«Figo fascina-me»

8 jun 2000, 16:42

Entrevista a Jorge Valdano Jorge Valdano, campeão do mundo como jogador, campeão de Espanha como treinador, cronista e escritor brilhante, fala do Euro-2000, de Portugal e muito mais. Entrevista, com muitas frases para guardar.

«Figo é um jogador que conseguiu o prodígio de tornar habitual o excepcional. »   
  
Jorge Valdano foi um dos grandes avançados dos anos 80. Nasceu a 4 de Outubro de 1955, jogou no Newell's Old Boys e fez o resto da carreira em Espanha, onde vive há muito. Jogou no Alavés, Saragoça e Real Madrid, foi campeão do Mundo pela Argentina em 1986, ao lado de Maradona.    
  
Quando deixou de jogar continuou no Real. Seguiu-se uma carreira de treinador no Tenerife, no Real (onde foi campeão, em 1995) e no Valência, definida pela coerência e a defesa constante de um ideal de futebol. Agora escreve e fala sobre futebol e sobre a vida. Valdano falou com o Maisfutebol sobre o Euro-2000, Portugal, ideologias, literatura e tango. Entre mil e uma coisas mais, numa conversa que vive da inteligência deste pensador que prefere definir-se como um homem do futebol.

«A solução para a falta de contundência de Portugal passa por especialistas e estes nascem por geração espontânea, como nasceu Gomes, no seu tempo. Enquanto não aparecem herdeiros capazes da mesma contundência, o bom futebol de Portugal é insuficiente para resolver todos os problemas. O bom futebol só tem razão se também tiver pontaria.»   
  
- Nos seus «Cadernos», escritos durante o Europeu de 1996, você fazia um balanço muito pessimista acerca da qualidade do futebol praticado na competição...   
  
- O Europeu de Inglaterra foi considerado o pior da história. A tal ponto que, uma vez concluído, houve imensas propostas de alteração ao regulamento, porque a sensação era a de que se tinha batido no fundo. Foi um torneio com grande preponderância dos aspectos físicos. Pouquíssimas equipas estavam dispostas a tomar a iniciativa e, sobretudo, a ter um projecto futebolístico centrado na bola. Portugal tentou-o, sem contundência ofensiva. A Holanda também, mas no meio de uma relação muito difícil entre jogadores conflituosos. Na final, tivemos a Alemanha e a República Checa, as equipas em melhor condição física ¿ e apenas isso.   
  
- Dois anos depois, encontrámo-lo bem mais optimista no Mundial de França...   
  
- Um Mundial tem a vantagem de incluir países africanos e sul-americanos, que dão um forte contributo de imaginação ao futebol. Nas selecções europeias nunca aparecem Romários e Kanus, por isso as coisas estão um degrau abaixo no que diz respeito à espectacularidade.   
  
- Podemos concluir que parte com reduzida expectativa para este Euro-2000?    
  
- É preciso ver que desta vez, para lá de Portugal e Holanda, que apresentam propostas de futebol semelhantes às de então, a Espanha mudou totalmente o seu projecto e a França surge com a auto-estima muito fortalecida pela conquista do título mundial. Além disso, os franceses contam com aquele que, para mim, é o melhor jogador da actualidade, Zidane.   
  
- Ainda é?   
  
- Teve uma espécie de crise pós-glória a seguir ao Mundial, mas para mim continua a ser um jogador extremamente atractivo. Por um lado é condutor de jogo ¿ sabe fazer tudo aquilo que é lógico ¿ e por outro é um fantasista, alguém capaz de modificar o decurso de um jogo com um golpe de criatividade.   
  
- As suas preferências vão para essas quatro selecções?   
  
- Pessoalmente, sim. Se ganhar uma equipa que defenda este tipo de jogo, assente na posse de bola, o futebol avança cinco anos. Se, pelo contrário, ganhar um país que aposta num estilo mais especulativo, o futebol regride cinco anos. Isto porque é inevitável a tendência para imitar os vencedores.   
  
- Voltando a Portugal, cujo futebol sei que aprecia, como lhe parece possível solucionar o problema da falta de contundência?   
  
- É um problema que não tem a ver com o sistema táctico ou com os princípios de criação de jogo. A solução passa por especialistas e estes nascem por geração espontânea, como nasceu Gomes, no seu tempo. Enquanto não aparecem herdeiros capazes da mesma contundência, o bom futebol de Portugal é insuficiente para resolver todos os problemas. O bom futebol só tem razão se também tiver pontaria.   
  
«Figo fascina-me»   
  
- Que outros jogadores o fascinam, à parte Zidane?   
  
- Figo fascina-me. É um jogador que conseguiu o prodígio de tornar habitual o excepcional. Mas há outros: parece-me extraordinária a evolução de Raúl. E acho muito interessante a abordagem que os holandeses fazem do jogo. Aqui não me fico por apenas um nome, posso citar os irmãos De Boer, Kluivert, Overmars, Bergkamp, Davids. Este pode, ainda, ser um Europeu marcado por tudo aquilo que supusemos ver em Owen durante o Mundial, no pouco tempo em que pudemos disfrutar da sua presença em campo. Todos estes são jogadores que convidam a assistir a um encontro. Por outro lado, há futebolistas que conheceram uma perigosa involução nos últimos tempos, e o caso de Del Piero talvez seja o mais evidente. Mas um Campeonato deste tipo traz sempre grandes revelações, individuais e colectivas.

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