Não, não vale tudo.
Em democracia é legítima a livre expressão de ideias, que oportunamente permite brainstormings produtivos ao encontro de soluções eficazes.
Qualquer grupo de cidadãos pode escrever uma carta aberta sobre um determinado tema, e fazer uma petição.
Quando o tema é a vacinação contra a Covid em crianças, no auge da pandemia, não vale tudo.
Não vale lançar polémicas despropositadas em alturas críticas para o país.
Não vale semear o medo irracional relativamente às vacinas, fundamentado em hipóteses sem base científica, tentando convencer as pessoas com cenários otimistas (ainda não reais), como o fim da pandemia, desejado por todos nós.
Não vale afirmar que a vacina é ineficaz para a Ómicron - A EMA garante o elevado nível de proteção contra doença grave e hospitalização (principalmente com dose de reforço).
Não vale dizer que uma pessoa simultaneamente infetada e vacinada tem maior risco de miocardite, dano imunitário ou reações fatais – não existem estudos a provar.
Pelo contrário, a CDC recomenda a vacina em infetados, assim que recuperem da doença aguda, e nos assintomáticos, logo que termine o período de isolamento.
Pelo contrário, a miocardite por Sars-Cov 2 é mais frequente e com consequências mais graves que a pós-vacinal, estimando-se 60 x maior, como refere a Dra. Fátima Pinto, no parecer do Programa Nacional para as Doenças Cerebrovasculares da DGS, devidamente fundamentado à luz dos conhecimentos científicos atuais.
Mesmo que «alegadamente» não seja esta a maior prevalência, basta ser mais frequente e grave para justificar a vacina.
Não vale dizer que não existem dados em crianças vacinadas em pleno pico pandémico: nos EU foram vacinadas mais de 8 milhões de crianças.
A vacina é recomendada pela Academia Americana de Pediatria e os dados sobre segurança estão continuamente a ser avaliados pela CDC.
As crianças americanas são cobaias no seu próprio país?
Citando a ACIP (Comité de Praticas de Imunização Americano), as vacinas Covid-19 são salva –vidas. Isto aplica-se em qualquer idade.
Em Portugal, existem atualmente internamentos pediátricos por infeção Covid grave, como pneumonias e MIS-C, ocorrendo também em crianças com idade elegível e não vacinadas: isto não se pode desvalorizar.
Não vale tudo.
Vale sim continuar a tentar prevenir qualquer possibilidade de doença grave ou mortalidade provocada pelo vírus em qualquer idade, e por isso também em crianças.
Na Medicina e particularmente em Pediatria os cuidados preventivos sempre foram considerados a melhor prática médica.
Vale sim explicar bem que o inimigo é o vírus, não a vacina.
Parar o processo de vacinação para analisar todos os estudos que estão a decorrer a nível mundial durante um período de tempo, para ter mais consistência de dados, parece muito arriscado, exatamente pela atual situação pandémica no país.
Insinuar o contrário, alegando riscos não provados como argumento, quando a vacina é a única arma disponível pode ser irresponsável.
Quem assim pensa, desvaloriza não só as consequências potenciais de gravidade como as de morbilidade a curto e longo prazo.
Serão «alegados negacionistas» de MIS-C e de Covid Longo, pois para ambas as situações clínicas existem artigos científicos disponíveis sobre a eficácia da vacinação.
Está provada a redução significativa de MIS-C em adolescentes vacinados e existem até estudos que provam a melhoria de sintomas de Covid Longo com a vacina.
Vale sim tranquilizar os pais que vão vacinar os seus filhos, com a informação de que é segura e eficaz contra doença grave, dada unanimemente pelas Sociedades de Pediatria a nível internacional.
Vale sim transmitir que o Bastonário da Ordem dos Médicos reiterou hoje o seu apoio à decisão da DGS em vacinar este grupo etário.
Não há certezas absolutas na vida, e muito menos em «ciência Covid».
É difícil ser racional nos dias que correm.
Mas acenar com o fim à vista da pandemia, hoje, ainda é futurologia.