Uma pergunta sobre o Euro... 2004

10 jun 2000, 00:03

José Mourinho José Mourinho, treinador-adjunto do Barcelona, escreve nestas páginas durante o Campeonato da Europa.

Estive em Bratislava em observação do Europeu de sub-21 e para não pensar que os meus meninos estavam no Algarve, e eu ali durante dez dias, não me restava outra solução que não fosse juntar-me a dois monstros do futebol como os meus ilustres colegas, os srs. Cesare Maldini e Arrigo Sacchi, e falar daquilo que a todos nos encanta ....futebol. 
 

Barça para aqui, Barça para acolá, diferenças de metodologia em Espanha e Itália, tácticas, treinos, europeus, selecções, acabando em Portugal-2004.

Divagando e disfrutando cada um com as experiências e opiniões dos outros, passamos por um ponto comum aos dois senhores - a sua experiência como seleccionadores nacionais, as dificuldades inerentes à limitação de tempo de trabalho e logicamente as frustrações e os erros que agora já não se cometeriam. 

Uma questão básica foi a escolha dos jogadores para as competições finais, a outra luta de ideias era se se deveria pensar competição a competição, com planificaçoes focalizadas em períodos de dois anos, ou se pelo contrário se deveria periodicamente ¿saltar¿ uma destas competições e planificar uma equipa para quatro anos mais tarde.  

Pensar a longo prazo significa pensar que os melhores hoje não serão logicamente os melhores para quatro anos mais tarde. Significa que jogadores no auge da sua vida desportiva com 28-30 anos, estarão com 32-34. Significa por exemplo que em determinado momento se tem que afastar da selecção jogadores cujo rendimento actual se apresenta excelente.  

Que pena Dani... 

Como vos disse anteriormente, falámos de Portugal e daquilo que 2004 significa para nós. Penso friamente nas duas premissas: as escolhas de Humberto Coelho - pré europeu - e o futuro da nossa selecção - pós europeu. Decido que ¿me vou molhar¿, expressão espanhola representativa de opiniões de risco. 

De uma forma muito clara, creio que o nosso plantel eleito é formado basicamente pelos melhores, pelos mais aptos, por aqueles cuja trajectória na selecção e/ou nos clubes foi inequívoca. 

Estes jogadores têm maturidade futebolística, fruto de experiências vividas ao mais alto nível competitivo e que se traduz na cultura táctica que no futebol de hoje assume um carácter decisivo. O trabalho a realizar por Humberto e colaboradores e aquilo que nos dará sucesso ou insucesso é a capacidade para definir claramente princípios de jogo e principalmente a capacidade para que todos os jogadores pensem o jogo da mesma forma, tenham uma ideia táctica comum e inequívoca. 

Aconteça o que acontecer estes são para mim os melhores (é uma pena que Dani tenha estado de férias em Amesterdão e não possa ser convocado pois tem características muito específicas e importantes). 
 

Fim justifica meios 

A segunda premissa em análise é crucial e exige uma decisão consciente e firme. A selecção pós-Europeu 2000 tem que focar claramente o Europeu-2004.  

Constatando que muitos dos actuais jogadores estarão nesse ano em fase terminal de carreira, com as consequentes percas de potencial, temos de ter a coragem de no final deste Europeu, qualquer que seja o resultado, fechar um ciclo. Devemos renovar em absoluto um grupo de jogadores de grande valor profissional e humano. Que significa? Significa que jogadores ainda no ponto alto da sua vida desportiva se veriam abruptamente afastados dos projectos de futuro da nossa selecção e significaria também, provavelmente, o afastamento do próximo Mundial. Mas se em toda a nossa historia só nos apurámos para dois Mundiais, o fim parece-me que justifica os meios. 

Já estamos classificados para o nosso Europeu, se este grupo de jogadores não competir de verdade no apuramento para 2002, será jogando amigáveis que construiremos uma equipa que nos marque historicamente em 2004?

Em 2004 Vítor Baía terá 35 anos, Pedro Espinha 39, Fernando Couto 35, Dimas 35, Paulo Bento 35, Paulo Sousa e Secretário 34, João Pinto e Jorge Costa 33, Capucho e Rui Costa 32 e assim por diante. Tenho muito claro que destes jogadores alguns chegarão ao nosso Euro em óptimas condições físicas e motivacionais, mas mais claro ainda a certeza de que muitos não serão nesse momento as opções mais válidas como consequência das exigências e desgaste do futebol de alto nível em que quase todos estão involucrados. 

Custa-me pensar nisso e mais ainda escrevê-lo! Muitos destes nomes foram meus jogadores e ao respeito alio o carinho no meu sentimento para com eles. Mas o futebol de hoje transforma-nos em pessoas mais frias e conduz-nos a pensar na perfomance e cada vez menos nos sentimentos humanos. 
 

Sopa sem sal 
 

Eu projecto o futuro da nossa selecção numa super-experiente estrutura com Baía (35 anos para um guarda- redes é normalíssimo), Figo e Rui Costa (com 31 e 32 anos respectivamente) e com jogadores como Sérgio Conceição, Beto, Nuno Gomes, Simão, Dani, Fernando Meira, Mário Silva, Hugo Leal e outros, todos eles a necessitarem de uma definitiva aposta na selecção. 

A nova selecção «B» foi criada com estes objectivos? Aplaudo a iniciativa porque significa que alguém equacionou a necessidade de projectar o futuro. Mas faz-me lembrar um pouco quando em Barcelona pomos jogadores da primeira equipa a jogar no Barça «B», com resultados comportamentais e motivacionais deprimentes. Se quisermos é como uma fantástica sopa sem sal. 

Que português não trocaria uma ausência do Mundial-2002 por uma vitória no Portugal-2004? Boa pergunta para os que viajam ao www.maisfutebol.iol.pt responderem. 

                                                           José Mourinho

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