Uns a favor, outros contra e muitos por decidir. Será que Trump vai poder candidatar-se à presidência? Este guia ajuda a perceber

29 dez 2023, 22:00
Donald Trump à chegada ao tribunal de Nova Iorque (EPA)

Dos 50 estados norte-americanos, dois já declararam Trump inelegível e três decidiram que o ex-presidente pode candidatar-se nas primárias republicanas. Outros 14 estados têm processos semelhantes em curso, todos sustentados numa lei de 1868 nunca invocada na história moderna do país – até à semana passada. O pedido de recurso à decisão que tudo precipitou, no Colorado, já foi formalizado pelos republicanos no Supremo Tribunal. Eis tudo o que já se sabe e o que falta saber sobre o “caos eleitoral” instalado nos EUA, quando faltam dez meses para as presidenciais.

Que estados já declararam Trump inelegível?

O Colorado foi quem inaugurou o que a CNN Internacional classifica de “caos eleitoral”, com o Supremo Tribunal do estado a definir na semana passada que Donald Trump não pode constar dos boletins de voto nas primárias republicanas, com base numa lei com 155 anos que proíbe a candidatura de ex-dirigentes políticos suspeitos de “insurreição”.

A decisão dos juízes foi tomada após a secretária de Estado, a democrata Jena Griswold, ter rejeitado assumir a responsabilidade de afastar ou não o ex-presidente da corrida eleitoral – como a sua homóloga do Maine, Shena Bellows, decidiu fazer na quinta-feira, declarando a desqualificação de Trump com base na mesma lei.

E quais decidiram mantê-lo nos boletins de voto?

Até agora, apenas outros três estados se manifestaram sobre este assunto, e todos no sentido oposto. Na Califórnia, a secretária de Estado, Shirley Weber (também democrata), rejeitou ontem o pedido do seu vice-governador para seguir o exemplo do Maine, dizendo que prefere deixar essa decisão para os tribunais. 

No Michigan, um dos estados com mais peso no mapa eleitoral, e no Minnesota, os juízes dos dois supremos também negaram o pedido de um grupo de cidadãos para desqualificar a candidatura de Trump.

Em que outros estados há processos a decorrer?

Neste momento, de acordo com a base de dados do Lawfare, um site apartidário que monitoriza questões legais e de segurança nos EUA, há processos ativos em 14 estados: Alasca, Arizona, Nevada, Nova Jérsia, Novo México, Nova Iorque, Oregon, Carolina do Sul, Texas, Vermont, Virgínia, Virgínia Ocidental, Wisconsin e Wyoming.

No Arizona, um tribunal de baixa instância não quis analisar o processo, mas foi apresentado recurso, pelo que ainda pode chegar ao supremo estatal.

O que motivou estes processos?

Em causa está o envolvimento de Trump no ataque ao Capitólio, a 6 de janeiro de 2021, quando milhares dos seus apoiantes invadiram o edifício do Congresso para tentarem evitar a certificação dos resultados das presidenciais de 2020 – que deram a vitória ao democrata Joe Biden.

Neste momento, Trump enfrenta um processo judicial num tribunal federal pela sua alegada tentativa de reverter os resultados das eleições que perdeu; também está a ser julgado, sob as mesmas suspeitas, num tribunal da Georgia. 

Embora envolvam o mesmo incidente e suspeitas, estes casos estado a estado são diferentes e surgiram no seguimento de processos apresentados nos tribunais de cada um deles – e de uma série de outros estados – por grupos de cidadãos apoiados pela Cidadãos pela Responsabilidade e Ética em Washington (CREW) ou pela própria organização sem fins lucrativos.

Que lei é que a CREW invoca?

A secção 3 da 14ª emenda constitucional, na qual os queixosos se apoiam, define que cidadãos envolvidos em “insurreição e rebelião” contra o Estado não podem candidatar-se a cargos públicos, não sendo precisa uma condenação para ser aplicada. Concretamente, a cláusula refere que qualquer pessoa que tenha “servido em cargos públicos” e jurado “respeitar a Constituição” e tenha depois “estado envolvida em insurreição ou rebelião” não pode exercer nenhum cargo governamental.

Aprovada em 1868, a lei tinha como objetivo afastar do poder ex-confederados e foi várias vezes aplicada na viragem do século XIX para o século XX. Mas nunca tinha sido invocada na história moderna dos EUA – até à decisão histórica do Colorado, um século depois.

A defesa de Trump alega que a linguagem vaga da lei a torna não aplicável ao cargo de presidente, algo com que nem os juízes do Colorado nem a secretária de estado do Maine concordam. Na sua decisão, Shena Bellows escreveu: “Em suma, o texto, a história e o contexto da secção 3 da 14ª emenda tornam claro que cobre a presidência, e que é uma qualificação aplicável pelos estados.”

Colorado e Maine barraram Trump, mas as decisões têm o mesmo peso?

Não. No Maine, a declaração de inelegibilidade foi política mas a questão ainda não foi  avaliada pelos tribunais. 

No Colorado, a decisão foi tomada pelo mais elevado tribunal do estado, pelo que qualquer recurso segue diretamente para o Supremo Tribunal federal (SCOTUS).

Estas decisões são finais?

Ainda não. No caso dos três estados que decidiram manter o nome de Trump nos boletins de voto nas primárias, a porta fica aberta a novos processos, semelhantes na forma mas relativos aos boletins de voto para as eleições gerais. Isto a confirmar-se, como indicam todas as sondagens, que Trump consegue a nomeação do partido.

No Maine, a secretária de Estado remeteu a decisão para o supremo estatal. No caso do Colorado, a decisão judicial só terá efeito a partir de 4 de janeiro, o dia antes de os boletins de voto para as primárias começarem a ser enviados para a gráfica – assim foi decidido pelo próprio supremo, segundo os juízes para dar tempo ao SCOTUS de se pronunciar sobre o que pretende fazer. 

Entretanto, e sob promessas do próprio Trump em recorrer da sentença, o Partido Republicano do Colorado já formalizou o seu pedido de recurso. Isto significa que a bola está agora nas mãos dos nove juízes do SCOTUS, seis deles conservadores, três dos quais nomeados durante a presidência Trump.

Qual o impacto destes processos na candidatura de Trump?

No imediato, estão a alimentar a barricada que o apoia – vejam-se as ameaças de morte feitas pelos seus apoiantes aos juízes do Colorado – e dão força à retórica do próprio ex-presidente, que às acusações de "roubo da eleição" desde que foi derrotado por Joe Biden nas urnas junta agora a acusação de "interferência" para o manter afastado das urnas. 

Face à decisão do Maine, o porta-voz da candidatura de Trump, Steven Cheung, acusou a secretária de estado de ser uma “esquerdista virulenta” que está a “interferir nas eleições presidenciais” e “os democratas dos estados azuis” de estarem a “suspender, de forma imprudente, os direitos civis dos eleitores americanos, ao tentarem remover sumariamente o nome do presidente Trump dos boletins de voto”.

De resto, tudo dependerá da decisão do Supremo federal, que não tem qualquer calendário que defina quando ou sequer se vai avaliar o caso.

O que acontece a seguir?

Com um pedido de recurso já formalizado, o SCOTUS está sob pressão para analisar o caso do Colorado e decidir se o que está definido na 14ª emenda se aplica ou não a Trump. Quer o coletivo de cidadãos que está a desafiar a elegibilidade de Trump em tribunal, quer o Partido Republicano do Colorado, já pediram ao Supremo que dê prioridade a esta questão dada a proximidade das primárias, pedindo que as primeiras audiências ao caso aconteçam em meados de janeiro.

Quando falta apenas uma semana para o Colorado e outros estados começarem a imprimir os seus boletins de voto, a primeira dúvida é precisamente essa: quando é que haverá pronúncia sobre o caso. A segunda é se a sentença, qualquer que ela seja, será aplicável apenas ao Colorado ou se o coletivo de juízes vai tomar uma decisão aplicável aos 50 estados dos EUA e ao distrito de Columbia – o consenso entre os constitucionalistas é de que qualquer decisão será, muito provavelmente, federal.

Fica a restar a incógnita central: se vai sustentar o ditame dos juízes do Colorado – o que poderá levar vários outros estados a seguirem o exemplo – ou se vai rejeitá-lo e libertar o caminho de Trump até 5 de novembro.

Neste contexto, surge um outro cenário possível. A secção 3 inclui uma alínea que dita que a proibição de uma candidatura pode ser revertida por dois terços dos membros da Câmara dos Representantes, de maioria republicana, e do Senado, de maioria democrata.

Como explicava na semana passada o constitucionalista Mark A. Graber: “O [Supremo] pode dizer ‘o Colorado desqualifica Trump, tudo bem para o Colorado, mas outros estados podem decidir o que acham melhor, e o Congresso, se não gostar desta mixórdia, que aprove uma lei a estandardizar [os procedimentos].” (Na mesma entrevista ao site The Conversation, Graber considerou que esta é a opção “menos provável, embora seja capaz de ser a mais consistente com a história” dos EUA. 

Quando são as primárias no Colorado e no Maine?

A escolha do candidato republicano às presidenciais acontece no mesmo dia nos dois estados que o mantêm fora dos boletins de voto para já – na chamada super terça-feira, em que 16 estados e territórios dos EUA vão às urnas ao mesmo tempo. Antes disso, há primárias e caucuses num punhado de estados, a começar no Iowa logo a 15 de janeiro.

A coincidência? Um dia antes da super terça-feira em 2024, arranca o julgamento federal de Trump, o provável candidato republicano à Casa Branca, pelos seus alegados esforços para reverter os resultados das últimas presidenciais.

Relacionados

E.U.A.

Mais E.U.A.

Mais Lidas

Patrocinados