Uma onda de afetos em dose dupla, primeiro em Matosinhos e depois na Afurada (Gaia). Se fosse por estas paragens, a vitória socialista era 'sem espinhas'. “O melhor peixe é o da costa. Aqui não há nada de rio". Mas António Costa diz que ainda não “está ganho”. E desdobra-se em apelos ao voto
“A minha mãe trouxe-me para aqui com 15 dias.” Júlia Castanho ainda quis ser jornalista mas a vida da banca falou mais alto. É a terceira geração no negócio. “Tudo o que vendo aqui tem qualidade. Os políticos também têm de vender qualidade e verdade. Às vezes andam a arrotar postas de pescada, todos. E de má qualidade”, diz, minutos antes de António Costa chegar ao Mercado de Matosinhos.
A mãe abana com a cabeça, a concordar. Aos 19 anos mudou de vida: deixou de cortar tecidos numa fábrica de confeções para cortar peixe com a sogra. “Eu não sabia cortar nada”. Não corta a conversa, mas a filha é mais dada à palavra. E às metáforas do mar. Porque, no dia 30, o país tem de escolher um novo capitão. “Vamos ver para onde é que a maré nos vai levar.” Mas há uma preferência: Costa firme.
Corre-se a outro posto de venda. Se a experiência de Maria Diniz nos bichos com escama fosse tida em conta, António Costa hoje jantava petinga. Um peixe pequenino, ao contrário do resultado que a mulher espera que o PS tenha no domingo. Mas, afinal, qual é o melhor peixe: o de Rio ou o de Costa? “É o de Costa, não há dúvida.”
Algumas bancas ao lado, enquanto amanha o peixe, Cristiana Ferreira concorda. “O melhor peixe é o da costa. Aqui não há nada de rio. O rio é só para tomar banho. E tem de se ter cuidado com a corrente.”
Cuidado, com a corrente e com as palavras, avisa Isabel Martins. Peixeirada é uma palavra “forte” para descrever o cenário depois do dia das eleições se nenhum dos partidos conseguir negociar o suficiente para formar Governo. As colegas alinham. “Têm de ter respeito uns pelos outros e sobretudo pelas pessoas”. Para o país não ficar à deriva, a vendedora sabe bem quem poria ao leme. “O Costa. Ele não abandonou o barco em alto mar.” Na pandemia, quer ela dizer.
Ela vinha só para comprar nabiças
Maria de Fátima Galego não podia imaginar o que lhe estava prestes a acontecer. “Eu vinha comprar nabiças, não sabia que ele vinha aqui”. Ele é António Costa, que entra pelo Mercado de Matosinhos dentro com a comitiva. “Eu quero vê-lo.”
E consegue, no meio de um clima que é de autêntica festa. O secretário-geral do PS surfa um mar de afetos, não poupando nos abraços. Grita-se forte pela vitória, como se fosse um pregão. “Já está ganho, já está ganho.”
Mas Costa, no momento de falar do alto, qual sermão de Santo António aos Peixes, apela à mobilização. É que as sondagens, por muito que coloquem o PS à frente, fazem tremer os socialistas. “Não há vitórias antecipadas.” Mas de Matosinhos sai vencedor, carregado em ombros.
Um mar rosa em terra de pescadores
Na vida de mar também se criam raízes. Por futuros como o de Melissa. Os olhos líquidos transportam o mar que dá sustento à avó. Uma bebé vestida de cor-de-rosa, o nome da avó. “Tem seis meses mas já está a apanhar o jeito”, conta Rosa Alexandre.
Rosa, como a flor que recebe depois das mãos de António Costa. Para esse feito, a peixeira tem de furar com a bebé ao colo o mar de gente nas ruas da Afurada, a terra onde o rio (Douro) vai dar à costa.
Na segunda arruada do dia, o secretário-geral do PS (e primeiro-ministro) vai ouvindo mensagens de “alento” e “chamadas de atenção”. O acordeão torna a escuta mais difícil, mas ninguém desiste. Por muito breve que seja o contacto, o abraço pode sempre valer a pena. E Costa vai vendendo o seu peixe: subidas nos salários, nas pensões, reforço no Serviço Nacional de Saúde.
Maria da Conceição Oliveira parou o trabalho para vir à rua ver a festa. Em terra de peixe vende carne em forma de prego. “Ai, tenho de ir trabalhar. Mas há coisas que não mudo. De clube e de partido. Nasci socialista e vou morrer socialista.”
António Ferreirinha, pelo contrário, não sai de casa. Foi pescador mas não quer enfrentar esta onda socialista. Para se fazer notar, chama baixinho: “Aqui mora um socialista”. A Rui Rio jamais lhe dava o voto. Porque o Porto fica perto e a memória ainda está fresca. “O que ele fez ao Porto… nunca mais o gramei.”
Do mar à Coimbra multimodal
“Apita o comboio para os lados de Coimbra.” A música na baixa da cidade dos estudantes merecia, ao final da tarde, uma ligeira adaptação. Porque o que está a passar é a caravana socialista. Pára em alguns apeadeiros para abraços. “Olá, senhor doutor.” E numa estação, com uma pausa mais longa, para António Costa falar aos jornalistas.
Porque o rival, Rui Rio, confiante nas sondagens, atira que Costa podia, ao menos, “perder as eleições com dignidade”. “Não vou estar a jogar pingue-pongue com o doutor Rui Rio. O meu diálogo é com os portugueses”, reage Costa.
A rua ao lado, a Rua dos Gatos, segue praticamente deserta. Apenas um casal de jovens de mãos dadas. Mas, a poucos metros, Costa também fala de felinos. Desta vez sem menções a Zé Albino. Só ao programa do PSD: “Cada um deve responder pelo seu programa, tudo às claras. Não deve haver gato escondido e deve ser tudo às claras”.
Para os socialistas, hoje, nas arruadas não há duas sem três. Para governos de Costa, o lema logo se verá. Quem está na Rua Ferreira Borges mantém a esperança de que volte a haver espaço para andar. Entre confetis e Marta Temido, ministra da Saúde e cabeça de lista por Coimbra, a distribuir rosas.
E, atrás de tudo isto, ainda há quem suba ao autocarro com destino à Sé. Mais valia seguir a pé. Para que os militantes dispersem, ainda vai ser preciso esperar. Mas não tanto como o país para saber quem ganha as eleições.