Montenegro está "incomodado" com a visibilidade da ADN. O PCP teve o mesmo problema e encontrou uma solução

5 mar, 18:00
Eleições legislativas (Armando Franca/AP)

Um (muito) pequeno partido começou a aparecer nas sondagens e logo se levantou a hipóteses de os eleitores estarem a confundir a AD com a ADN. A existência de siglas parecidas não é nova na democracia portuguesa e PS e PCP têm sido os partidos que mais sofreram com este tipo de preocupações - mas na hora de votar, os portugueses não fazem confusões

AD ou ADN? Estarão os eleitores confusos com duas forças políticas com nomes parecidos? O assunto começou a ser falado, primeiro, quando foi conhecida a ordem das candidaturas nos boletins de votos. De acordo com o sorteio realizado pela Comissão Nacional de Eleições, em vários distritos, a Alternativa Democrática Nacional (ADN) surge antes da Aliança Democrática (AD). Depois, em algumas sondagens, a ADN começou a aparecer entre os partidos com intenções de voto superiores a 1%.

É a primeira vez que as duas forças políticas coincidem nos boletins de voto. O ADN é um partido criado em 2014; a AD, embora recuperando o nome da aliança de 1979, foi criada apenas no final do ano passado e junta PSD, CDS-PP e PPM.

"1% é muito pouco mas permite sonhar com a eleição de um deputado em Lisboa", diz o politólogo José Filipe Pinto. "Ora, este é um partido muito pequeno, de nicho" - nas últimas eleições o seu resultado ficou-se pelos 10.900 votos, o que representa apenas 0,2%. "Este crescimento inusitado, não expectável, nas sondagens, levantou a dúvida sobre se as pessoas não estariam a fazer confusão com a AD". 

"Também existe a hipótese de, como este partido tem o apoio dos evangélicos, com o aumento da população brasileira em Portugal com capacidade eleitoral ativa, existir efetivamente um crescimento do voto na ADN", ressalva José Filipe Pinto. "Isso é algo que só saberemos após as eleições se fizermos a análise de quem vota neste partido."

1% não é muito mas pode fazer a diferença para a AD, admite o politólogo. "É óbvio que Bruno Fialho, líder da ADN, acha que não há confusão. Quem se sente desconfortável, incomodado, é Luís Montenegro". No entanto, na opinião deste especialista é pouco provável que esta confusão, a existir, seja expressiva. "Tem havido siglas parecidas, mas isso não tem influenciado os resultados", diz.

Outras confusões com comunistas e socialistas e até com punhos erguidos em diferentes partidos 

Esta não é uma questão nova, explica o politólogo José Filipe Pinto, lembrando que nos primeiros anos após o 25 de Abril, com o surgimento de novos  partidos havia uma profusão de siglas muito parecidas. "E também sempre houve dissidências, sobretudo à esquerda, e os nomes e as siglas dos novos partidos tinham a ver com a sigla mãe."

"O PCP, por exemplo, sempre lidou muito mal com o facto de haver outros partidos que se chamavam comunistas, como o PCTP-MRR ou o PCP-ML (marxista-leninista)", diz. "O PCP contornou isso criando coligações: primeiro a APU, depois a FEPU e agora a CDU. Isto tem uma dupla explicação: por um lado, evitar confusões com siglas de outros partidos, e também suavizar a sua mensagem, uma vez que havia uma franja da sociedade portuguesa avessa ao comunismo. O PCP era visto como mais totalitário do que as coligações em que participava."

Da mesma forma, no caso do PS também se poderia colocar a questão de poder ser confundido com o PSR - Partido Socialista Revolucionário. E houve uma altura em que coincidiram nos boletins de votos as siglas da FRS - Frente Revolucionária Socialista e da FES - Frente de Esquerda Socialista. Mas, independentemente do que se dizia, "nunca houve desvio dos votos", conclui José Filipe Pinto.

Em 1980 houve um caso muito falado: o POUS - Partido Operário de Unidade Socialista, fundado precisamente por dissidentes do PS, apresentou-se às eleições com um símbolo com um punho erguido, que os mais distraídos poderiam confundir com o símbolo do Partido Socialista. O POUS teve nessas eleições o seu melhor resultado de sempre, com mais de 83 mil votos, mas nunca ficou provado que tal tivesse a ver com o símbolo. De qualquer forma, o Partido Socialista apresentou uma queixa à Comissão Nacional de Eleições. Em 1994, o POUS mudou o nome e o símbolo mas, em 1999, pretendeu voltar ao nome e ao símbolo antigos. Na altura, o Tribunal Constitucional não aceitou a sua pretensão: um eleitor que não saiba ler "não poderá diferenciar um e outro partido. Por isso, na ocasião em que vai exprimir a sua vontade eleitoral, esse cidadão há-de fazer recair a sua atenção nas manchas gráficas meramente figurativas que fazem parte dos símbolos", disse o tribunal, considerando que que "os pontos de semelhança" entre as manchas gráficas "do símbolo do Partido Socialista e do símbolo pretendido adoptar pelo Partido Operário da Unidade Socialista apresentam um grau tal que deve ser considerado como bastante para induzir em erro os eleitores mais desprevenidos". O POUS fez, então uma nova proposta, que enquadrava o punho num "4", para o tornar mais distintivo, o que foi aceite pelo tribunal.

Em 1995, recorda José Filipe Pinto, surgiu um partido intitulado Partido Social Cristão, com a sigla PSC, e "num primeiro momento o tribunal constitucional negou a sua inscrição". Muita gente pensou que isso teria a ver com o facto de se poder confundir com o PS, mas não. "Na verdade, o nome do partido era inconstitucional por se dizer um partido cristão", explica o politólogo. De acordo com o artigo 51, número 3, da Constituição Portuguesa, "os partidos políticos não podem, sem prejuízo da filosofia ou ideologia inspiradora do seu programa, usar denominação que contenha expressões directamente relacionadas com quaisquer religiões ou igrejas, bem como emblemas confundíveis com símbolos nacionais ou religiosos". 

“Na hora do voto fica atento ao teu boletim", diz a AD

De qualquer forma, assim que se apercebeu que poderia haver confusão entre as duas siglas, Luís Montenegro passou a chamar a atenção para o facto nos seus comícios. Na semana passada a AD publicou ainda nas suas redes sociais um vídeo alertando os eleitores: “Na hora do voto fica atento ao teu boletim. Há nomes parecidos”, ouve-se no vídeo, acrescentando-se que “para votar na mudança segura” há que procurar no boletim especificamente “Aliança Democrática” ao lado “dos símbolos PSD, CDS e PPM”: “Evita confusões."

Por outro lado, o presidente do Alternativa Democrática Nacional (ADN), Bruno Fialho, recusou qualquer confusão da sigla do partido com a da Aliança Democrática (AD), considerando que o povo português "não é burro". "Durante 50 anos não houve confusão entre PS e PSD, que também só têm uma letra de diferente. Acho que não era isto que Luís Montenegro queria dizer porque os portugueses não são burros (...). Tentar diminuir o que o ADN está a fazer e fez durante dois anos, a nossa resiliência, para um troca de letras é chamar burros aos portugueses e, se foi essa a intenção, é péssimo. Se não foi e é apenas medo do que o ADN pode fazer entrando na Assembleia da República pois, olhe, é como diz aquele senhor que felizmente se demitiu, habituem-se", disse.

Na sexta-feira, o dirigente comentou também o facto de algumas sondagens darem ao seu partido 1% das intenções de voto. Bruno Fialho insistiu na credibilidade da sondagem, afirmando que "mesmo que não estivesse materializado, hoje em dia já está porque o ADN é falada por todo o Portugal" e que, "finalmente as pessoas conseguiram perceber a mensagem do partido".

Assumindo-se como um partido humanista, o líder da ADN afirmou que "eleger um deputado agora será perfeito, mas que mais tarde ou mais cedo vai acontecer", não escondendo que conta com o apoio dos cidadãos brasileiros que já podem votar em Portugal e que apoiam Jair Bolsonaro [anterior presidente do Brasil] assim como dos evangélicos. "Se eles considerarem que o ADN é o seu partido eu conto com os votos deles", afirmou Bruno Fialho que admitiu "identificar-se com algumas políticas de Bolsonaro, nomeadamente na questão económica que, como se vê com o desempenho do Lula [da Silva], o Brasil está quase a ir outra vez para a ruína", assim como no caso dos evangélicos: "também conto, são cristãos", disse.

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