Lynette desapareceu em 1982. 40 anos depois, o marido foi condenado por homicídio (e tudo graças a um podcast)

30 ago 2022, 21:17
Lynette Dawson (NSW Police)

O podcast "The Teacher's Pet" analisou as últimas semanas de vida de Lynette Dawson e apresentou testemunhas e depoimentos até então inéditos. Esta terça-feira, um juiz considerou o marido culpado - citando várias vezes o podcast

Lynette Dawson desapareceu em 1982, deixando tudo para trás: o marido, as filhas de dois e quatro anos, a casa onde viviam em Sydney, os seus pertences. O marido, Chris, sempre alegou que a mulher tinha escolhido abandonar a família - e inclusive telefonado várias vezes após o desaparecimento, reforçando "precisar de algum tempo sozinha". O lançamento de um podcast sobre o caso, em 2018, apaixonou a Austrália com uma exposição detalhada dos acontecimentos e o descortinar de testemunhas e depoimentos até então inéditos. A busca de 40 anos pode, agora, ter chegado ao fim: esta terça-feira, Chris Dawson foi considerado culpado pelo assassinato da mulher. 

O veredito foi lido no Supremo Tribunal de Nova Gales do Sul, no seguimento de um julgamento de dois meses. Mas um outro julgamento - não oficial - já tinha tido início há quatro anos, com o lançamento do podcast "The Teacher's Pet", criado e publicado por jornalistas do The Australian. A documentação exaustiva das últimas semanas de Lynette "Lyn" Dawson, de apenas 33 anos, foi descarregada mais de 60 milhões de vezes em todo o mundo e galardoada com o mais importante prémio jornalístico australiano, o Gold Walkley.

Chris Dawson foi detido em 2018, no mesmo ano em que "The Teacher's Pet" foi lançado, mas este não é o único elo de ligação entre a condenação e o podcast. Ao apresentar o veredito perante o Supremo Tribunal, o juiz Ian Harrison mencionou várias vezes os episódios e admitiu "ser provável" que algumas provas tenham sido "corrompidas" e "privadas da sua utilidade", para além de serem "totalmente circunstanciais". Ainda assim, quando consideradas como um todo, as provas revelam-se "persuasivas e convincentes" e "não deixam espaço para dúvidas", como citado pelo Washington Post.

A versão de Chris Dawson garantia que a mulher tinha desaparecido por querer distanciar-se da família, alegações supostamente confirmadas pela própria com vários telefonemas para casa. Este seria, aliás, o motivo pelo qual o desaparecimento só foi reportado às autoridades seis semanas mais tarde. No veredito agora revelado, o juiz considera "simplesmente absurda" a alegação de que "Lynette Dawson, uma mulher supostamente desesperada por abandonar uma relação, estaria disposta a telefonar regularmente para discutir a sua decisão de partir", sem sequer perguntar pelas duas filhas. No primeiro episódio do podcast, vários amigos e parentes de Lyn Dawson também contestam a versão do marido, garantido tratar-se de uma mãe devota que jamais abandonaria a família. 

Com base nas provas examinadas, o juiz Ian Harrison concluiu que Lynette "não saiu de casa deliberadamente" e que terá morrido "no dia 8 de janeiro de 1982, ou numa data próxima, como resultado de um ato voluntário e consciente cometido pelo Sr. Dawson com a intenção de causar a sua morte". O motivo do crime estará relacionado com uma relação extraconjugal de Chris Dawson com a ama das filhas, uma estudante de 16 anos, que se mudou para a casa do casal pouco depois do desaparecimento. 

O fenómeno dos podcasts e do "true crime"

A popularidade de formatos como podcasts tem aumentado exponencialmente nos últimos anos, bem como documentários sobre casos de "true crime", crimes ocorridos na vida real - a maioria destes, por solucionar. O desfecho conhecido esta terça-feira vem acender um debate sobre a possível interferência destas investigações não oficiais, disponibilizadas ao público, nas investigações conduzidas pelas autoridades competentes. 

Hedley Thomas, o jornalista de investigação que se estreou na produção de podcasts com este projeto, assumiu: "a história pareceu-me tão injusta que fiquei, de facto, obcecado", a ponto de sentir que "ficou a conhecer" Lynette. Lamenta ainda que a mulher tenha sido "tratada como uma mãe em fuga, quando as circunstâncias eram tão suspeitas" e incriminatórias para o marido, acrescentando que tão "vergonhosa" situação "não aconteria hoje". 

O podcast foi tornado indisponível na Austrália em 2019, de forma a assegurar uma audiência justa. A pedido do suspeito, e devido ao mediatismo e ampla divulgação do caso, o julgamento foi ainda realizado sem presença de júri. Nenhum destes fatores parece, de resto, ter afetado a decisão do juiz.

Chris Dawson, representado pelo advogado, diz-se "em choque" e "perturbado" com a condenação e as acusações que lhe são imputadas, garantindo que vai apelar à decisão do tribunal. 

"O Sr. Dawson sempre afirmou, e continua a afirmar, a sua absoluta inocência pelo crime de que foi acusado. E vai continuar a afirmar essa inocência. E vai, certamente, apelar", reagiu o advogado, Greg Walsh, em declarações aos jornalistas.

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