Alina voltou a dançar em Portugal. Mas o corpo dela, de refugiada, só deseja um abraço em Zaporizhzhia

24 abr 2022, 10:00

Alina Petrenko é um dos mais de 200 refugiados ucranianos que chegaram a Lisboa no primeiro voo humanitário da associação Ukrainian Refugees UAPT, a 10 de março. Não fosse a guerra e ela estaria hoje a dançar no outro lado do mundo, na China. Os pais e o irmão ficaram em Zaporizhzhia, a cidade que serve de refúgio a tantos que fogem de Mariupol por estes dias, mas onde a maior central nuclear da Europa é um fator adicional de preocupação

Ela estava no sítio certo, à hora errada. No sítio certo, porque Zaporizhzhia é a cidade que chama de casa. À hora errada, porque por lá passava pouco tempo, mas quando a guerra começou, estava de visita aos pais. “Foi pura coincidência. O meu contrato na Coreia do Sul tinha terminado. Há dois anos que não estava em casa”. Alina Petrenko, 24 anos, bailarina.

Para ela, a dança sempre foi o bilhete para um mundo que desejava conhecer. O que Alina nunca esperou foi que Portugal se transformasse num destino no curto prazo, mesmo com uma prima a viver em Lisboa. Chegou a 10 de março, no primeiro voo humanitário. Não como bailarina, mas como refugiada.

“A viagem começou por ser muito difícil, com vários obstáculos, principalmente de Zaporizhzhia até Lviv. Havia muita gente a tentar fugir ao mesmo tempo, pessoas que dormiam nos corredores dos comboios”, recorda. A ideia de vir para Portugal não foi dela. Foram os pais que a fizeram cruzar a Europa toda, acompanhada da cunhada e do sobrinho.

Alina dançou nos Estúdios Victor Córdon, em Lisboa, onde teve lugar a entrevista com a CNN Portugal

O mapa do destino

Com a guerra, não há tempo para dançar, mesmo que isso possa ser uma necessidade básica. Porque o corpo de Alina, contra todas as expectativas, estava destinado ao movimento. “Aos sete anos tinha uma amiga que dançava. O meu pai quis levar-me, para estar com a minha amiga e entreter-me. Mas a turma dela já estava cheia, não me queriam aceitar. O meu pai combinou que eu ia só a uma aula, para ver. Eu repetia o que as outras raparigas faziam. A professora perguntou-me ‘Então, já dançavas antes?’. Respondi logo que não. A partir daí, nunca mais parei”.

Não parou. A dança levou-a de Zaporizhzhia para Dnipro para estudar. E, depois, até à Coreia do Sul, ao resort Samsung Everland. Os trajes transformaram-na, a cada dia, nas mais diferentes princesas asiáticas. A fazer as delícias de outras meninas que, como ela outrora, sonham com essa transformação.

Não fosse a guerra, Alina Petrenko estaria hoje a dançar do outro lado do mundo. “Tinha um contrato para assinar na China, tal como o da Coreia do Sul. Teve de ser cancelado. Tive de vir para cá com a minha cunhada e sobrinho. Estou triste porque gostava de estar lá, a dançar na China, mas tudo tem um motivo. É o destino. Se estou em Portugal, é porque tenho de estar”.

Muitas memórias dos tempos da Coreia do Sul estão guardadas em fotografias

A angústia não se descreve

É automático. Ao entrar na sala dos Estúdios Victor Córdon, em Lisboa, o corpo dela transforma-se. As barras, os espelhos, o piano, devolvem-lhe a postura firme, segura. Alina confessa que lhe apeteceu logo dançar. Segurou-se, porque tinha uma entrevista para dar. Tal como se segurou na noite em que o irmão a acordou, para dizer que a guerra tinha começado.

Alina sabe que, desde esse minuto, há salas de ensaios, como aquela que agora pisa, completamente destruídas por toda a Ucrânia. Mas não há como descrever quando nos atacam onde dói mais. “Nem consigo arranjar resposta para isso. É algo que nunca imaginei. É angustiante, nada mais”.

A cidade dela, Zaporizhzhia, tem entrado tantas vezes pelas notícias dentro. Agora, porque é o primeiro escape para quem foge de Mariupol, a cidade-mártir. Há umas semanas, porque os russos tomaram o controlo daquela que é a maior central nuclear da Europa. Um motivo para deixar, ainda mais preocupado quem vive no meio da guerra. Mas, diz Alina, os compatriotas são diferentes: “As pessoas em Zaporizhzhia têm um pensamento positivo, de que os russos não sejam tão loucos para começar a bombardear uma central nuclear, porque que também os prejudicaria”.

Esta é uma das vistas de Zaporizhzhia antes da guerra. Alina deseja voltar a ver a cidade assim, calma (Getty Images)

O sítio certo

Todos os dias, por telefone, repetem-se as perguntas. A noite foi tranquila? Há como comprar comida? E dinheiro? Do outro lado da linha estão os pais e o irmão. “Estou sempre preocupada por eles, porque é uma zona perto do perigo”.

Alina não perdeu os sonhos antigos, como o de trabalhar num cruzeiro, para continuar a correr o mundo. Mas a guerra trouxe-lhe novos sonhos, novas prioridades. A Ucrânia é agora o primeiro destino da lista. E qual seria o primeiro sítio onde voltaria? “Para casa dos meus pais, para abraçá-los, para estar com eles, conversarmos, felizes por estarmos juntos. E, se houver paz, festejar esse feito”.

É o ponto final na conversa. Alina precisa de aquecer o corpo para fazer o que mais gosta. O estúdio é para ela. No tempo dela. Escolheu esta música, diz, apenas porque já a tinha ensaiado. “No Matter What” de Callum Scott. Mas mesmo nas escolhas ingénuas, o destino faz das suas: uma canção sobre amor incondicional, sobre o conforto que só se encontra nos braços de uma mãe, nos braços de um pai. Os nomes deste abraço são Viktoria e Vasyliy.

Alina com os pais, que sempre a apoiaram no sonho de ser bailarina

 

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