Os Estados Unidos estão a gastar milhares de milhões na produção de chips. Será suficiente?

CNN Portugal , Por Catherine Thorbecke, CNN Business
22 out 2022, 19:00
Chips

O governo dos Estados Unidos está a fazer de tudo para impulsionar o fabrico interno de semicondutores, injetando milhares de milhões de dólares neste sector constrangido e pondo em prática todos os mecanismos políticos disponíveis para lhe dar uma vantagem sobre a concorrência na Ásia.

Quando a pandemia eclodiu em 2020, as empresas reduziram inicialmente a encomenda destes microcomponentes essenciais necessários em smartphones, computadores, carros e muitos outros produtos. Depois, quando as pessoas começaram a trabalhar em casa, aumentou a procura pelas tecnologias de informação e comunicação – e pelos chips que as alimentam. Assistiu-se a uma escassez de chips, e as fábricas de automóveis tiveram de interromper a produção por não conseguirem obter chips. Isto contribuiu para um aumento em flecha dos preços dos veículos novos e usados, um dos principais fatores da penosa inflação que os americanos sentiram na altura.

Num comunicado no início deste ano, a secretária do Comércio, Gina Raimondo, considerou a escassez de semicondutores como uma questão de “segurança nacional“, pois expôs a dependência da indústria de manufatura dos EUA da importação de semicondutores do estrangeiro. Os chips também são usados em serviços militares essenciais e são necessários em ferramentas de cibersegurança.

A administração Biden e os legisladores mobilizaram-se para dar uma resposta através da aprovação da lei designada por “CHIPS and Science Act” em agosto. O diploma inclui 52 mil milhões de dólares para reforçar o fabrico de semicondutores nos Estados Unidos. Deste montante, 39 mil milhões de dólares são destinados a incentivos à produção, 13,2 mil milhões de dólares à investigação e desenvolvimento e à formação de trabalhadores, e 500 milhões de dólares para a segurança internacional em tecnologias de informação e movimentos ao nível da cadeia de distribuição de semicondutores.

Neste contexto, várias empresas importantes anunciaram investimentos significativos na indústria da manufatura dos EUA. A Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC), uma empresa de relevo na indústria investiu pelo menos 12 mil milhões de dólares na construção de uma fábrica de semicondutores no Arizona, com a produção prevista para arrancar em 2024. No início do ano, a Intel disse estar a planear construir uma fábrica de semicondutores no valor de 20 mil milhões de dólares no Ohio, sendo que a cerimónia de lançamento da nova fábrica de chips teve lugar o mês passado. E este mês, a Micron disse que irá investir até 100 mil milhões de dólares ao longo das próximas duas décadas na construção de uma enorme fábrica de semicondutores no norte do estado de Nova Iorque.

Numa série de tweets no início deste mês, o presidente Joe Biden prometeu: “A América vai ser líder no fabrico de microchips.”

Mas os EUA têm muito que fazer para recuperar o atraso. As fábricas de chips sedeadas nos EUA representam atualmente apenas 12% da capacidade mundial de fabrico de semicondutores modernos, de acordo com dados da Associação da Indústria de Semicondutores. Cerca de 75% do fabrico mundial de chips modernos está hoje concentrada na Ásia Oriental – a maioria no geopoliticamente vulnerável Taiwan. E mesmo com estes esforços renovados, os Estados Unidos não têm atualmente a mesma prática e capacidade de produção de alguns mercados asiáticos capaz de apoiar uma indústria nacional robusta.

Um chip da Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC) em exposição na Conferência Mundial de Semicondutores de 2020 em Nanjing, na província chinesa de Jiangsu Oriental, em 26 de agosto de 2020. STR/AFP/Getty Images

Para complicar a situação, o aumento dos investimentos públicos e privados surge num momento controverso, já que as preocupações com a escassez global no fornecimento de chips diminuíram. Os bloqueios na cadeia de abastecimento relacionados com a pandemia estão a diminuir ligeiramente e o agravamento das perspetivas económicas tem dificultado a procura.

Durante uma sessão de apresentação de resultados na semana passada, C.C. Wei, presidente da TSMC, avisou que espera que a “indústria de semicondutores venha provavelmente a diminuir” em 2023. “A TSMC também não está imune,” acrescentou Wei, mas disse que espera “ser mais resiliente do que a generalidade da indústria de semicondutores.”

A promoção do fabrico de semicondutores nos Estados Unidos pode agora levar a uma sobrecapacidade e excesso de oferta. E com a quebra na procura, não fica imediatamente claro se os subsídios governamentais serão suficientes para superar outros obstáculos que o país enfrenta no desenvolvimento de um centro competitivo de fabrico de semicondutores.

Compreender os problemas dos EUA

Para compreender os últimos esforços dos EUA, é importante ter noção da posição do país – não apenas na indústria dos chips em geral, mas em relação a sectores específicos valiosos.

“É muito improvável que os EUA aumentem a sua quota na produção global porque, apesar de os EUA estarem a aumentar a sua capacidade de fabrico, a TSMC, a Intel e outros estão a anunciar a abertura de fábricas noutros lugares e a construi-las ainda com mais rapidez”, disse Scott Kennedy, consultor sénior do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais.

“Mas não creio que esse seja necessariamente um grande problema”, acrescentou. Observou ainda que a avaliação da capacidade de manufatura com base na produção bruta, que agrega os chips de gama baixa e os chips de última geração, é uma medida mais realista e significativa para avaliar o sucesso no fabrico de chips. “Os EUA têm de aumentar a produção de chips ao nível de um tipo específico de chips, que estejam diretamente relacionados com a segurança nacional americana”, disse.

Na sexta-feira passada, o governo Biden impôs novas restrições às exportações para restringir o acesso da China a semicondutores avançados feitos com equipamentos dos EUA, numa manobra que visa o fabrico de sistemas avançados de armamento.

Embora apenas “cerca de 10% a 14% dos chips vendidos [globalmente] venham de fábricas dos EUA”, de acordo com o professor Dan Wang da Columbia Business School, os Estados Unidos têm outros pontos fortes. “Em matéria de experiência em design, uma boa parte ainda reside nos EUA”.

Os técnicos inspecionam um equipamento durante uma visita à fábrica de chips para automóveis da Micron Technology em 11 de fevereiro de 2022, em Manassas, na Virgínia. Steve Helber/AP

Ainda assim, as carências são palpáveis. “Ao nível das siderurgias, responsáveis pelo fabrico de semicondutores, há muitos anos que os EUA não têm um papel de liderança”, disse Wang. Embora fosse assim no passado, nas décadas de 1980 e 90, a produção começou a migrar para a Ásia, disse Wang. “Uma das grandes razões para isto é que o custo do trabalho é inferior e é muito mais barato produzir circuitos integrados e chips em grande escala nessas partes do mundo”, acrescentou Wang. Morris Chang, fundador da TSMC, disse que fabricar chips nos EUA é 50% mais caro do que em Taiwan.

O facto de terem as fábricas já estabelecidas para produzir ou aumentar o fabrico de chips dá aos países asiáticos uma grande vantagem. Wang considera que pode ser por isso que estamos a ver os EUA “a despejar tanto dinheiro em empresas que construam fábricas nos Estados Unidos”. Não é apenas para responder à procura e para se tornar mais autossuficiente, “mas também porque é preciso colocar estas fábricas em funcionamento muito, muito rapidamente, se quiserem entrar na corrida.”

O que é preciso para construir uma indústria nacional de chips

A construção de novas fábricas de chips é uma iniciativa cara e demorada. “Uma fábrica moderna ocupa uma área com cerca de cem mil metros quadrados”, disse Bob Johnson, analista da Gartner, e requer “salas esterilizadas monstruosas com uma incrível capacidade de tratamento do ar”. Acrescentou ainda que estes edifícios enormes necessitam de “fundações excecionalmente fortes”. Segundo o próprio, “não pode existir qualquer vibração na fábrica porque pode destruir o processo de produção.” Para além disso, uma única máquina de litografia ultravioleta extrema, necessária para mapear os circuitos dos chips, custa cerca de 150 milhões de dólares, e a Reuters relata que “uma fábrica de chips moderna precisa de 9 a 18 destas máquinas “.

Além disso, o fabrico de semicondutores exige uma variedade de matérias-primas especializadas, incluindo produtos químicos puros, como a poliimida fluorada, e gases de inscrição, máquinas de inscrição de chips e muito mais. Em lugares como Taiwan e Fukuoka, no Japão, as cadeias de produção desenvolveram-se em zonas onde os fornecedores destes produtos se encontram perto das fábricas de semicondutores. Existem também uma ou duas empresas que produzem matérias-primas fundamentais e que são há muito tempo fornecedores de confiança das empresas na Ásia. Este não é ainda o caso em locais como o Arizona e o Ohio, onde já estão em andamento os planos para construir enormes fábricas de chips.

Também é necessária uma mão-de-obra disponível e capaz de fazer o trabalho.

Nos Estados Unidos, há uma escassez de recém-licenciados e trabalhadores experientes com os conhecimentos técnicos e de engenharia necessários para o fabrico de semicondutores. Muitos dos que podem ter uma experiência adequada preferem trabalhar em indústrias mais populares, de acordo com Kennedy.

“Se estalássemos os dedos e surgissem dez novas fábricas com os melhores chips do mundo, provavelmente não teríamos pessoas suficientes para pô-las a funcionar”, disse Kennedy. “Este é o maior obstáculo ao aumento da capacidade produtiva da América, e não o capital.”

A Intel tentou estabelecer relações privilegiadas com a Arizona State University para recrutar engenheiros, mas não é líquido que esta e outras empresas a construir fábricas na América sejam capazes de contratar engenheiros e técnicos com formação em número suficiente. Se não conseguirem, os milhares de milhões de dólares investidos pelo sector privado e público poderão não ser suficientes para reabilitar o fabrico de semicondutores.

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