As eleições presidenciais francesas estão mais renhidas do que o esperado. Eis o que tem de saber

CNN , Por Joseph Ataman
8 abr 2022, 22:00

No início de 2022, parecia que as eleições presidenciais francesas viriam a ser uma das mais acompanhadas do país, nas últimas décadas.

Um presidente em funções que iria a eleições apenas pela segunda vez na sua vida; um candidato duas vezes condenado por incitar ao racismo e ao ódio religioso em segundo lugar nas sondagens; outro candidato forte de extrema-direita em terceiro e a política de esquerda há muito dominante em França em desordem.

Depois, a Rússia invadiu a Ucrânia.

Com a atenção da Europa focada firmemente na guerra sangrenta do presidente russo, Vladimir Putin, as prioridades mudaram rapidamente: as reservas de munições, os elevados riscos diplomáticos e até a ameaça de um ataque nuclear, tudo entrou para o debate nacional.

As campanhas foram afetadas pela crise e vários candidatos importantes tiveram de reconsiderar o seu antigo apoio a Putin.

Devido à sua experiência no palco mundial, a maioria das sondagens sugere que é provável que o atual presidente, Emmanuel Macron, seja o vencedor.

Mas, poucos dias antes da eleição, a rival mais próxima, Marine Le Pen, está a subir nas sondagens, o que sugere que a vitória pode ser mais renhida do que da última vez que o par se defrontou, em 2017.

França não reelege um presidente em funções há 20 anos. A diplomacia tem afetado a campanha do presidente e com o conflito a aumentar a crise do custo de vida, os eleitores franceses não se estão a deparar com as eleições que esperavam.

Eis o que tem de saber.

Quando são as eleições e como funcionam?

Para elegerem um novo presidente, os eleitores franceses devem ter de ir às mesas de voto duas vezes.

O primeiro voto, a 10 de abril, no domingo, define 12 candidatos. Estes candidatos qualificaram-se para a disputa ao obterem a aprovação de 500 presidentes de câmara e/ou vereadores de todo o país.

Se nenhum candidato ganhar 50% dos votos na primeira ronda, os dois candidatos com mais votos irão passar à segunda ronda, duas semanas depois, no domingo de 24 de abril.

Dos 12 candidatos ao cargo, as sondagens do Instituto Francês de Opinião Pública (IFOP) sugerem que apenas cinco conseguiram mais de 10% do apoio dos eleitores. Uma segunda ronda de votos está quase garantida.

Estas também não são as únicas eleições nacionais que França vai ter este ano, as parlamentares acontecem em junho.

Quem são os candidatos?

O presidente francês, Emmanuel Macron, fala com o seu homólogo russo, Vladimir Putin, numa cimeira em dezembro de 2019.

O atual

O primeiro mandato do presidente Emmanuel Macron só teve uma eleição, a sua candidatura bem-sucedida em 2017 e tem tido uma receção contraditória desde o início de 2022. Tendo em conta que nenhum presidente francês foi reeleito desde Jacques Chirac, em 2002, é uma posição difícil de se estar, apesar de continuar a ser o favorito.

Ex-banqueiro de investimentos e antigo aluno de algumas das escolas mais prestigiadas de França, Macron espoletou a raiva nacional com um imposto sobre o petróleo, no início do seu mandato, o que desencadeou o movimento dos coletes amarelos, um dos protestos mais prolongados que o país viu em décadas.

“O índice de popularidade é importante. O nível de ódio direcionado a Emmanuel Macron é considerável e partilhado”, disse o comentador político, Jean-Michel Aphatie, à CNN.

A nível internacional, as suas tentativas para conquistar Donald Trump, prevenir o acordo do submarino AUKUS e os seus esforços diplomáticos falhados para evitar a guerra na Ucrânia são, discutivelmente, fracassos. Mas, o apoio total de Macron para uma União Europeia ambiciosa e autónoma deu-lhe mais respeito no estrangeiro e estabeleceu as suas credenciais geopolíticas no seu país.

O desafio mais inesperado da sua presidência, a covid-19, talvez tenha definido o seu tempo no cargo. Foram mais de dois anos de confinamentos, da obrigação do uso de máscaras, de uma implementação confusa da vacina na União Europeia, da iniciativa ousada de forçar os franceses a serem vacinados suscitaram uma forte oposição, apesar de a maior parte do país ter aprendido a viver com a realidade do vírus e de uma maioria silenciosa ter apoiado as medidas.

Macron recusou-se a fazer debates com os seus adversários e mal tem feito campanha por si mesmo. Apesar de o seu primeiro lugar nas sondagens nunca ter estado em risco, os especialistas acreditam que a sua estratégia tem sido para evitar uma confusão política durante o máximo de tempo possível, para manter a sua imagem de candidato mais presidencial.

Mas, a uma semana dos primeiros votos, Macron incentivou os seus apoiantes a precaverem-se contra a complacência.

“Tudo é possível”, disse-lhes, alertando para a possibilidade de uma reviravolta comparável ao Brexit, nas eleições.

Marine Le Pen fala num evento de campanha, em Reims, França, a 5 de fevereiro.

A adversária

“A lógica eleitoral francesa significa que, na segunda ronda, têm de se ser o candidato menos odiado”, disse o editor da revista L’Express, Etienne Girard, à CNN.

Apesar de, em França, a primeira ronda englobar todo o espectro político, na segunda ronda, a maioria dos eleitores vota mais para um candidato não ser eleito, do que para eleger o seu oponente.

Isso tem sido um problema para Marine Le Pen, que tem representado a extrema-direita francesa na última década.

Agora uma deputada na região de Calais, a entrada para o Reino Unido, que tem tido dificuldades em lidar com migrantes que se dirigem à Grã-Bretanha, Le Pen, que é contra a imigração, enfrentou Macron em 2017, mas perdeu por uma margem considerável.

O pai, companheiro de extrema-direita, Jean-Marie Le Pen, também perdeu na segunda ronda, neste caso, para Chirac, em 2002.

Originalmente, a estratégia de Marine Le Pen para estas eleições era ganhar o apoio convencional, “uma estratégia respeitável”, como Girard descreve.

Apesar de ser firmemente contra a imigração, o seu tom mais suave em tópicos controversos, como o Islão e o euroceticismo, especialmente desde o Brexit, tem sido visto como um esforço para ganhar eleitores fora da sua base de extrema-direita. Ainda assim, “travar a imigração descontrolada” e “erradicar as ideologias islamistas” são as duas prioridades do seu manifesto.

O presidente russo Vladimir Putin encontra-se com Marine Le Pen, no Kremlin, em Moscovo, a 24 de março de 2017.

Com uma foto sua a visitar o presidente russo em panfletos de campanha que já foram descartados, a sua admiração por Vladimir Putin e a guerra na Ucrânia trouxeram questões desconfortáveis a Le Pen.

Mas, nas últimas semanas de campanha, ela usou a sua plataforma para se focar no custo de vida, prometendo medidas que afirma que irão devolver “150 a 200 euros” a todas as casas, incluindo uma promessa para reduzir o imposto sobre vendas em 100 bens domésticos.

Le Pen é conhecida por conquistar eleitores difíceis de convencer, segundo o especialista em sondagens, Emmanuel Riviere. “Ela consegue sempre seduzir pessoas que não se interessam de todo por política, precisamente por lhes oferecer uma solução para expressarem a sua raiva contra os políticos”, disse ele à CNN.

Atualmente, Le Pen está muito acima nas sondagens do que estava nas eleições de 2017. A dias da primeira ronda, a sondagem da IFOP sugere que ela pode ganhar 47% dos votos numa segunda ronda contra Macron.

O candidato de extrema-direita, Eric Zemmour, faz um discurso para ativistas, num comício em Lille, no Norte de França, a 5 de fevereiro.

Novos extremos

O miúdo novo, erudito de televisão de extrema-direita e autor, Eric Zemmour, há muito que tem sido apontado como um possível candidato à presidência. Conhecido pelas suas posições inflexíveis em relação ao Islão, às crianças sem nomes franceses e à imigração, já foi duas vezes condenado por incitar ao ódio racial ou político.

Como candidato presidencial, aprofundou a sua retórica racial, falando da teoria da conspiração racista da “Grande Substituição” nos seus discursos e prometendo um “ministério para a reimigração” para deportar até um milhão de pessoas de ascendência norte-africana em França. A teoria defende que os imigrantes querem “substituir” a população nativa francesa.

Zemmour teve um lugar entre os três primeiros candidatos até março, de acordo com a sondagem do IFOP, desafiando o domínio da família Le Pen na política de extrema-direita.

Cita abertamente o Islão como sendo um perigo ameaçador para França e tem atraído uma demográfica mais educada e abastada para a política extrema, segundo Riviere. Um orador culto e talentoso, o seu apelo para “salvar a terra natal, a civilização, a cultura” tem atraído algumas pessoas.

“Quando as pessoas se sentam à frente das suas televisões e o ouve, sentem que estão a ser validadas. E isso, em França, é algo que se espera de um líder político”, disse Girard, que também escreveu uma biografia de Zemmour.

Em última instância, ele está a aproximar-se de Le Pen.

“Eles estão em competição direta um com o outro, porque o seu confronto pode fazê-los perder um para o outro”, disse Reviere.

Zemmour, que, em 2018, confessou com orgulho que “sonhava” com um Putin francês, viu a sua popularidade vacilar desde que a guerra na Ucrânia começou.

Zemmour disse publicamente estar convencido de que Putin nunca invadiria e continuou a defendê-lo, mesmo depois de este o fazer. Desde então, Zemmour já condenou a invasão, uma espécie de reviravolta no seu apoio ao presidente russo.

Candidato de extrema-esquerda, Jean-Luc Melenchon, está em terceiro nas sondagens, antes da primeira ronda das eleições, no domingo.

Oportunidades externas

Com Jean-Luc Melenchon, a extrema-esquerda francesa também tem um agitador político. O líder do partido “França Insubmissa”, Melenchon, ativista e político veterano, já participou em três eleições presidenciais.

Entre as suas políticas controversas, estão uma “revolução fiscal”, uma reformulação radical do governo francês para um envolvimento mais direto do eleitorado e um plano de mil milhões de euros para combater a violência contra as mulheres, um problema muito presente em França.

Mas, desprovido de um candidato unificador, a esquerda francesa parece ter poucas hipóteses de desafiar o segundo lugar. Melenchon tem uma base leal entre os eleitores de extrema-esquerda, mas não tem conseguido convencer eleitores mais ao centro.

Tanto Anne Hidalgo, presidente da Câmara de Paris e candidata presidencial do partido socialista de esquerda, e Valerie Pecresse, do partido republicano de direita, se esforçaram para fazer progressos nas sondagens, um grave indício da corrente política francesa. Os seus partidos sofreram com a criação do partido centrista de Macron, “La Republique En Marche”, em 2016, e ainda não recuperaram.

Mas apesar de Macron estar na liderança, quando os eleitores franceses se preparam para ir às mesas de voto, abril ainda pode trazer algumas surpresas.

“Neste país, tudo é possível. Já vimos o impossível acontecer noutros países”, disse o comentador político Aphatie. “O Donald Trump a ser eleito? Nunca.”

O que dizem as sondagens?

Segundo as sondagens da IFOP, o presidente atual, Macron, está na frente, o que sugere que os seus níveis de apoio não desceram dos 24%, desde janeiro, e subiram para um máximo de 31%, nas primeiras semanas da guerra na Ucrânia.

Da mesma forma, Marine Le Pen manteve-se em segundo lugar durante a maioria dos últimos três meses, atingindo um máximo de 21% no final de março, de acordo com o IFOP.

Tudo isto pareceria constituir uma repetição da segunda ronda de 2017. Mas enquanto Macron se afastou com quase dois terços dos votos da última vez, as sondagens da IFOP sugerem que, este ano, um confronto Macron-Le Pen poderia resultar em 53% dos votos para o presidente em funções contra 47% para Le Pen, uma margem de vitória muito menos confortável para Macron.

Quais são os maiores problemas para os eleitores franceses?

O custo de vida está entre os principais problemas para o eleitorado francês este ano. Confrontados com as consequências económicas da pandemia, os elevados preços da energia e a guerra na Ucrânia, os eleitores estão a sentir o aperto, apesar do generoso apoio governamental.

Apesar de as pressões financeiras poderem não ser suficientes para esconder o extremismo de alguns candidatos na mente dos eleitores, podem pressionar alguns a procurar respostas pouco ortodoxas para os seus problemas.

Funcionários públicos preparam os materiais que foram enviados aos eleitores

Os combates na Ucrânia estão muito longe dos pequenos restaurantes e cafés de França, mas o conflito está certamente na mente dos eleitores. Quase 90% da população francesa estava preocupada com a guerra na última semana de março, segundo a IFOP. Dado o historial irregular dos adversários quanto a fazer frente a Putin, é provável que isto jogue a favor de Macron.

A crise ambiental tem estado notavelmente ausente do debate. Embora a importância das proteções climáticas esteja a ganhar terreno a nível mundial, França obteve 75% das suas necessidades de energia elétrica de 2020 a partir da energia nuclear, de acordo com o Ministério do Ambiente francês. Com a maioria dos candidatos a apoiar o tipo de desenvolvimento nuclear que Macron já anunciou, há pouca divergência sobre esta questão.

Apesar de todo o alarido que esta eleição prometia, com uma guerra na fronteira da União Europeia e muitos eleitores a lutar para pagar as suas contas, a escolha de França pode depender mais dos próximos cinco meses do que dos próximos cinco anos.

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