O que é o Grupo Wagner, o exército de mercenários russos na Ucrânia

9 mar 2022, 07:53
Vladimir Putin. Foto: Sergei Guneyev/Sputnik/AFP via Getty Images

Centenas de mercenários russos estão na Ucrânia e uma das suas missões será assassinar Volodymyr Zelensky. E sim, "o patrão" é "amigo do Putin"

O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, terá sido alvo de três tentativas de assassinato desde que a Rússia invadiu o país. Estas alegações não foram confirmadas oficialmente, mas fontes citadas por vários jornais apontam nesse sentido. O britânico "Sunday Times" escreveu taxativamente que "mercenários russos receberam ordens para assassinar o presidente da Ucrânia". O New York Times, citando duas fontes de serviços secretos, adiantava dois dias antes da invasão da Ucrânia que cerca de 300 mercenários já estavam "com o grupo paramilitar russo Wagner nos enclaves separatistas" da Ucrânia. 

"Legalmente, o grupo Wagner não existe", explica ao The Economist Sorcha MacLeod, que lidera o grupo de trabalho sobre mercenários nas Nações Unidas. A Rússia não reconhece oficialmente a sua existência, mas são muitos os relatórios e notícias que nos últimos anos testemunham a sua existência - e intervenção em conflitos como o da Síria, da Líbia ou da República Centro-Africana.

O que é o grupo Wagner?

Trata-se de "uma entidade militar privada com base na Rússia não constituída formalmente". É desta forma que a União Europeia descreve o grupo, em relação ao qual, em dezembro de 2021, adotou um conjunto de medidas restritivas. 

A organização terá sido fundada por volta de 2007, na Rússia, por um ex-oficial do exército russo, Dmitriy Valeryevich Utkin, com o apoio de Yevgeny Prigozhin, um oligarca russo com laços estreitos ao Kremlin. E é por isso, que muitos tratam o Grupo Wagner como um exército privado de Vladimir Putin.

A denominação não é estranha para José Manuel Anes, ex-presidente do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT). "O patrão do Grupo Wagner é um amigo do Putin e, portanto, é uma milícia privada, não oficial, mas que está sempre ao serviço do governo russo e do Putin, claramente", afirma à CNN Portugal.

As tentativas de assassinato de Zelensky avançadas pelo jornal britânico The Times foram comentadas pelo secretário do Conselho de Segurança e Defesa Nacional da Ucrânia. Oleksiy Danilov revelou, na altura, que "espiões russos tinham alertado [Kiev] sobre os planos de assassinato". Na Ucrânia estarão centenas de mercenários pertencentes ao Grupo Wagner, cuja missão é assassinar Zelensky. Mas ainda segundo o jornal de The Times, eles não estão sozinhos. No terreno, com o mesmo intuito, estão também forças paramilitares especiais chechenas.

Para José Manuel Anes, as informações avançadas pelo jornal britânico são credíveis: "O The Times tem boas informações do MI6, que são as informações britânicas no exterior, e que estão também presentes na Ucrânia. Portanto, considero essas informações fiáveis".

Recorde-se que Yevgeny Prigozhin, alegado dono do grupo, é um dos alvos de sanções impostas a oligarcas russos pelos Estados Unidos, na sequência da invasão da Ucrânia. E já em dezembro de 2021 o Conselho Europeu impôs medidas restritivas contra o grupo e a descrição feita do mesmo é reveladora:

"O Grupo Wagner recrutou, formou e enviou operacionais militares privados para zonas de conflito em todo o mundo, a fim de alimentar a violência, saquear recursos naturais e intimidar civis em violação do direito internacional, incluindo o direito internacionaldos direitos humanos".

"As pessoas incluídas na lista da UE estão envolvidas em graves violações dos direitos humanos, nomeadamente tortura e execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias, ou em atividades desestabilizadoras em alguns dos países em que operam, como a Líbia, a Síria, a Ucrânia (Donbass) e a República Centro-Africana. O grupo está também a estender a sua influência nefasta a outros locais, a saber, à região do Sael. Por estes motivos, o grupo constitui uma ameaça para as populações dos países onde estão presentes, para toda a região e para a União Europeia", lê-se no comunicado divulgado.

As ações do grupo em diversas partes do mundo, são reconhecidas pela União Europeia, através desta decisão, e as medidas "visam o próprio Grupo Wagner, bem como oito pessoas e três entidades a ele ligadas".

Esta descrição não espanta quem já se cruzou com este nome profissionalmente. "É uma tropa que pode fazer a chamada guerra suja, aquilo que as tropas, com receio de serem condenadas internacionalmente, não fazem. Este grupo de mercenários faz o que quer, o que lhes apetece e o que lhes é pedido", explica à CNN Portugal José Manuel Anes. E não tem dúvidas: "A situação, se já é preocupante a nível das tropas convencionais russas, agora com estas tropas especiais de guerra suja… ainda vai ser pior".

Dmitriy Valeryevich Utkin e Yevgeny Prigozhin

As informações sobre o ex-oficial do exército russo Dmitriy Valeryevich Utkin são escassas. Terá servido como tenente-coronel das forças especiais do GRU (Direção Central do Estado-Maior das Forças Armadas da Rússia) e recebido quatro Ordens de Coragem. Nasceu a 11 de junho de 1970 em Asbest, na Rússia, tem agora 51 anos. Dmitriy Valeryevich Utkin também terá sido chefe de segurança de Yevgeny Prigozhin.

Já Yevgeny Prigozhin é conhecido como "o chef de Putin". A alcunha virá do facto de ter feito fortuna em negócios de catering na década de 90. Terá conhecido Putin, em 2001, no seu restaurante de luxo em São Petersburgo, o New Island, e em pouco tempo passou a fazer parte do círculo próximo do líder russo. Tem 58 anos. Sempre que foi questionado, Prigozhin negou qualquer ligação ao grupo.

Dmitriy Valeryevich Utkin será o homem responsável pelo nascimento do Grupo Wagner. que só se torna visível aos olhos do mundo em 2014, durante a Guerra civil no leste da Ucrânia. É nessa altura que surgem relatos de soldados ucranianos que se cruzaram com homens fardados, mas sem símbolos e que falavam russo. Mais tarde surgem novamente na Síria. Mas a sua ação estende-se por diversos continentes.

Nas últimas semanas, mesmo antes da invasão da Ucrânia, já haveria registo de muitos mercenários retirados de África, para rumarem a um novo destino. Segundo o jornal de The Times a nova missão era "decapitar o governo de Zelensky em troca de um bónus financeiro".

As viagens de elementos do Grupo Wagner, entre países, são expectáveis para o ex-presidente do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT): "Eles têm um número limitado de efetivos. Se são mais precisos noutra zona, saem de onde estão e vão para outra", até porque, "têm um número limitado de efetivos".

Ninguém sabe ao certo quantos são, mas, segundo José Manuel Anes, "calcula-se que serão vários milhares, mesmo dezenas de milhares. O que, mesmo assim, não dá para estar em todo o mundo como a Rússia pretende".

Como atua o grupo no terreno?

O Grupo Wagner atua através de operações clandestinas, ao serviço de Moscovo, em países em conflito, sejam a Ucrânia, a Síria ou nações africanas como a República Centro-Africana, entre outras, onde projetos de interesse russo possam estar em causa. 

São também uma forma de expandir a influência geoestratégica de Moscovo e monitorizar lugares-chave no mundo.

Em declarações ao The Times, o general Sir Richard Barrons, ex-comandante britânico do Comando das Forças Conjuntas, afirmou que "eles são muito eficazes porque são difíceis de identificar".

Estes homens serão treinados para as missões em acampamentos próximos da base dos Serviços de Inteligência russo (GRU) em Molkino, na região de Krasnodar. E sendo este um grupo privado, os interesses económicos não podem ser esquecidos. Há relatos de que também atuam no interesse de empresas russas em determinadas regiões. São ainda capazes de treinar forças de segurança, milícias locais ou proteger dirigentes ou autoridades locais.

Considerando que a Agência de Pesquisa na Internet, conhecida como "fábrica de trolls", instalada em São Petersburgo é também propriedade de Yevgeny Prigozhin, muitos garatem que o grupo também tem um papel ativo em campanhas de desinformação e propaganda.

Mercenários russos, do Grupo Wagner, foram mortos em combate na República Centro-Africana

Apesar de eficaz, o Grupo Wagner não é imbatível, e já houve elementos mortos em ações exteriores. Em novembro do ano passado, quatro mercenários russos do grupo Wagner morreram em combates com os rebeldes do movimento 3R a 18 de novembro, em Pare, República Centro-Africana, apurou a CNN Portugal, que então avançou essa informação num exclusivo mundial.

Na altura, mercenários russos do grupo Wagner lançaram um ataque contra uma posição do movimento rebelde 3R (Regresso, Reclamação e Reabilitação) na República Centro-Africana. A CNN Portugal confirmou detalhes sobre o ataque, que teve lugar em Pare, a cerca de 15 quilómetros de Baboua, na prefeitura de Nana Mambéré, a 18 de Novembro, segundo um serviço de informações militares.

Três mercenários russos morreram no local e um ferido grave foi evacuado para Baboua, onde viria a falecer devido à gravidade dos ferimentos. Nos confrontos morreram ainda um guerrilheiro do 3R e um elemento da milícia cristã anti-balaka. Os mercenários russos foram enterrados no mato. As suas armas (essencialmente AK-47), segundo uma fonte rebelde, foram capturadas.

A República Centro-Africana está a ferro e fogo há oito longos anos. Catorze grupos armados controlam 80% do território onde o Estado faz figura de ausente. A influência da Federação Russa não pára de aumentar na RCA desde 2017.

Profissionais sem ética

A presença de tropas chechenas, e também sírias, é previsível para José Manuel Anes. O passado da Rússia nas duas regiões explica essa "ajuda". "Putin fez à Chechenia aquilo que está a tentar fazer agora à Ucrânia, que foi matar civis e destruir cidades. Depois pôs lá um presidente fantoche, com muito dinheiro, e aquilo está mais ao menos controlado", recorda. E esse mesmo tipo de ajuda foi dada à Síria.

A presença destes homens no terreno "é um problema" para todos. Sobre o Grupo Wagner, afirma, "sem dúvidas", que "são profissionais sem ética, militares prontos para fazer a guerra suja".  E a companhia no terreno dos mercenários estará ao mesmo nível: "Quantos aos chechenos, é uma tropa também sem ética, aquilo é matança total". "A tropa chechena é uma tropa muito competente, mas é uma tropa de matança e destruição. Os da Síria a mesma coisa", conclui o ex-presidente do OSCOT.

Vale a pena recordar os relatos do repórter Rui Araújo, da TVI/CNN Portugal, em novembro passado. Enviado à República Centro-Africana, o jornalista noticiou como mercenários russos mataram, em Kaga-Bandoro um influente comerciante árabe, Mahamat Zène Abrass: "Foi raptado no mercado. Depois foi levado para a base dos russos. Foi torturado com selvajaria e a seguir cortado aos pedaços antes de ser decapitado e queimado. (...) Os mercenários russos estão a transformar a RCA noutra Ucrânia…”

Os operacionais (“contractors”) da Wagner são acusados de “matar crianças, violar e torturar mulheres como animais e de executar homens nas mesquitas” Em março do ano passado, um relatório de peritos mandatados pela ONU acusava os operacionais da Wagner de “graves violações dos direitos humanos”. Como recordava em novembro o repórter Rui Araújo, os jornalistas russos Orhan Djemal, Alexandre Rastorguev e Kirill Radchenko, que estavam a fazer um documentário sobre as actividades do grupo Wagner na RCA, foram misteriosamente assassinados perto de Sibut em 2018. 

A Federação Russa aumentou as operações com firmas tecnicamente ilegais de mercenários (ChVK’s) a partir de 2014. "As principais firmas são a MSGroup, a RSB, a MAP, a CENTRE R, a ATK Group, a SLAV CORPS, a ENOT, a COSSACKS e a PMC WAGNER".

O grupo de mercenários mais proeminente é o da firma Wagner. "Especialidades: fomentar a exploração ou o saque dos recursos naturais, propagandear as teses de Putin, divulgar fake news, desinformar as opiniões públicas, raptar e matar com total impunidade…"

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