A história de um crime perfeito (Holanda-Itália)

29 jun 2000, 21:20

Itália venceu Holanda nos penalties (3-1) A segunda meia-final do Euro-2000 decidiu-se nos penalties, após empate sem golos ao fim de 120 minutos. A Holanda falhou dois penalties durante o jogo e mais três na marcação de grandes penalidades. Incrível.

A Itália está na final do Europeu, após vencer a Holanda (0-0, 3-1 no desempate por «penalties»). Este é o facto mais importante que resultou do jogo do Arena. Mas há outros: a Itália fez 4 remates em duas horas; a Holanda 31. A Itália teve a bola em seu poder durante 37 minutos; a Holanda durante 66. A Itália entrou em campo determinada a esperar pelos «penalties»; a Holanda tomou o seu destino nas mãos e fez tudo para ganhar o jogo. A Itália ganhou; a Holanda perdeu.  

Mais do que o relato de um jogo, esta é a história de um crime perfeito, consumado à custa de um guarda-redes em estado de graça, de uma defesa aperfeiçoada por décadas de tradição destrutiva e da desastrada tarde dos holandeses nos momentos decisivos. 

É irónico que, no Europeu da fantasia, da criatividade e do espírito ofensivo, a Itália chegue ao último dia com boas hipóteses de conquistar o título. A proeza conseguida pelos seus jogadores, inexcedíveis de determinação, coragem e espírito de luta, mesmo contra um impressionante conjunto de adversidades, foi o de provar que a bola pode ser um acessório dispensável na conquista de grandes resultados e de que não é preciso atacar para ganhar jogos. Uma teoria que volta a lançar grandes interrogações sobre o futebol actual, e que ameaça fazer lei caso a Itália consiga repetir a receita de sucesso diante da França.  

Holanda falha dois penalties 

Estas inquietações não retiram validade a uma constatação óbvia: a de que os italianos foram sempre mais determinados e lúcidos na forma como tentaram cumprir os seus objectivos. Foram «mais equipa», como se diz em futebolês arcaico. E não se conclua daqui que a eliminação da Holanda é uma injustiça, já que nenhuma equipa que actua durante 87 minutos em superioridade numérica e dispõe de dois «penalties» pode queixar-se da falta de sorte antes de falar das suas limitações. 

Em boa verdade, a Holanda que tinha presença anunciada na final ainda antes do início da prova só justificou inteiramente esse estatuto em duas ocasiões: diante da França B, para garantir a vitória no grupo; e frente à Jugoslávia, na melhor demonstração de espírito ofensivo de todo o Europeu. Faltava-lhe um teste à variedade de soluções perante um opositor com outro idioma futebolístico. O veredicto é claro e inapelável: «insuficiente». 

Um jogo de sentido único 

Não vale a pena perder muito tempo a descrever lances e subtilezas tácticas. Basta assentar a ideia de um jogo de sentido único, rumo à baliza do divino Toldo. A bola no poste de Bergkamp (15 m), o «penalty» falhado por Frank de Boer, o segundo «penalty» falhado por Kluivert, as sucessivas ocasiões de golo holandesas e demonstrações de valentia e classe dos defesas italianos foram apenas ingredientes de um jogo decepcionante, que a certa altura se assemelhava ao embate entre duas equipas que se caricaturavam a elas próprias.  

É certo que a expulsão de Zambrotta condicionou fatalmente a atitude dos italianos a partir da meia hora de jogo. Mas não é líquido que, com onze, tivessem ido muito mais além no que se refere a ousadia e ambição. Pelo contrário: apesar de contar com avançados tão talentosos como os melhores, Zoff faz gala em castigá-los, deixando-os no «banco» (Totti, desta vez, Del Piero nas outras) ou forçando-os a missões de sacrifício sempre que as circunstâncias o aconselham (Del Piero a lateral-direito após a expulsão).  

Esta é a vitória de uma equipa muito forte nas suas armas, que faz do resultado a única finalidade do jogo. E quando, como sucedeu no Arena, as circunstâncias levam os seus jogadores à superação psicológica, é quase impossível desfazer-lhes a aura de invulnerabilidade.  

A euforia com que os adeptos saudaram o fim do prolongamento e a conquista da decisão por «penalties» é bem o espelho dessa confiança. E o adversário não escapa a essa sensação: quando Bosvelt falhou o último «penalty» estava apenas a passar a letra de forma uma derrota consumada há muitos minutos, na cabeça de italianos e holandeses. 

Ficha do jogo 

Holanda, 0- Itália, 0 (1-3 nas g.p.) 

Estádio Arena, em Amesterdão

Árbitro: Markus Merk (Alemanha) 

Holanda: Van der Sar; Bosvelt, Stam, Frank de Boer «cap.» e Van Bronckhorst; Zenden (Van Vossen, 76 m), Davids, Cocu (Winter, 94 m) e Overmars; Bergkamp (Seedorf, 85 m) e Kluivert 

Itália: Toldo; Maldini «cap», Cannavaro, Nesta e Iuliano; Di Biagio, Zambrotta, Albertini (Pessotto, 76 m) e Fiore (Totti, 81 m); Del Piero e Inzaghi (Del Vecchio, 66 m) 

Disciplina: Cartão amarelo a Zenden (26 m), Davids (49 m), Van Bronckhorst (74 m) e Van der Sar (93 m); Zambrotta (14 m e 33 m), Iuliano (16 m), Toldo (37 m), Maldini (45 m) e Di Biagio (87 m) 

Penalties: Di Biagio (Sim, 0-1; Frank de Boer (Não, 0-1); Pessotto (Sim, 0-2); Stam (Não, 0-2); Totti (Sim, 0-3); Kluivert (Sim, 1-3); Maldini (Não, 1-3); Bosvelt (Não, 1-3)

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