Pena e Jardel - os criadores quase não dão pela diferença

16 nov 2000, 20:15

Goleadores só se distinguem no estilo Capucho, Deco e Drulovic mantêm-se impávidos e podiam jurar que Pena é Jardel, uma vez que podem continuar a enviar a bola para as zonas de perigo, após uma ligeira espreitadela que lhes permite detectar o novo goleador do F.C. Porto rigorosamente no mesmo sítio onde, até há pouco tempo, estava posicionado Jardel.

Um voa sobre os centrais, aparece-lhes pela frente e surpreende-os, ganhando inevitavelmente a corrida para o couro; o outro prefere avançar com a bola colada na chuteira, acariciá-la antes de a despachar para a rede. Métodos diferentes para atingir um mesmo objectivo. Jardel vive de golos, Pena confirmou que o F.C. Porto vivia dos golos de Jardel. Falam a mesma língua, comungam o estranho prazer de deixar guarda-redes prostrados, inconsoláveis. Une-os igualmente, se bem que em períodos diversos, a arte única, reservada a muito poucos, de encantar as Antas. 

O jogador do Galatasaray colou o seu nome aos de Cubillas e Fernando Gomes, os reis do golo das décadas de 70 e 80, e deslumbrou nos últimos anos do milénio, trocando uma camisola, que jurava proporcionar-lhe sensações sobrenaturais, pelo aroma dos milhões que chegava da Turquia. Os portistas despediam-se com mágoa, mas suspeitavam que Pinto da Costa complementaria o último aceno a Jardel com uma prospecção de mercado profícua. Afinal, garantiam, havia Domingos, um símbolo da casa, e estavam para chegar Pizzi e Maric, reforços de peso, dignos representantes da arte do remate certeiro. 

Fernando Santos pensou da mesma forma e tranquilizou-se após os primeiros treinos. Bastaria recuar um dos avançados, mudar o nome à táctica e... já estava. Surgia o F.C. Porto versão 4x4x2, menos mecanizada do que aquela que a precedera, mas igualmente capaz de autorizar perspectivas de sucesso. Faltava testar, comprovar as boas intenções e sorrir. Tinha de bater certo. 

Saída da Liga serviu de aviso 

Um cenário negro, inesperado, inconcebível num clube habituado a participar assiduamente na Liga dos Campeões, acabou por exigir uma reconsideração. O F.C. Porto caiu perante o Anderlecht e Fernando Santos quis fazer um ponto da situação. A saída mais pragmática, parecia-lhe evidente, seria regressar ao esquema de que mais gosta, precisamente o mesmo que convenceu Pinto da Costa a mudá-lo da Amadora para a Invicta, na esperança de decalcar o futebol da Reboleira no domicílio do Dragão. 

Capucho, Drulovic e Deco continuavam mágicos. Faltava apenas quem fizesse o coelho pular da cartola. Santos convenceu-se. A máquina funcionara na perfeição durante dois anos. Não havia razão para mudá-la só porque saíra uma das peças mais importantes. Talvez a mais visível, quando muito a mais decisiva da engrenagem. Nunca a única insubstituível. 

É precisamente a meio deste raciocínio que o treinador decide colocar no vídeo a cassete que Pinto da Costa lhe dera, convencendo-se da obrigatoriedade do regresso ao passado recente ainda antes de premir a tecla «play». Estava perante a solução. Ali mesmo, sentado no sofá. O resto já foi dito e escrito. Pena chegou ao Porto. Primeiro quase anónimo, depois verdadeiramente triunfante. 

Diferentes mas iguais 

Pena é um avançado estranhamente trabalhador. O protótipo de brasileiro é mais estilo Romário, gestor de energias, pouco dado a esforços que não impliquem a condução da bola. O portista, todavia, corre que se farta, mesmo que o couro esteja nos pés de quem lhe compete infernizar. Só pára quando o recupera ou o vê na posse de um companheiro. É nessa altura que inverte a marcha, procurando o perigo, que atinge antes de todos os outros. É o momento em que Pena é igual a Jardel. Capucho, Drulovic, Deco e, este ano, Alenitchev, podem levantar o olhar e espreitar entre as marcações para descobrir as cores azuis-e-brancas na grande área do adversário. Não é Jardel, mas serve na perfeição. As jogadas são quase sempre as mesmas. O destino final é rigorosamente o mesmo. Os golos, logicamente, continuam a surgir. 

E já que se fala em diferenças, diga-se que Jardel é mais ponta-de-lança tal qual o passado concebeu esta tarefa. É mais fixo. Corre o quanto baste para matar os lances que alguém já congeminou. Limita-se a estar onde lhe compete. Nas margens do perigo, onde apenas se equilibra quem tem as suas capacidades. Pena ocupa zonas de terreno mais abrangentes, colabora nas tarefas defensivas, mas socorre-se de uma movimentação irrepreensível que lhe permite estar muitas vezes onde Jardel estava sempre. É por isso que os criadores não notam pela diferença e o F.C. Porto continua a ganhar. Com muitos golos do seu jogador mais avançado.

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