Norte-americano negro foi mal identificado e preso, em vez de um criminoso branco com o dobro da idade

CNN , Alisha Ebrahimji e Julia Jones
3 fev 2022, 22:00
Shane Lee Brown, à esquerda, foi mal identificado como Shane Neal Brown, à direita.

Um homem negro passou seis dias numa prisão do Nevada porque a polícia o identificou incorretamente como um criminoso branco condenado com mais do dobro da sua idade, segundo consta num processo federal que deu entrada contra os departamentos da polícia de Henderson e de Las Vegas.

Shane Lee Brown pede agora um mínimo de 500 mil dólares de indemnização por danos.

Brown, de 25 anos, tinha acabado de trabalhar no dia 8 de janeiro de 2020 e ia de carro para casa, em Henderson, no Nevada, a 22 quilómetros de Las Vegas, quando agentes da polícia de Henderson o mandaram parar, segunda consta no processo que deu entrada no Tribunal Distrital do Nevada.

“Foi uma operação stop de rotina, por conduzir um veículo sem registo”, disse em comunicado à CNN o departamento da polícia de Henderson.

Brown, que é negro, não tinha a carta de condução com ele, mas deu aos agentes o seu nome, o número de Segurança Social e o respetivo cartão, segundo o processo. Segundo disse o seu advogado à CNN, Brown admitiu aos agentes que tinha um mandado por uma infração de trânsito, e que tinha uma audiência em tribunal marcada para o dia seguinte.

Pelo que consta no processo, quando os agentes introduziram o nome de Brown nos registos, surgiu um mandado de prisão para outro homem chamado Shane Brown. Embora os dois tivessem o mesmo nome e apelido, os agentes não verificaram os nomes do meio, a cor da pele e as datas de nascimento. Shane Neal Brown, de 49 anos, tinha um mandado de prisão pendente por uso ou posse ilegal de uma arma de fogo.

Apesar das diferenças, Lee Brown foi preso e passou seis dias nas cadeias de duas jurisdições da área de Las Vegas, o Centro de Detenção de Henderson e o Centro de Detenção do Condado de Clark, de acordo com o processo.

Neal Brown, por sua vez, foi preso dois dias depois da operação stop que colocou Lee Brown na cadeia. Segundo o departamento do xerife do condado de San Bernardino, Neal Brown foi preso em Needles, na Califórnia, a 10 de janeiro de 2020, e entregue à Polícia Metropolitana de Las Vegas a 22 de janeiro do mesmo ano.

Shannon Phenix, a promotora pública designada para o caso de Neal Brown, disse que Lee Brown foi libertado a 14 de janeiro de 2020.

Durante quatro dias, os dois homens estiveram presos ao mesmo tempo, em estados diferentes.

A CNN entrou em contacto com a Polícia Metropolitana de Las Vegas, que se recusou a comentar litígios pendentes.

A polícia de Henderson afirma que Lee Brown foi “corretamente detido por conduzir com a carta suspensa e por um mandado de desacato em tribunal e falta de pagamento, emitido pelo Tribunal Municipal de Henderson”, segundo comunicado enviado à CNN.

“Brown admitiu aos agentes que o detiveram que sabia que tinha a carta suspensa e infrações de trânsito em Henderson”, continua a ler-se no comunicado.

“Isso até pode ser verdade”, disse Phenix, a promotora pública, à CNN. “Mas ele só seria detido por causa das infrações de trânsito e seria libertado passados dois dias, com uma fiança sobre essas infrações”.

Lee Brown não foi presente a um juiz no prazo legal de 48 horas, já que o homem com quem ele foi confundido tinha um caso a decorrer, e a polícia julgava ter detido a pessoa certa. Na verdade, ele nunca falou com um juiz, disse Phenix à CNN.

Phenix disse que nem sequer foi notificada de que tinha sido feita uma detenção no caso de Neal Brown, porque Lee Brown foi registado na cadeia com outro número de identificação – “o que é uma preocupação porque significa que a cadeia sabia que não era a mesma pessoa, pois tiraram-lhe as impressões digitais, mas mantiveram-no detido com base naquele mandado”, disse Phenix.

Em vez disso, ela recebeu um telefonema da mãe de Lee Brown, em pânico, que entrou em contacto com ela e lhe pediu ajuda para tirar o filho da cadeia.

Enquanto isso, e enquanto estava detido, Lee Brown tentou várias vezes explicar aos agentes da polícia de Henderson que não era Shane Neal Brown, de 49 anos, procurado por um crime.

“Parecia que cada palavra que eu dizia caía em saco roto. Ninguém me ligou nem tentou ouvir o que eu estava a tentar explicar”, disse Lee Brown à CNN.

Os protestos dele foram ignorados durante dias. “Na maioria das vezes, nem me respondiam”, disse ele, acrescentando que, na altura, não sabia que o outro Shane Brown era um homem branco.

“Eu não sabia de que raça ele era. Sabia mais ou menos a idade dele porque tinha visto o ano de nascimento, mas tirando isso, só lhes tentei dizer que era impossível ser eu”.

Lee Brown não conseguiu ver como era Neal Brown porque não foi levado a tribunal para a audiência do dia 14 de janeiro.

“Como tinham identificações diferentes, a cadeia dizia que não era o indivíduo certo e não o levou a tribunal”, explicou Phenix.

Como não pôde mostrar o seu cliente ao juiz, Phenix levou fotos de ambos os homens ao Tribunal Distrital do Condado de Clark e frisou que a foto de Shane Lee Brown não correspondia à foto do Brown mais velho, dizendo ao juiz que a polícia tinha detido a pessoa errada. O juiz Joe Hardy Jr. ordenou então que Lee Brown fosse libertado de imediato.

Quando foi libertado, Lee Brown foi investigar Shane Neal Brown e encontrou uma foto de detenção que não se parecia em nada com ele.

“Nem queria acreditar. Fiquei incrédulo, chocado, irritado, perturbado e magoado”, disse ele à CNN.

“Se algum dos agentes tivesse feito bem o seu trabalho, como comparar a foto da detenção dele com a foto do 'Shane Brown' mais velho e branco que constava no mandado, se tivessem comparado as impressões digitais, as datas de nascimento, os números de identificação… ou as descrições físicas, teriam facilmente determinado que Shane Lee Brown tinha sido mal identificado como o homem do mandado”, afirma o processo.

A polícia de Henderson, quando questionada sobre as razões pelas quais Lee Brown, uma vez detido, foi acusado dos crimes de Neal Brown, disse: “as circunstâncias serão abordadas na resposta do procurador municipal em tribunal”.

O advogado que agora representa Lee Brown no processo, E. Brent Bryson, disse que a polícia falhou quando não investigou melhor a alegação dele de que tinham a pessoa errada.

“Eles têm de confirmar, e se ouvem isso cem vezes, que assim seja. Não importa se lhes dizem sempre o mesmo. Eles têm de investigar, seguir o devido processo e agir em conformidade”, disse Bryson à CNN.

“A lei diz que isto mostra um nível de indiferença deliberada e foi exatamente isso que aconteceu. Eles simplesmente não quiseram saber. Não fizeram nada.”

Christopher Peterson, antigo promotor público que já representou Neal Brown e agora trabalha para a filial do Nevada da Associação Americana pelas Liberdades Civis, disse que o sistema todo falhou com Lee Brown, a vários níveis. 

“Têm o mandado de detenção que diz que o crime se aplica a Shane Lee Brown, quando, na verdade, isso não está correto. Essa é a primeira falha”, disse Peterson.

Depois, disse Peterson, Lee Brown foi para o Centro de Detenção de Henderson.

"Todos os departamentos têm um gabinete de registos que faz uma dupla verificação para garantir que tudo bate certo,” disse ele. “Essas pessoas deviam ter acesso aos documentos para verificar se era a pessoa certa.”

Durante o tempo todo que esteve em Henderson, “sempre que ele disse alguma coisa, qualquer um dos agentes podia ter achado estranho e podia ter dito: ‘Esperem, temos a pessoa errada’”, disse Peterson.

Depois, temos os agentes responsáveis pelo transporte que levaram Lee Brown para o Centro de Detenção do Condado de Clark. “Presumivelmente, teriam alguns documentos que lhes dissessem se tinham ou não a pessoa correspondente ao mandado, para garantir que estavam a transportar a pessoa certa.”

Quando chegou ao Condado de Clark, Lee Brown foi novamente registado e, mais uma vez, a identidade errada não foi sinalizada. “Temos os agentes que supervisionam o Centro de Detenção do Condado de Clark”, disse Peterson, e esses agentes também não verificaram se as alegações de Lee Brown quanto à identidade errada eram ou não verdadeiras.

Depois, no dia da audiência, Lee Brown não é levado a tribunal. “Isso é um alerta claro. Há um problema quando a descrição de alguém é tão diferente que eles nem sabem quem levar a tribunal. Esse é um problema grave. Ainda assim, de alguma forma, cabe ao promotor público falar com o juiz e dizer: ‘Sr. Dr. Juiz, têm a pessoa errada.’ Nunca deveria ter chegado a esse ponto.”

E.U.A.

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