opinião

Aos indignados com Edite Estrela e Pacheco de Amorim

9 fev 2022, 10:47

Tenho assistido – e lido – com estupefação, nos últimos dias, à polémica mais recente sobre como será formada a nova presidência da Assembleia da República. Como qualquer polémica desnecessária, é só mais uma, entre tantas a que já assistimos nos últimos anos. Se podíamos estar a discutir o que é preciso ser feito nos próximos anos para aproveitarmos bem os fundos da bazuca? Podíamos. Mas não era a mesma coisa.

Vamos então por partes. Há por aí uma espécie de clamor – que não tem nada de nacional – sobre a eventual escolha de Edite Estrela para presidir à Assembleia da República. Argumento: é amiga de José Sócrates. Pior: parece que o marido de Edite Estela já teve um negócio qualquer com Sócrates. Ainda mais grave, gritam alguns: já passou férias com ele e parece que não pagou um tostão. Conclusão: a segunda figura do Estado não pode ser alguém deste “calibre”.

Ora bem, eu consigo encontrar vários motivos para discordar do nome de Edite Estrela como Presidente da Assembleia da República. Mas que me desculpem os indignados que se dizem democratas, continuo a achar que à política o que é da política, à justiça o que é da justiça e ao plano pessoal o que é do plano pessoal. Levantar, com esta leviandade, um anátema sobre alguém que nunca esteve envolvido judicialmente em nenhum caso das dezenas em que Sócrates está envolvido e que, no limite, tem o direito de ser amigo de quem quiser, parece-me claramente um mau argumento.

O que não significa que a escolha de Edite Estrela para segunda figura do Estado não seja um erro de palmatória e o primeiro grande tique de arrogância de um António Costa que agora tem uma maioria absoluta nas mãos.

Edite Estrela é um erro de casting por vários motivos. Primeiro: porque as poucas experiências passadas em que assumiu a liderança do Parlamento – na condição de vice-presidente – demonstraram à evidência que não sabia o que estava a fazer. Segundo: porque lhe falta o currículo e a gravitas para assumir um cargo tão relevante. E o mais relevante de tudo: porque a sua escolha é a prova evidente de que António Costa não quer aos comandos da Assembleia da República alguém capaz de assumir um papel de equidistância, mas, pelo contrário, quer uma figura de cera que possa estar ao serviço do PS.

Isto, que seria grave em qualquer circunstância, é ainda mais grave num contexto de maioria absoluta, onde, mais do que nunca, cabe à Assembleia da República um papel fiscalizador da ação do Governo. E não queiramos imaginar o que seria se Edite Estrela tivesse de substituir o Presidente da República.

Agora, defender que quem privou, trabalhou ou se cruzou com Sócrates ao longo da vida não tem condições políticas para assumir qualquer cargo seria o equivalente a deixar de fora da vida política quase todo o Partido Socialista.

O segundo capítulo desta polémica tem a ver com a nomeação do Chega de Diogo Pacheco de Amorim para o cargo de vice-presidente da Assembleia da República. “Não passará”, grita uma esquerda que acabou de ser humilhada nas urnas, por culpa própria, há menos de um mês.

Durante os últimos anos, muitos – incluindo eu próprio – defenderam que o Chega não devia ser “normalizado”. Que um partido que ataca a Constituição de forma tão leviana, que divide o país entre “bons” e “maus”, que instiga a discriminação, o ódio e, até, a violência deve ser combatido.

Mas esse combate faz-se no plano político, e não na secretaria. Faz-se no plano das ideias e da capacidade que os restantes partidos tiverem em desmontar as incoerências e a demagogia bacoca que André Ventura e os seus correligionários transportam para a nossa democracia.

Ora, foi exatamente isso que os restantes partidos não conseguiram fazer nos últimos dois anos. Da esquerda à direita, entre os que o quiseram ilegalizar e os que andaram, titubeantes, sem um discurso político agregador e capaz de impedir o crescimento deste partido, todos se podem queixar de si próprios e de mais ninguém. E agora é tarde para discutirmos a “normalização” do Chega, porque o povo já o “normalizou”. Nada que não tenha acontecido noutros países da Europa.

Talvez se os partidos tivessem aprendido alguma coisa, agora não estivessem tão preocupados em impedir a eleição de Diogo Pacheco de Amorim para a vice-presidência da Assembleia da República. Porque fazê-lo é insistir no erro. É dar a André Ventura – que deve estar-se nas tintas para a eleição de Diogo Pacheco de Amorim – o discurso de vitimização que lhe rendeu quase 400 mil votos nas últimas legislativas. É permitir que cada palavra, cada artigo, cada minuto perdido nesta espécie de debate estéril faça crescer ainda mais um partido que se alimenta precisamente da demagogia e da ignorância alheia.  

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