Costa safou-se de “levar com um pau” na feira de Fafe (valha-lhe Santa Catarina – a do Bloco?)

26 jan 2022, 22:20

Pela feira de Fafe sabe-se que a disputa está renhida. Nestas coisas da política poucos são os que avançam com um vencedor. Todos estão desiludidos com quem diz representá-los no poder. Passe por onde passar, Costa tem uma bolha a envolvê-lo. No Porto, terra de rivais e potenciais aliados, o socialista faz questão de quebrá-la. Para um abraço em troca do voto

“É muito raro os grandes virem à feira.” António Costa confirma as palavras de Miguel Freitas. Quarta é dia de feira em Fafe. Mas, entre as tendas, as únicas caravanas são as dos próprios vendedores.

Miguel Freitas e a mulher chegaram às cinco da manhã para deixar as roupas de bebé arrumadas da melhor maneira possível, para saltar ao olho do freguês. Eles, que sabem o preço justo do que vendem, não arriscam um resultado justo para domingo.

“O resultado que houver em Fafe é o que há a nível nacional.” Se for como da última vez, os socialistas ficam à frente. E a sondagem diária continua a dizer isso mesmo.

Miguel Freitas e Maria Pinho chegaram cedo à feira de Fafe

Também José Carvalho e Maria do Céu Silva se levantaram de madrugada para vir de Celorico de Basto para Fafe. Mas, mesmo sem serem filhos da terra onde agora vendem, conhecem a sua maior lenda: a “Justiça de Fafe”, feita pela mão popular, armada com um pau.

E na política, quem merecia levar com um pau? “Se fosse eu a escolher era tudo a eito”, diz o homem, a rir. Quanto a resultados, o casal não se compromete, lembra só que António Costa e Rui Rio estão taco a taco. Estão mais interessados na sua vida a plantar feijão, cebolas e batatas num pequeno terreno. “É duro e não está a dar nada.” Só o adubo já subiu 10 euros por saco.

Enquanto se vendia na feira, António Costa desfilava em Fafe (Lusa/Miguel A. Lopes)

Amigas, amigas, partidos à parte

Por mais que se salte entre bancas, o cenário mantém-se. Ninguém quer avançar com um resultado mas todos estão dispostos a “dar com um pau” na classe política. E, entre os fregueses, há um motivo forte para isso: as pensões. “Para mim ganhava o que me subisse as pensões. Ganho 299 euros e 97 cêntimos. Tenho de dar três cêntimos nos correios para me darem os 300 direitos.” Costa, no centro de Fafe, ouve queixas parecidas.

E eis que surge a primeira vendedora a admitir, sem problemas, em quem vai votar. “Para mim é o PSD a ganhar. É preciso organizar a casa”, diz Olga Ribeiro. Teresa Moreira, lado a lado, não concorda. “Eu voto PS. Sempre fui PSD. Mas o Costa agiu muito bem nesta pandemia”, responde logo. A outra lembra que o marido da colega é do PS e conclui o raciocínio: “Só não voto no Chega porque é um voto mal votado.”

Para mostrar que a vida é feita de coincidências, Estrela Dias passa nesse exato momento. Não se contém perante a conversa das outras duas. “É o PS. É o Costa. O Chega é maluco. Porque ofende as pessoas. Toda a gente, não é só os ciganos.” Como ela, cheia de orgulho de o ser.

Na feira de Fafe há de tudo um pouco, como as opiniões políticas

A velinha de Rio

“Não se meta com a empregada que ela é comprometida.” É assim que Fernando Magalhães chama um potencial cliente para ver os sapatos que tem para vender. Quando é para falar de política, descalça a bota. “Isso aqui é ‘Be Quiet’.” Para pauladas abre-se a exceção: “Eles todos, juntos”.

Mas José Miguel Ferreira não tem o mesmo problema. Há 47 anos que tem a porta aberta para vender velas em Fafe. Como é dia de feira tem a banca montada à entrada. Entre Rio e Costa, quem é que tem de acender uma velinha para não perder no domingo? “Eu acho que é o Rio. Ainda está com dúvidas? Justo era o Costa ganhar. Não vai ser por maioria, mas ganha. Ele que faça coligação com a Catarina [Martins].”

A poucos metros daqui, Costa alimenta a possibilidade, falando em “condições de diálogo e de construção de um futuro que assegura a estabilidade”. E esclarece sobre o crescimento de 4,6% da economia em 2021, número usado antes de o Instituto Nacional de Estatística ter revelado o indicador. “Não citei INE nenhum, eu disse quais são as previsões que existem.” Porque de contas, em Fafe ou no resto do país, convém ser-se justo.

José Miguel Ferreira acredita que Rio precisa de intervenção divina para ganhar

Ela perdeu o marido para Costa

Já em campanha no Porto, a caravana socialista desce sempre a mesma rua. Ainda a arruada está no início e Lina Caridade já perdeu o marido na multidão. “Eu queria ver a cara dele.” De Costa? “Não, do meu marido. Não sei onde é que ele está. Foi ali para o meio.”

O secretário-geral do PS prepara-se para entrar na Rua de Santa Catarina. Haverá coincidências? Será este o primeiro nome, vindo aqui da terra, a que vai ter de ligar depois do resultado de domingo? “Não sei se ele vai aceitar, que a Catarina Martins não lhe deixou passar o orçamento. E agora quer ajuntamentos.”

Não tão volumoso como o que está à frente dos olhos, num dia em que a pandemia voltou a registar um novo recorde de casos. “Já não há covid”, ouve-se várias vezes no percurso.

Mar de gente na Rua de Santa Catarina, com Costa no meio da bolha (Lusa/Miguel A. Lopes)

Por isso, Olindina Gomes prefere ficar à distância, do alto, a ver a comitiva socialista passar. “É a primeira vez que venho ver uma arruada do PS. É muito interessante ver a diversidade de pessoas.” Faz-se acompanhar da amiga, com quem partilha a profissão. Elisabete Moreira conta que, por vontade própria, foi oito anos dar aulas na prisão de Custóias.

Porque se aprende com as histórias de vida que são diferentes. Aprende-se como o tempo molda o caráter. Na hora de falar sobre o outro potencial primeiro-ministro, filho da terra e antigo autarca, Elisabete Moreira resume o que se vai ouvindo a cada conversa com as gentes do Porto: “Continuo a achar que o Rui Rio é um ‘bluff’. Ele não tem capacidade de fazer pontes”. Na cidade das seis pontes, o povo até pode perdoar mas não esquece.

Líder do PS fez novo apelo ao voto (Lusa/Miguel A. Lopes)

Costa, o fura-bolhas

A mancha socialista avança. Quinhentos metros de caminho até ao final. Membros da Juventude Socialista dão as mãos, criando um cordão humano. Quem quer ver Costa passar fica de fora por uma questão de segurança, de todos. “Alarga, alarga”, “olha o pino”, “olha aí o carro parado”. E a bolha vai adaptando o tamanho.

O secretário-geral do PS segue no meio. À sua frente, as câmaras de televisão. Atrás, os militantes que com ele desfilam. Faz uma pausa para, através das objetivas, recomendar a Rui Rio que tenha “a humildade de aguardar que os portugueses” votem no domingo.

Mas, apesar da bolha, há sempre quem consiga furar. Como Maria da Conceição, que lhe quer dizer “olhos nos olhos” que vai votar no PS. Costa agradece. Não segue a direito pela rua de Santa Catarina, de onde chovem pétalas de rosa. O candidato vai virando à esquerda e à direita – para todos os lados, como admite negociar – para o abraço, para o aperto de mão, para receber o carinho do Porto. Emília Soares nem precisa de sair do sítio: “Que gosto, fiquei tão contente”. E é capaz de ficar ainda mais se, no domingo, puder cantar vitória.

Populares aproveitaram o momento para eternizar o momento (Lusa/Miguel A. Lopes)

 

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