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Diretor executivo CNN Portugal

Adeus, Costa, os que vão viver saúdam-te (mas poucochinho)

6 jan, 07:00
António Costa e Pedro Nuno Santos no Congresso Nacional do PS (Lusa)

Costa não se jubilou nem produziu júbilo. O seu “último discurso” pouco inspirou a sala cheia de quem lhe deve muito mas já passou ao próximo. São assim os partidos, muito unidos mas só junto de quem presenteia o poder. Dia 1 no Congresso do PS, com muita música a puxar ao sentimento e muita palavra fofa. Menos para um certo diabo. E para um certo Presidente.

“Rei morto, Rei posto” e o PS já mudou a efígie gravada no seu coração. E se houve coração neste primeiro dia do Congresso do PS. Quer dizer, não houve assim tanto coração, houve mais desfibrilador a tentar fazer reanimação à sala: meteram árias de ópera e rockalhadas aos berros, apelaram à ovação, soltaram palavras de carinho, passaram vídeos a puxar à lágrima, um deles até terminou com um bater de coração… mas o coração dos congressistas já não mora ali e já namorava sábado. Sexta foi para cumprir calendário. Sexta foi para ouvir Costa dizer adeus e para dizer adeus a Costa.

42 anos e 20 congressos depois, contas do próprio, Costa fez um “último discurso” não derrotado mas derrubado, palavras que também usou. Provavelmente, nem foi um “último discurso”, ele ainda não meteu os papéis para a reforma e, se as suspeitas criminais de prevaricação forem arquivadas, um dia ele volta. Até lá, fica este discurso virado para dentro, virado para o passado e (literalmente) apontando a Pedro Nuno Santos, que a ele assistiu com cara de “quantos quilómetros faltam?” para chegar o seu dia. E o seu dia é sábado.

Sábado mediremos a diferença decibélica e estetoscópica das almas ali sentadas, que na sexta aplaudiram Costa como quem põe sal na comida, q.b.

O homem derrubado não tentou reabilitar-se politicamente de coisa alguma nem tentou habilitar-se a futuro qualquer. Falou como quem sabe que já é passado no seu partido e que portanto mais vale ser ele a ditar as palavras com que quer ser recordado, das contas certas ao derrubar de muros à esquerda. Foi pouco mais do que isto, isto e algumas frases preparadas para as citações, “o diabo é a direita”, “podem ter-me derrubado mas não me derrotaram”, “só o PS fará melhor que o PS”, culpas para Marcelo quanto à regionalização, e uma valsa de frases a três tempos, “o diabo não veio e não veio e não veio”, “inovar, ousar, rasgar”, “sempre, sempre, sempre” e três vivas no final.

Costa é o “querido primeiro-ministro” (Duarte Cordeiro), num governo com uma ministra com “um sorriso maravilhoso” (idem, para Ana Mendes Godinho), que deseja “do fundo do coração toda a felicidade do mundo” (Costa para Pedro Nuno Santos), porque “você merece” (idem), mesmo sabendo que quem governa “sofre, mas também sofre com alegria” (idem) e dá cá a mão (Costa levanta e leva pela mão ao centro do palco Pedro Nuno, que o segue meio embaraçado) e manda beijinhos.

Pois é, mas atrás e à frente disto houve uma orquestra sinfónica bem ensaiada por todos os que foram falando à entrada e à saída: a direita é o diabo, a direita não tem soluções, tenham medo da direita; a crise política foi provocada e foi desejada pela direita; não se fala de justiça nem se comenta a operação influencer; não se dá gás ao Bloco de Esquerda; estamos unidos como cimento e vamos ganhar as eleições, pá!

“Podem ter-me derrubado mas não me derrotaram” é uma boa frase mas não é um bom epitáfio, Costa há de querer “virar a página” deste discurso. Virar a crise será mais difícil: o PS pode livrar-se dela no 10 de março, Costa não. Mesmo se, até às eleições, ele seja trunfo eleitoral para Pedro Nuno, que ainda assim o não quer como pai-fantasma. Esta sexta, Costa não teve apoteose porque aqueles que lhe devem muito, os militantes do PS, querem é abrir conta no estabelecimento do novo líder.

É assim a vida num partido político: adeus, Costa, até ao teu regresso. Até lá, ficas por tua conta.

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