Nas bancas do Norte “o melhor peixe é o de Costa”. E ninguém quer peixeiradas depois das eleições

25 jan 2022, 22:43

Uma onda de afetos em dose dupla, primeiro em Matosinhos e depois na Afurada (Gaia). Se fosse por estas paragens, a vitória socialista era 'sem espinhas'. “O melhor peixe é o da costa. Aqui não há nada de rio". Mas António Costa diz que ainda não “está ganho”. E desdobra-se em apelos ao voto

“A minha mãe trouxe-me para aqui com 15 dias.” Júlia Castanho ainda quis ser jornalista mas a vida da banca falou mais alto. É a terceira geração no negócio. “Tudo o que vendo aqui tem qualidade. Os políticos também têm de vender qualidade e verdade. Às vezes andam a arrotar postas de pescada, todos. E de má qualidade”, diz, minutos antes de António Costa chegar ao Mercado de Matosinhos.

A mãe abana com a cabeça, a concordar. Aos 19 anos mudou de vida: deixou de cortar tecidos numa fábrica de confeções para cortar peixe com a sogra. “Eu não sabia cortar nada”. Não corta a conversa, mas a filha é mais dada à palavra. E às metáforas do mar. Porque, no dia 30, o país tem de escolher um novo capitão. “Vamos ver para onde é que a maré nos vai levar.” Mas há uma preferência: Costa firme.

Foi a mãe que touxe Júlia Castanho para o Mercado de Matosinhos

Corre-se a outro posto de venda. Se a experiência de Maria Diniz nos bichos com escama fosse tida em conta, António Costa hoje jantava petinga. Um peixe pequenino, ao contrário do resultado que a mulher espera que o PS tenha no domingo. Mas, afinal, qual é o melhor peixe: o de Rio ou o de Costa? “É o de Costa, não há dúvida.”

Algumas bancas ao lado, enquanto amanha o peixe, Cristiana Ferreira concorda. “O melhor peixe é o da costa. Aqui não há nada de rio. O rio é só para tomar banho. E tem de se ter cuidado com a corrente.” 

Cuidado, com a corrente e com as palavras, avisa Isabel Martins. Peixeirada é uma palavra “forte” para descrever o cenário depois do dia das eleições se nenhum dos partidos conseguir negociar o suficiente para formar Governo. As colegas alinham. “Têm de ter respeito uns pelos outros e sobretudo pelas pessoas”. Para o país não ficar à deriva, a vendedora sabe bem quem poria ao leme. “O Costa. Ele não abandonou o barco em alto mar.” Na pandemia, quer ela dizer.

Ela vinha só para comprar nabiças

Maria de Fátima Galego acabou a abraçar Costa

Maria de Fátima Galego não podia imaginar o que lhe estava prestes a acontecer. “Eu vinha comprar nabiças, não sabia que ele vinha aqui”. Ele é António Costa, que entra pelo Mercado de Matosinhos dentro com a comitiva. “Eu quero vê-lo.”

E consegue, no meio de um clima que é de autêntica festa. O secretário-geral do PS surfa um mar de afetos, não poupando nos abraços. Grita-se forte pela vitória, como se fosse um pregão. “Já está ganho, já está ganho.”

Mas Costa, no momento de falar do alto, qual sermão de Santo António aos Peixes, apela à mobilização. É que as sondagens, por muito que coloquem o PS à frente, fazem tremer os socialistas. “Não há vitórias antecipadas.” Mas de Matosinhos sai vencedor, carregado em ombros.

Costa apelou ao voto do alto do Mercado de Matosinhos (Lusa/Miguel A. Lopes)

Um mar rosa em terra de pescadores

Na vida de mar também se criam raízes. Por futuros como o de Melissa. Os olhos líquidos transportam o mar que dá sustento à avó. Uma bebé vestida de cor-de-rosa, o nome da avó. “Tem seis meses mas já está a apanhar o jeito”, conta Rosa Alexandre.

Rosa, como a flor que recebe depois das mãos de António Costa. Para esse feito, a peixeira tem de furar com a bebé ao colo o mar de gente nas ruas da Afurada, a terra onde o rio (Douro) vai dar à costa. 

Rosa Alexandre quis mostrar os olhos da neta a António Costa

Na segunda arruada do dia, o secretário-geral do PS (e primeiro-ministro) vai ouvindo mensagens de “alento” e “chamadas de atenção”. O acordeão torna a escuta mais difícil, mas ninguém desiste. Por muito breve que seja o contacto, o abraço pode sempre valer a pena. E Costa vai vendendo o seu peixe: subidas nos salários, nas pensões, reforço no Serviço Nacional de Saúde.

Maria da Conceição Oliveira parou o trabalho para vir à rua ver a festa. Em terra de peixe vende carne em forma de prego. “Ai, tenho de ir trabalhar. Mas há coisas que não mudo. De clube e de partido. Nasci socialista e vou morrer socialista.”

António Ferreirinha, pelo contrário, não sai de casa. Foi pescador mas não quer enfrentar esta onda socialista. Para se fazer notar, chama baixinho: “Aqui mora um socialista”. A Rui Rio jamais lhe dava o voto. Porque o Porto fica perto e a memória ainda está fresca. “O que ele fez ao Porto… nunca mais o gramei.”

O líder socialista fez questão de ver a multidão da Afurada de cima (Lusa/Miguel A. Lopes)

Do mar à Coimbra multimodal

“Apita o comboio para os lados de Coimbra.” A música na baixa da cidade dos estudantes merecia, ao final da tarde, uma ligeira adaptação. Porque o que está a passar é a caravana socialista. Pára em alguns apeadeiros para abraços. “Olá, senhor doutor.” E numa estação, com uma pausa mais longa, para António Costa falar aos jornalistas.

Porque o rival, Rui Rio, confiante nas sondagens, atira que Costa podia, ao menos, “perder as eleições com dignidade”. “Não vou estar a jogar pingue-pongue com o doutor Rui Rio. O meu diálogo é com os portugueses”, reage Costa.

A rua ao lado, a Rua dos Gatos, segue praticamente deserta. Apenas um casal de jovens de mãos dadas. Mas, a poucos metros, Costa também fala de felinos. Desta vez sem menções a Zé Albino. Só ao programa do PSD: “Cada um deve responder pelo seu programa, tudo às claras. Não deve haver gato escondido e deve ser tudo às claras”.

Marta Temido juntou-se à caravana socialista em Coimbra, onde é cabeça de lista (Lusa/Miguel A. Lopes)

Para os socialistas, hoje, nas arruadas não há duas sem três. Para governos de Costa, o lema logo se verá. Quem está na Rua Ferreira Borges mantém a esperança de que volte a haver espaço para andar. Entre confetis e Marta Temido, ministra da Saúde e cabeça de lista por Coimbra, a distribuir rosas.

E, atrás de tudo isto, ainda há quem suba ao autocarro com destino à Sé. Mais valia seguir a pé. Para que os militantes dispersem, ainda vai ser preciso esperar. Mas não tanto como o país para saber quem ganha as eleições.

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