Subornos, subversão eleitoral, roubo de documentos, fraude, violação, difamação. Trump teve uma vitória mas ainda lhe faltam muitas batalhas judiciais

6 mar, 08:36
Donald Trump à chegada ao tribunal de Nova Iorque (EPA)

Um dos processos mais promissores que Donald Trump enfrentava acaba de ser enterrado pelo Supremo Tribunal dos Estados Unidos. Ainda assim, o ex-presidente e recandidato à Casa Branca enfrenta mais de 90 acusações em seis processos distintos, quatro deles penais, a decorrer em diferentes tribunais do país. Um desses casos também está nas mãos do Supremo, que já marcou a data para avaliar se Trump tem ou não imunidade face a acusações de interferência nas presidenciais de 2020

Para David French, do New York Times, o painel de nove juízes do Supremo Tribunal dos Estados Unidos (SCOTUS) acaba de "apagar" uma parte da Constituição norte-americana. Para o "Washington Post", uma das grandes ilações a tirar da decisão anunciada na segunda-feira é que, apesar de unânime, deixa a porta aberta a novos dilemas judiciais e constitucionais. "Ao não se pronunciarem sobre se Trump se envolveu em atos de insurreição, a questão fica aberta a interpretação – especialmente no que toca ao Congresso. E se Trump vencer em novembro, mas os democratas ganharem controlo das duas câmaras do Congresso e avançarem com a sua desqualificação?"

Na base desta decisão está uma outra, tomada pelo Supremo Tribunal do Colorado em meados de dezembro, na qual Donald Trump era declarado inelegível pelas suspeitas de envolvimento no ataque ao Capitólio executado pelos seus apoiantes a 6 de janeiro de 2021, após o ex-presidente ter perdido as eleições para Joe Biden. A pedido de um grupo de queixosos, que se sustentaram na secção 3 da 14.ª emenda da Constituição, os juízes que avaliaram essa queixa tinham decidido que o nome do empresário tornado político não podia constar dos boletins de voto para as primárias do Estado, abrindo um precedente que foi seguido por outros, como o Illinois e o Maine.

Na véspera da antecipada super terça-feira, o SCOTUS tirou razão ao Colorado, com uma opinião unânime mas "zangada" que, na prática, pôs fim a todos os processos que estavam em curso contra Trump em cerca de 30 dos 50 Estados norte-americanos com base nessa mesma alínea constitucional. Contudo, o ex-presidente continua a enfrentar 91 acusações em quatro casos penais, para além de estar indiciado noutros dois casos civis. Eis todos os processos judiciais em curso contra o ex-presidente, que está cada vez mais perto de se tornar o candidato oficial do Partido Republicano à Casa Branca.

Fraude com imobiliário

Em 2022, a procuradora geral de Nova Iorque, Letitia James, abriu um caso civil contra Trump, dois dos seus filhos e um seu ex-assessor, Allen Weisselberg, face a um alegado esquema fraudulento sob o qual a Organização Trump empolou o valor de várias das suas propriedades para reduzir a sua carga fiscal ou melhorar as condições para obter empréstimos, inflacionando o seu património líquido.

Onde?

Estado de Nova Iorque

Quando?

O caso foi decidido em fevereiro, quando o juiz Arthur Engoron declarou Trump culpado e condenou o ex-presidente a pagar 355 milhões de dólares (cerca de 327 milhões de euros) mais juros por fraude financeira, um cálculo que corresponderá, mais coisa menos coisa, aos ganhos ilícitos com esse esquema. 

Contudo, o processo ainda não está concluído – Trump interpôs recurso à sentença e aguarda que um tribunal da relação pegue no caso para sustentar ou reverter a decisão. Enquanto isso não acontece, o ex-presidente tem até ao final de março para pagar a multa ou obter fiança.

Ex-presidente tem até ao final deste mês para pagar multa de 355 milhões de dólares mais juros (Seth Wenig/AP)

Agressão sexual e difamação

Ao contrário da maioria dos casos judiciais desta lista, que foram interpostos pelas autoridades estatais e/ou federais, Trump enfrentou um caso civil interposto pela escritora E. Jean Carroll, que acusava o ex-presidente de violação nos provadores de uma loja de roupa na década de 1990. 

Quando Trump a desmentiu publicamente e se lançou em diatribes contra ela nas redes sociais, Carroll pô-lo em tribunal também por difamação, juntando mais tarde a essa acusação uma outra de agressão.

Onde?

Manhattan

Quando?

Em maio de 2023, um júri concluiu que Trump agrediu sexualmente e difamou a escritora, condenando-o a pagar-lhe uma compensação de 5 milhões de euros (4,61 milhões de euros). Em janeiro deste ano, no âmbito do segundo processo interposto por Caroll, Trump foi condenado a pagar-lhe uma indemnização de 83,3 milhões de dólares (76,77 milhões de dólares).

Como no caso de fraude, o ex-presidente dos Estados Unidos pediu recurso às duas sentenças e aguarda os resultados do processo. Enquanto isso não acontece, tem até 9 de março para pagar a indemnização à escritora. Para além disso, destacam alguns media, o facto de ter continuado a insultá-la no decorrer do segundo julgamento abre a porta a novos processos judiciais por difamação.

Trump tem até ao próximo domingo para pagar a indemnização a E. Jean Carroll (Yuki Iwamura/AP)

Suborno de alegadas amantes

O juiz distrital Alvin Bragg foi o primeiro a interpor acusações criminais contra Trump, em março de 2023, face a suspeitas de que falsificou documentos empresariais para poder subornar alegadas amantes, entre elas Stormy Daniels, ex-atriz de filmes pornográficos com quem terá mantido um caso extramarital. Os alegados subornos foram pagos durante a campanha às presidenciais de 2016, que o viram chegar à Casa Branca.

Onde?

Manhattan

Quando?

O arranque do julgamento está marcado para 25 de março, como definido pelo juiz Juan Merchand em meados de fevereiro. O caso enfrenta vários obstáculos, incluindo dúvidas sobre o prazo de prescrição do crime e sobre uma das principais testemunhas-chave – Michael Cohen, ex-assessor do empresário tornado presidente. Segundo vários analistas, este parece ser o caso criminal mais frágil e menos relevante de todos os que Trump enfrenta.

Stormy Daniels, nome de batismo Stephanie Gregory Clifford, é uma de várias mulheres com quem Trump terá mantido casos extrajudiciais, tentando depois comprar o seu silêncio durante a campanha às presidenciais de 2016 (Yana Paskova/Getty Images)

Documentos confidenciais em Mar-a-Lago

Será um dos casos mais famosos que pendem sobre o ex-presidente, envolvendo alegados documentos confidenciais do Estado que Trump trouxe ilegalmente consigo da Casa Branca quando abandonou a presidência em janeiro de 2021. 

Face às suspeitas, Jack Smith, conselheiro especial do Departamento de Justiça norte-americano, abriu um processo contra o ex-presidente com base em 37 acusações criminais – incluindo retenção intencional de informações de segurança nacional, retenção ilícita de documentos, obstrução à Justiça e declarações falsas.

Trump é acusado de ter levado consigo da Casa Branca várias caixas com documentos que, mais tarde, foram encontradas no seu resort de Mar-a-Lago e noutras propriedades. A acusação criminal centra-se, acima de tudo, no facto de se ter recusado a devolvê-los ao governo federal, após vários pedidos nesse sentido.

Onde?

Florida

Quando?

As primeiras acusações criminais foram formalizadas em junho de 2023, mas a data para o arranque do julgamento ainda não está fechada. Há quem aponte que poderá começar em julho, apesar de, em março, a juíza distrital Aileen Cannon – nomeada pelo ex-presidente e já acusada de “sabotar” este caso – ter dito que essa data lhe parece pouco exequível. 

O prazo final é 20 de janeiro de 2025, dia em que o vencedor das presidenciais de novembro vai tomar posse. Dado que o processo foi iniciado pelo Departamento de Estado, se Trump for eleito presidente é provável que ordene o encerramento do processo.

Uma das várias fotos anexas ao processo judicial contra Trump mosra caixas com documentos classificados guardadas no resort de Mar-a-Lago (Departamento de Justiça via AP)

Subversão das presidenciais 2020

Trump e outras 18 pessoas enfrentam acusações de extorsão interpostas pela procuradora distrital Fani Willis, por suspeitas de conspiração durante várias semanas em vários Estados norte-americanos para reverter os resultados eleitorais de 2020, quando Joe Biden derrotou Trump nas urnas.

As leis de extorsão têm permitido a Willis recolher muito material para usar no julgamento, incluindo provas fortes como uma chamada entre Trump e o secretário de Estado da Georgia, Brad Raffensperger, na qual o ainda presidente dos EUA lhe pediu para “encontrar” 11 mil votos.

Onde?

Condado de Fulton, Georgia

Quando?

As acusações foram formalizadas em agosto de 2023. No outono seguinte, alguns dos acusados – nomeadamente Kenneth Chesebro, Sidney Powell e Jenna Ellis – alcançaram acordos com a procuradoria para escaparem ao julgamento. 

Os restantes réus, incluindo Trump, podem começar a ser julgados a 5 de agosto, data proposta por Willis mas que ainda não foi formalizada. Antes disso, o juiz Scott McAfee deverá decidir já neste mês de março se a procuradora é ou não afastada do processo, após ter sido revelado que manteve uma relação amorosa com um advogado que contratou como procurador especial.

Fani Willis, procuradora distrital do condado de Fulton, pode ser afastada do processo que abriu contra Trump (Alex Slitz/AP)

Subversão eleitoral, parte II

A par do processo que abriu contra Trump pela retirada ilícita de documentos da Casa Branca, o procurador especial Jack Smith também acusou formalmente o ex-presidente de envolvimento nas tentativas de interferência eleitoral para impedir que passasse o testemunho a Biden no rescaldo das presidenciais de 2020, num processo relacionado com a invasão do Capitólio pelos apoiantes do ex-presidente a 6 de janeiro de 2021, dia em que o Colégio Eleitoral certificou os resultados do sufrágio.

Onde?

O caso está a ser julgado por um tribunal federal de Washington D.C.

Quando?

Trump foi formalmente indiciado por um grande júri a 1 de agosto de 2023. Estava previsto que o julgamento arrancasse a 4 de março, na véspera da super terça-feira. Contudo, e após o Supremo Tribunal dos EUA (SCOTUS) ter aceitado ouvir argumentos de um lado e de outro do processo, o processo está agora suspenso.

Em causa está uma alegação da equipa de defesa de que o ex-presidente tem “imunidade absoluta” face às acusações – com potencial de fazer resvalar uma série de outros casos se for dada razão aos advogados de Trump. 

A 6 de fevereiro, um painel de três juízes de um tribunal de segunda instância de DC rejeitou o argumento da defesa; Trump voltou a interpor recurso a essa sentença e foi assim que o caso chegou ao SCOTUS, cujo painel de juízes marcou a primeira audiência para 22 de abril. Tal como no processo aberto por Smith relativo aos documentos retirados da Casa Branca, também este caso pode ser encerrado sob ordens de Trump caso conquiste a presidência em novembro.

Nove pessoas morreram e pelo menos 174 agentes da polícia foram atacados durante a invasão do Capitólio por apoiantes de Trump a 6 de janeiro de 2021 (John Minchillo/AP)

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