ANÁLISE || Aumento maciço de ataques ucranianos e de incidentes misteriosos está a dar aos cidadãos russos uma amostra dos horrores da guerra
Em anos anteriores, o mês de agosto era frequentemente saudado na Rússia com alguma cautela, ou mesmo alarme. Os russos falavam em tom sussurrado da sua “maldição de agosto” para explicar o número invulgarmente elevado de acidentes mortais, ataques terroristas ou surtos de guerra.
Durante muito tempo, essa maldição parecia ter sido levantada e quase esquecida, reduzindo o mês a apenas mais um interlúdio quente de verão.
Mas este ano, a “maldição” parece estar de volta e com sentido de vingança.
Para começar, os russos estão a assistir a um aumento maciço dos ataques ucranianos que trouxeram a guerra do Kremlin para casa, fazendo Moscovo pagar um preço e dando aos cidadãos russos comuns uma amostra da terrível violência que a Ucrânia tem sofrido desde fevereiro do ano passado.
No Mar Negro, as frotas militares e comerciais da Rússia foram atacadas por drones navais ucranianos este mês, ameaçando as rotas de abastecimento e comércio russas.
E, até agora, em todos os dias de agosto foram noticiados pelos meios de comunicação social ataques de drones ucranianos, em pequena escala mas incessantes, contra edifícios oficiais, instalações militares ou estabelecimentos comerciais e residenciais.
A maioria é abatida do céu, segundo as autoridades, por defesas aéreas reforçadas. Mas há um número suficiente de projéteis que faz os russos parar.
“Estamos todos chocados por isto estar a acontecer aqui”, disse uma mulher anónima aos meios de comunicação locais em Moscovo.
“Mas como não somos políticos, não queremos fazer comentários”, acrescentou.
Na Rússia, tem havido uma repressão rigorosa da dissidência, sobretudo no que respeita às críticas à guerra na Ucrânia.
Outra mulher apareceu nos meios de comunicação locais com o rosto desfocado para proteger a identidade: “Tenho dois filhos e quero deixar de ter vergonha por eles terem nascido nesta altura”, disse.
Em agosto, registou-se um aumento sem precedentes de ataques incendiários contra gabinetes de recrutamento militar em todo o país - mais de duas dúzias de ataques à bomba em pouco mais de uma semana, de acordo com os meios de comunicação social estatais russos.
As autoridades dizem que cidadãos vulneráveis, como os reformados, estão a ser enganados por agentes ucranianos que se fazem passar por polícias ou por credores que pedem empréstimos e os obrigam a agir.
Mas uma fonte ligada a um grupo partidário russo nega que os russos estejam a ser coagidos, dizendo à CNN que o Kremlin quer esconder o crescente descontentamento da sociedade.
“Se as pessoas não estivessem zangadas com as autoridades, elas não fariam nada”, disse a fonte à CNN.
A segunda semana de agosto não foi menos agitada do que a primeira, e com muito mais mortos e feridos.
Uma misteriosa explosão destruiu uma unidade industrial na pequena cidade russa de Sergiev Posad, a cerca de duas horas de automóvel de Moscovo, lançando uma nuvem negra em forma de cogumelo para os céus.
As autoridades insistem que se tratou de um lapso de segurança numa fábrica de fogo de artifício, negando relatos de sabotagem no que foi outrora um dos principais fabricantes de equipamento ótico militar, como óculos noturnos e miras para armas.
Ainda assim, a explosão causou danos horríveis: 440 apartamentos e 20 casas particulares atingidas, segundo os média estatais russos; 184 carros destruídos; 84 pessoas feridas, 1 morta e pelo menos mais 8 ainda desaparecidas.
A maldição de agosto russa está, de facto, de volta.