecimentos no âmbito da comissão parlamentar de inquérito. “Desde que foi para o Governo, encontramo-nos menos”, diz apenas.

Quando há quem critique a arrogância e intolerância de Galamba, há quem responda com outro nome: Laura Cravo. É que a mulher do ministro é de direita. Conheceram-se “numa festa de bloguers”.

Hoje, Laura Cravo trabalha no Ministério das Finanças, como coordenadora técnica no Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações Internacionais. Mas já informou que não quer continuar, depois de a TVI ter noticiado que estaria no cargo sem que a nomeação tivesse sido publicada em Diário da República. Fernando Medina saiu em defesa, dizendo que, tratando-se de um caso de mobilidade interna na Administração Pública, não seria necessária a nomeação. Um episódio que até fez tremer Galamba – mas nada que se compare ao impacto da TAP.

Galamba com Pedro Nuno Santos na tomada de posse como ministro em janeiro de 2023 (Lusa)

Um inimigo que Costa quis manter por perto?

O lema é antigo: manter os amigos perto e os inimigos ainda mais perto. Num dia como o desta terça-feira, em que tudo esteve em aberto até à noite, os socialistas fechavam-se em copas quando ouviam o nome de João Galamba. Até porque o nome também é sinónimo da existência de facções dentro do partido. “Quem tem a presença que João Galamba tinha no espaço público, com um estilo que desperta emoções, uns gostam, outros não”, admite-se no partido.

No período de liderança de António José Seguro, entre 2011 e 2014, Galamba fez parte dos chamados “jovens turcos”, com Pedro Nuno Santos, Duarte Cordeiro e Pedro Delgado Alves, que a contestavam. “Numa semana como esta, não vou especular”, reagia ontem o último por telefone à CNN Portugal, quando desafiado a recordar esses tempos e a relação com Galamba.

Hoje, quase uma década volvida, João Galamba é um dos nomes incontornáveis de uma ala mais à esquerda no PS, conhecida como “pedronunista”. Porque é Pedro Nuno Santos, o antecessor de Galamba no ministério das Infraestruturas, quem a lidera e é encarado como nome forte para a sucessão. Se será ou não, só o tempo dirá.

Mas uma coisa é certa: mesmo que a relação não fosse a melhor, António Costa fez questão de ter os putativos sucessores no Governo. Porquê? Talvez na esperança de que o ancestral lema funcione.

De Galamba, não é só o feitio a incomodar alguns camaradas de partido. O piercing na orelha, que se tornou uma imagem de marca de Galamba e alimentou muitas publicações no Twitter, também alimentava conversas. Porque o acessório ajudava à imagem de político desalinhado, de “enfant terrible”.

Em 2016, numa entrevista ao jornal i, Galamba era questionado sobre se os socialistas de base já tinham aceitado um dirigente que usa brinco. “Não têm grande remédio”, respondeu. E completou: “Há uma ou outra pessoa que já fez comentários mais negativos, mas a generalidade das pessoas não dá grande importância ao tema”.

João Galamba no Parlamento em 2015 (Lusa)

O “estrume” de Montalegre e a “denúncia caluniosa” em Sines

Até este imbróglio da TAP e a recuperação do computador de um assessor, um dos episódios que mais colocaram João Galamba como protagonista de polémica aconteceu quando ele já era governante, em 2021. Foi quando classificou, no Twitter, o programa de investigação “Sexta às 9” da RTP, então conduzido por Sandra Felgueiras (hoje na TVI, do grupo da CNN), como “estrume”. Ainda apagou a publicação, mas a Internet não esqueceu.

Isto na sequência de uma investigação sobre o processo de concessão de uma exploração de lítio em Montalegre a uma empresa com capital social de 50 mil euros, constituída três dias antes do contrato.

Contudo, o maior dissabor teve lugar com a investigação do Ministério Público relacionada com o projeto do hidrogénio verde em Sines, que colocou Galamba sob suspeita de "indícios de tráfico de influências e de corrupção, entre outros crimes económico-financeiros". Até ao momento, não houve conclusões desta investigação. Galamba classificou-a como uma “denúncia caluniosa”.

E fica a nota: “estrume” foi uma das palavras mais contidas que Galamba já publicou no Twitter. Porque, antes de ser ministro, havia de tudo um pouco, incluindo palavrões. Com a chegada ao Governo, Galamba tentou conter-se. Enquanto era secretário de Estado, de quando em vez, lá saía ao ataque. Mas, com a passagem a ministro, as publicações passaram a ser sobretudo de cariz oficial.

João Galamba com António Costa na tomada de posse em janeiro (Lusa)

Seria o fim político de Galamba? Hum... ainda não

No sábado, na hora de dar explicações sobre a polémica com o ex-assessor, Galamba garantia ter “todas as condições para participar neste Governo”. Uma certeza que contrastou, na terça à noite, com o seu próprio pedido de demissão. 

Em 2010, em entrevista à jornalista Anabela Mota Ribeiro, garantia que não era “ambicioso”, embora defendesse com “intensidade” aquilo em que acreditava: “Mas ambicioso, no sentido de ter uma estratégia para o meu futuro, não. Nisso sou bastante relaxado e diletante”.

Parecia ser o fim de Galamba como político, ou pelo menos uma pausa para um possível “comeback”. “A memória coletiva é frágil e curta", diz a politóloga Paula do Espírito Santo. "Mas não se pode dizer que seja um ministro com uma folha de trabalho que lhe permita trabalhar sem anticorpos junto dos companheiros de partido e da opinião pública”.

Para já, não soma mas segue. Por vontade de António Costa. Contra a vontade de Marcelo Rebelo de Sousa. E, durante meia hora, aparentemente também contra a sua. 

 

Nota: Pedro Santos Guerreiro contribuiu para este perfil.

 

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