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"Sou um caçador". Ruger encontrou um propósito de vida na guerra - disparar contra o inimigo russo

17 jun, 22:43
Soldados ucranianos preparam-se para a guerra no frio (Efrem Lukatsky/AP)

Ruger aprendeu a disparar com o exército americano no Iraque. Agora é um dos snipers destacados para combater os russos na guerra da Ucrânia

“Quanto mais disparo, mais gosto de o fazer. Sou um caçador”. É desta forma que Ruger – alcunha inspirada numa espingarda de precisão – se apresenta numa entrevista ao El Mundo. Nasceu em Kharkiv, na Ucrânia, há 30 anos, e é militar de elite. Segundo o jornal espanhol, foi treinado com os melhores atiradores furtivos do exército americano numa missão internacional no Iraque, e agora dispara contra os inimigos russos à distância, enquanto também treina os seus colegas.

Acredita que encontrou um sentido para a sua existência na guerra. Mesmo durante o conflito com os separatistas do Donbass, no fim do seu primeiro contrato, encontrou vários novos empregos que abandonou dias depois. Não se adaptou. A espingarda, cujo nome adotou, é a sua fiel companheira. Foi oferecida por um falecido atirador sueco da Legião Estrangeira e com ela já disparou a uma distância de 1,5 quilómetros.

Questionado sobre o seu trabalho, explica ao El Mundo que tem de disparar porque, se não o fizer, o seu inimigo mata-o. “Matar não provoca nada na minha alma”, assume, acrescentando que só sentiu remorsos com a primeira morte: “Um tipo que matei quando nos cercaram no aeroporto de Lugansk, mas depois deixei de pensar neles, na vida que tinham. Não se pode ter esse sentimento.” Agora só sente “ódio” e indiferença face às suas vidas. “Eles não deviam ter vindo para cá. Não são bem-vindos”, diz.

Para se manter “muito bem preparado” e combater o stress pratica desporto diariamente e faz longas corridas. “É isso que qualquer atirador furtivo tem de fazer, definir alvos distantes e exercitar as costas, porque tem de transportar uma arma de precisão muito pesada e o seu colete à prova de bala, bem como os abastecimentos e as munições de que necessita”, explica. “Todos os exercícios que faz devem estar relacionados com o aumento da sua resistência à dor.”

Ruger é também um dos instrutores numa academia de atiradores furtivos, onde aprendeu as técnicas que hoje utiliza para se movimentar, esconder e selecionar os alvos rapidamente. O treino, conta, consiste em “desafios psicológicos” constantes e se erros forem cometidos os instrutores sujeitam os seus formandos a “torturas de privação de sono”. “Se não dormimos bem, continuamos a tomar más decisões em cadeia. Só quando se está bem treinado é que se deixa de fazer coisas estranhas e se concentra na missão, independentemente do sono, da fome ou do frio”, esclarece o militar. “Quando treinávamos em grupo, era assim que funcionava: se um de nós não cumprisse as ordens, não deixavam nenhum dormir, porque o erro de um afeta todos.”

No conflito que decorre atualmente na Ucrânia, o papel do sniper ainda é crucial na linha da frente, sobretudo numa guerra que conjuga a artilharia mais tradicional com a eletrónica. “Raramente lutamos de forma autónoma, mas quando o fazemos é normalmente em zonas cinzentas e sob silêncio de rádio. Sem comunicação temos de tomar decisões por nós mesmos”, descreve Ruger. “Na maioria dos casos, eu apoio outros soldados na minha área, mantendo contacto constante para evitar mortes por fogo amigo. Se as munições acabam, ainda podemos ser úteis como observadores do inimigo ou para corrigir o fogo.”

Partilha ainda uma experiência pessoal impressionante: "Em 2016, enfrentei o melhor sniper que já vi. Ele abatia-nos e escondia-se com uma habilidade extraordinária. A primeira vez que o vi em ação estava a cerca de 800 metros das posições da milícia de Donetsk. Não era um separatista, claro. Tenho certeza de que era um militar russo com equipamento de ponta. Decidi aprender com ele e confrontá-lo. Passei meses a tentar descobrir a sua posição, mas ele desaparecia sempre depois de cada disparo bem-sucedido. Utilizava o nevoeiro ou a chuva para atacar e desaparecer novamente. Gostaria de tê-lo conhecido pessoalmente, mas pelas informações que recebemos acreditamos que morreu num bombardeamento de artilharia seis meses depois. Deve ter acontecido algo assim, porque parou de matar."

Ruger consegue ficar perto das linhas inimigas durante muito tempo sem fazer barulho, o que lhe permite passar despercebido até dos drones com visão térmica. “Até ao ano passado podia ficar uma ou duas noites de cada vez numa posição, mas o campo de batalha mudou devido à presença de milhares de drones”, explica, referindo que mudou a sua atuação, que passa por menos deslocamentos e encontrar um bom sítio para se esconder. “Encontro um bom sítio e posso ficar lá durante quatro ou cinco dias, por vezes até uma semana, quase sem me mexer. Só levo mais comida e bebida, mas o meu trabalho é o mesmo. Esperar e caçar”, acrescenta. São as palavras de um homem que pertence à 80.ª Brigada de Assalto Aéreo, uma das unidades de elite do exército ucraniano, e que está presente nas zonas mais difíceis da linha da frente.

“Por vezes, como veteranos, seguimos o nosso instinto. Ia com outro camarada guardar uma zona ocupada perto de Bakhmut. Parámos para descansar a caminho da nossa posição, bebemos um pouco de chá e depois reparei num movimento estranho ao longe, acompanhado de um som seco”, lembra. Nessa vez pegou na mira telescópica e conseguiu detetar um atirador inimigo junto a uma árvore ao longe. “Acho que o que me chamou a atenção foi a forma como a vegetação se movia. Era ele”, sublinha, recordando que abriu fogo e matou o soldado russo. Depois veio o pior: “Os russos responderam e atacaram-nos com artilharia. Não me consegui mexer durante algum tempo, mas eles feriram o meu camarada.”

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