Kiev transformou-se numa fortaleza. Como os seus habitantes estão a defendê-la

CNN , Por Ivana Kottasová, em Kiev
13 mar 2022, 12:36
Resistência ucraniana em Kiev

Membros do Exército ucraniano esperam na frente leste, perto da aldeia de Kalynivka, enquanto as forças russas avançam em direção à capital, Kiev

Há pouco mais de duas semanas, os habitantes da capital ucraniana estavam a cuidar dos seus estabelecimentos, a ensinar crianças em idade escolar ou sentados nos seus escritórios.

A invasão russa mudou tudo. Lutando literalmente pelas suas vidas, os civis, transformados em soldados voluntários, ajudaram a construir defesas com precisão militar.

As trincheiras vão até aos bosques que rodeiam a estrada que leva a Kiev a partir do sul. As posições defensivas estão prontas para o que vier a acontecer. Enormes barreiras antitanque de metal, conhecidas como "ouriços" por causa da sua forma pontiaguda, são colocadas em intervalos regulares ao longo da estrada. E barricadas improvisadas, feitas com sacos de areia e enormes blocos de cimento, estão em todas as saídas.

A população de Kiev está determinada a defender a sua cidade.

Um membro da unidade de Defesa Territorial da Ucrânia guarda uma barricada na zona leste de Kiev a 6 de março de 2022.

À medida que as forças russas se aproximam, a determinação dos seus habitantes é palpável, e muitos deles mantêm a boa disposição. Alguns fazem um sinal de vitória, quando os veículos passam. A bandeira nacional azul e amarela pode ser vista em todos os lugares. Num posto de controlo a caminho de Kiev, na terça-feira, os voluntários distribuíram flores às mulheres, para assinalar o Dia Internacional da Mulher.

Muitos voluntários não parecem estar suficientemente agasalhados para este clima gélido. Usam roupas civis, casacos grandes e calças de fato de treino, como uniforme não oficial. As calças são maioritariamente verdes, pretas ou camufladas - não do tipo militar - mas do padrão civil destinado à caça.

Alguns voluntários, mas não todos, estão armados com espingardas automáticas e facas grandes. Os voluntários fazem um treino básico com armas, quando se juntam a um batalhão de defesa de Kiev.

Os voluntários fazem um treino básico com armas, quando se juntam a um batalhão de defesa de Kiev.

Oleksiy Goncharenko, voluntário numa das posições defensivas em Kiev, disse à CNN que trabalha por turnos de quatro horas no posto de controlo. O rosto dele está vermelho de frio. "Está tudo bem. É apenas frio", diz ele, acrescentando que "os moradores desta zona dão-nos sopa e outros alimentos."

Quase 40 mil voluntários juntaram-se às Forças de Defesa Territorial nos dois primeiros dias após o início da invasão, de acordo com o Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas da Ucrânia. Só em Kiev, 18 mil pessoas pegaram em armas quando as autoridades pediram voluntários e reservistas.

Aqueles que não puderam juntar-se a estas forças (inscreveram-se tantas pessoas que as Forças de Defesa Territorial tiveram de começar a recusar pessoas) estão a ajudar de outras formas.

Estão a fazer cocktails molotov, a costurar redes de camuflagem para barricadas, a distribuir alimentos, bebidas quentes e cigarros àqueles que estão de guarda. Estão a angariar arrecadando dinheiro para os militares, a construir mais barricadas nas estradas e até mesmo a pintar sinais de trânsito, numa tentativa de confundir as forças invasoras.

"Não estarás sozinho"

Kateryna Yurko, cuja loja foi destruída quando um míssil russo caiu nas proximidades, na semana passada, passa agora o seu tempo a conduzir de um lado para o outro entre Kiev e a fronteira polaca, trazendo ajuda humanitária para crianças e idosos. Também fez cocktails molotov para as tropas.

Oleksii Erinchak, que gere uma livraria e café no centro de Kiev, transformou o espaço num centro de voluntariado.

Oleksii Erinchak, dentro da sua livraria no centro de Kiev, antes da invasão de 24 de fevereiro.

"Estamos a tentar preparar-nos para o pior cenário, onde estaríamos cercados por tropas russas e todas as redes de abastecimento seriam destruídas. Portanto, estamos a tentar garantir que toda a gente e todos os edifícios estão preparados para isso", disse à CNN.

Outro projeto em que os voluntários estão a trabalhar é tentar encorajar as pessoas a conhecer os seus vizinhos, algo que não é assim tão comum numa cidade grande.

"Se tudo estiver bloqueado - sem ligação à Internet, sem chamadas telefónicas -, vocês estarão junto aos vossos vizinhos (e) eles poderão ajudar-vos. Não estarão sozinhos", disse Erinchak. A maior parte do seu trabalho concentra-se agora na criação de redes de vizinhança para distribuição de alimentos e medicamentos.

Mas Erinchak ainda continua a vender livros, "... pois deve haver alguma normalidade, mesmo nesta situação", diz. O café, no entanto, é gratuito.

Mais perto do centro da cidade, as defesas são mais fortes.

Mas aqui, são os profissionais que cuidam dos postos de controlo. Blindados e lança-foguetes estão em posição ao longo das principais artérias da cidade.

A famosa Praça Maidan de Kiev, que fica no coração da capital, é agora uma fortaleza. Uma grande bandeira ucraniana está erguida sobre o local dos protestos de 2014.

Os parques da capital servem agora como pontos de paragem para veículos militares. Zonas comerciais com boutiques, cafés modernos e restaurantes caros estão agora cercadas por barreiras feitas de sacos de areia e blocos de cimento.

E a sinalização eletrónica que normalmente exibe informações de tráfego e publicidade pede agora que a "NATO feche os céus" e proclama "Glória à Ucrânia".

Uma dessas mensagens dirige-se diretamente às tropas russas. "Soldados russos, parem. Como podem olhar os vossos filhos nos olhos? Vão para casa e sejam humanos."

Perto da sede da Polícia de Kiev, oito homens - dois polícias e seis guardas nacionais - ocupam um posto de controlo, parando todos os veículos que passam.

O reservista da Guarda Nacional, Oleksandr, que pediu à CNN para usar apenas o seu primeiro nome por motivos de segurança, disse que passa seis horas no posto, depois tem seis horas para descansar.

Normalmente, isso significa quatro horas de sono e duas horas para qualquer outra coisa: tomar banho, fazer a barba, trocar de roupa ou enviar uma mensagem rápida à família. "Seis horas é muito tempo para ficar na neve", diz. "Está frio."

Ao virar da esquina, uma pequena loja permanece aberta, mas todos os outros estabelecimentos em redor fecharam. Liudmyla dá café e cigarros aos soldados que protegem a estrada em frente à sua loja.

Liudmyla e o marido, Dmytro, optaram por manter a loja aberta, mesmo que outras empresas locais próximas tenham fechado.

"Não há muitos outros clientes hoje em dia", diz Liudmyla, que pediu à CNN para ser referida apenas pelo seu primeiro nome por razões de segurança.

A maioria das pessoas fica em casa e não se aventura no centro da cidade. Há um amontoado de gente escondida em caves e estações de metro. Liudmyla diz que está determinada a manter a loja aberta e trouxe o marido Dmytro para ajudar. "Eu trabalho. Ele protege-me", diz ela.

Ela diz que "não há palavras, emoções ou reações que possam descrever como me sinto".

"Não sabemos que dia da semana é hoje, mas sabemos com certeza que é o décimo terceiro dia de guerra", diz ela, acrescentando que acredita que os ucranianos sairão "vitoriosos".

Em vez de um adeus, Liudmyla termina a nossa conversa com o que muitos por aqui pensam: "Putin é um canalha!"

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