John Nears aguardou ansiosamente a viagem à América do Sul durante anos.
As férias foram planeadas pela mulher de John, Pam, em antecipação da reforma que se aproximava. Pam traçou o itinerário, pesquisou os comboios e quase - mas não totalmente - reservou os voos.
Depois tudo descarrilou. Pam adoeceu com cancro. Em 2000, com 63 anos, morreu.
"Pensei que a vida tinha acabado para mim", conta John, que vive em New Forest, no sudoeste de Inglaterra, à CNN Travel.
John estava casado com Pam há mais de 40 anos. Quando chegou a altura da reforma, não sentiu o júbilo ou a excitação que outrora esperara.
Mas à medida que os dias se tornavam meses e os meses se transformavam em anos, John dava por si a pensar na tão esperada viagem à América do Sul.
Depois de refletir sobre o assunto, o britânico decidiu que seguir o itinerário de Pam seria o que a mulher teria desejado - e fazer as férias na sua ausência seria uma homenagem à mesma. Convenceu o seu amigo Chris, recentemente divorciado, a juntar-se a si na aventura e, em março de 2004, quatro anos após a morte de Pam, os dois homens embarcaram na viagem.
As férias de seis semanas incluíram a observação das Linhas de Nazca no Peru e as salinas da Bolívia. Mas o ponto alto inesperado foi uma viagem de comboio de 10 horas pelo Peru - de Cusco a Puno.
"Não era um comboio normal", recorda John. "Era ao estilo do Expresso do Oriente, com empregados de mesa de laço, cabaré e uma carruagem de observação na parte de trás."
John e Chris entraram na carruagem, procuraram os respetivos lugares e aperceberam-se de que tinham reservado uma mesa para quatro. Já sentadas à mesa estavam duas mulheres americanas sorridentes e bem vestidas.
John e Chris cumprimentaram as companheiras de lugar, que se apresentaram como Judy Curtis e Judy Malody. Eram duas amigas dos EUA que partilhavam não só o primeiro nome, mas também o gosto pelas viagens.
Ambas eram simpáticas e acolhedoras, mas John sentiu-se imediatamente atraído por Judy Curtis. Gostou da forma como falava - direta mas calorosa - e do seu sorriso.
"Achei-a atraente", relembra John. "Também pensei que seríamos navios que passaram na noite, como diz o ditado."
Enquanto o comboio atravessava os Andes, Chris, John, Judy e Judy desfrutavam da companhia uns dos outros. Falaram sobre as suas vidas e viagens e também admiraram as vistas espetaculares.
No final da viagem, foi Chris quem sugeriu que todos trocassem endereços de e-mail. Depois, o grupo despediu-se, partindo do princípio de que nunca mais se voltariam a ver.
Algumas horas mais tarde, no hotel de Puno, John estava à espera do elevador quando viu as duas Judys a passear pelo átrio. Afinal, as mulheres estavam hospedadas no mesmo hotel que John e Chris.
John surpreendeu-se com o facto de estar tão feliz por voltar a ver Judy Curtis. Sugeriu que jantassem todos juntos nessa noite, o que fizeram, antes de seguirem novamente caminhos diferentes.
De volta a casa, no Reino Unido, John pensava em Judy com carinho de vez em quando. Mas não a contactou. Foi rapidamente absorvido pela sua vida no Reino Unido e o dia passado no comboio no Peru parecia uma memória cada vez mais distante.
Mas mal sabia ele que Judy, de volta a San Diego, na Califórnia, também estava a pensar nele com carinho.
Estender a mão
Em 2004, Judy era - tal como John - uma reformada na casa dos 60 anos. O marido tinha falecido há vários anos e, desde então, Judy tinha tentado fazer a sua própria sorte. Não acreditava em ficar à espera que as coisas acontecessem, que as pessoas telefonassem, que a vida lhe corresse à sua maneira.
Por isso, quando Judy se questionou sobre o inglês do comboio, decidiu ir em frente e entrar em contacto com ele.
"Ele era interessante para mim", diz à CNN Travel. "Por isso, contactei-o."
Em junho de 2006, cerca de três meses depois de ter regressado da América do Sul, Judy enviou um e-mail amigável a John.
"Se alguma vez estiveres nos EUA, avisa-me", escreveu.
Quando John viu o e-mail na caixa de entrada, ficou encantado. Mas depois percebeu que não era claro, pelo endereço de e-mail ou pela assinatura, qual das Judy o tinha contactado - afinal, tinha conhecido duas.
"Que Judy é esta?", questionou John, em resposta.
A mulher respondeu com um e-mail ao qual anexou uma fotografia sua, a sorrir. E assim começou um vai e vem de mensagens que durou os meses seguintes. Os e-mails eram divertidos e leves, cheios de histórias de viagens e da família, comparando a vida no Reino Unido com a vida nos EUA.
Judy e John gostavam da comunicação, mas "não era nada romântico", diz John.
"Pensei que podia tornar-se meu amigo", admite Judy.
Depois, num dos e-mails, John mencionou que planeava ir a Nova Iorque nesse outono para visitar o primo, que vivia lá. Judy sugeriu que John deveria acrescentar à viagem uma visita à Califórnia.
"Nunca tinha estado na costa oeste dos EUA, apenas na costa leste", recorda John. "Mas pensei que seria uma aventura maravilhosa ir à costa oeste. E lá fui eu para a costa oeste - deixei o meu primo em Nova Iorque durante uma semana - e encontrei-me com a Judy, em San Diego."
Judy avisou John que se encontraria com o britânico no aeroporto internacional de San Diego. Num dos e-mails, mencionou que estava um pouco preocupada porque poderia não o reconhecer - afinal, só o tinha visto uma vez, alguns meses antes.
"Então eu disse: 'Vou usar um laço e uma cartola'", conta John. "Fiz um laço gigante com as Estrelas e Riscas de um lado e a Union Jack do outro e coloquei-o quando saí do avião."
A Judy estava à espera do John nas chegadas do aeroporto de San Diego. Localizou logo John, com a cartola a elevar-se acima da multidão. Judy começou a rir-se. Abraçaram-se.
Apesar de Judy brincar com o fato de John, que era "ligeiramente embaraçoso", sentiu-se imediatamente à vontade com ele. Tinha conseguido que John ficasse na casa de férias de um amigo, ao fundo da estrada da sua própria casa - tinha sido cautelosa ao convidar o homem, que era praticamente um estranho, para ficar em sua casa.
Mas depois de apenas algumas horas na companhia de John, Judy sentiu-se como se o conhecesse há anos.
Quanto a John, o britânico gostou de explorar San Diego e adorou conhecer Judy.
"Divertimo-nos imenso", garante. "A Judy levou-me aqui, ali e a todo o lado na área de San Diego. Foi muito bom."
Quando os dois se despediram no final da semana, John deu por si a pensar que "tinham uma boa relação a desenvolver".
"Ambos pensámos que gostaríamos de nos encontrar novamente."
Cada vez mais próximos
John convidou Judy a visitar o Reino Unido, o que a norte-americana fez - alguns meses mais tarde, em janeiro de 2005. A viagem coincidiu com o aniversário de Judy.
"Pensei: 'Não é bom estar no Reino Unido no inverno'", recorda John. "Por isso, marquei uma viagem à Madeira. E passámos umas férias maravilhosas".
John organizou um chá no glamoroso Madeira's Reid Palace Hotel, com vista para a baía do Funchal. O hotel surpreendeu John e Judy com uma garrafa de champanhe de aniversário à espera no quarto.
"A viagem à Madeira consolidou realmente a nossa relação", confessa o britânico. "Sabíamos que éramos muito compatíveis em todos os aspetos, sentimo-nos completos."
De volta às respetivas casas em lados opostos do Atlântico, John e Judy começaram a planear a próxima aventura juntos. Também revelaram aos amigos e entes queridos os sentimentos crescentes.
A amiga de Judy - a outra Judy, que tinha estado lá naquele dia no comboio no Peru - estava especialmente encantada. Estava feliz por a sua querida amiga ter encontrado alguém com quem desfrutar da vida.
"O John é uma pessoa divertida de se estar", assegura à CNN Travel. "Tem sido maravilhoso ser uma pequena parte de toda esta relação e vê-la florescer."
No Reino Unido, os dois filhos adultos de John ficaram contentes por o pai ter encontrado uma felicidade inesperada após o falecimento da mãe. A filha do britânico comentou que Judy era parecida, em muitos aspetos, à falecida esposa de John, Pam. John também tem dois netos que se tornaram próximos de Judy à medida que a relação se desenvolveu.
Quanto à americana, a filha adulta acolheu John nas suas vidas. E Judy é também muito próxima da comunidade de vizinhos de San Diego. Os amigos da mulher apaixonaram-se rapidamente por John, tendo organizado um concurso de perguntas e respostas num pub com temática britânica no bairro.
"Toda a gente no meu bairro o conhece. E ele conhece todas as casas e toda a gente que vive aqui. Por isso, faz sempre parte do grupo, desde o início", afirma Judy.
No Reino Unido, os amigos de John adoravam quando esta mulher americana glamorosa visitava a cidade. O amigo Chris, de quem ainda é próximo, estava feliz por ter desempenhado um papel na relação - afinal, foi ele que iniciou a troca de e-mails.
"Tivemos bons sistemas de apoio em ambos os países", garante John. "As pessoas nos EUA acolheram-me e as pessoas aqui acolheram a Judy como parte da família."
Com o tempo, John e Judy estabeleceram um padrão - férias regulares em conjunto e divisão do tempo entre os EUA e o Reino Unido, para além de desfrutarem da sua independência.
Nunca tiveram uma conversa formal sobre o assunto, diz Judy, garantindo que se desenvolveu naturalmente.
"Falávamos sobre onde gostaríamos de ir e tínhamos todo o tipo de livros e coisas do género. Mas acho que o que decidimos fazer foi que, quando fosse no continente dele, ele podia escolher e quando fosse no meu continente, eu podia escolher", explica.
Os dois viajam bem juntos - quer seja a conduzir pelos parques nacionais dos EUA ou a explorar a Antártida.
"Nunca discordamos em nada", admite John.
"Uma segunda vida"
Já passaram 20 anos desde que John e Judy se conheceram. O britânico descreve as últimas duas décadas como uma "segunda vida" - uma vida repleta de felicidade e aventuras que nunca tinha previsto.
"Eu e a Judy já estivemos juntos em cerca de 38 países, o que é uma situação espantosa", reflete. "Desde a Islândia, no norte, até à Antártida, no sul. Quénia, Tanzânia, Turquia...".
Atualmente, Judy tem 83 anos e John tem 87. A última vez que se viram foi no final de 2023, quando John atravessou o Atlântico no navio de cruzeiro Cunard Queen Mary 2 para visitar Judy.
John está agora a pensar se esta terá sido a sua última viagem aos EUA. É um pensamento agridoce.
"Infelizmente, penso que quando nos aproximamos dos 90 anos, como é o meu caso, as viagens internacionais não são muito divertidas", afirma.
O casal é "realista" quanto ao futuro, assegura John. A saúde e a idade significam que talvez não possam voltar a viajar juntos. Mas recusam-se a ficar tristes com esse facto. Em vez disso, John e Judy concentram-se na alegria que viveram juntos nas últimas duas décadas.
Mantêm-se em contacto regularmente e conversam por vídeo dia sim, dia não, através da aplicação de comunicação WhatsApp.
Nas chamadas, John partilha histórias engraçadas sobre o seu trabalho de voluntário numa praia de caridade local. Entretanto, Judy conversa sobre filmes e programas de televisão de que tem gostado. Os dois revisitam frequentemente aquilo a que Judy chama as "recordações maravilhosas" dos 20 anos de aventuras.
A CNN Travel juntou-se a uma dessas chamadas. Houve muitas gargalhadas e recordações carinhosas entre John e Judy.
"Sinto-me privilegiado", reconheceu John a Judy durante a chamada. "Tem sido uma relação maravilhosa."
"Obrigada, querido", respondeu Judy a John, sorrindo para o seu telemóvel do outro lado do Atlântico. "Concordo com isso."
Como John e Judy não se puderam encontrar este ano, ambos têm passado algum tempo a refletir sobre as aventuras passadas.
"Agora passo mais tempo a ver as fotografias vezes sem conta", conta Judy. "Tirámos muitas fotografias. E tem sido divertido."
Já John tem-se concentrado em escrever as memórias da sua vida e das suas viagens. Espera passar estas crónicas aos filhos e netos um dia. Pensando no que foi a sua vida até ao momento, John diz que se sente extremamente sortudo por ter tido duas grandes histórias de amor.
"Tive a sorte de conhecer a minha mulher", afirma. "Mas também tive a sorte de conhecer outra senhora encantadora. E de ter tido outra vida."
"Quando se perde um companheiro - e eu estive casado mais de 40 anos - a vida não acaba nessa altura", acrescenta. "É terrível. Mas não acaba e começa uma nova vida. Penso que é importante para as pessoas mais velhas que perderam os parceiros pensarem que a vida pode continuar de uma forma diferente, talvez - e talvez tão gratificante como era no início."
John gosta de pensar que o encontro fortuito com Judy no comboio peruano estava de alguma forma predestinado. Considera comovente e reconfortante o facto de a viagem ao Peru ter sido o sonho da falecida esposa Pam.
"Foi quase como se a Pam o tivesse planeado", conclui.