"Tudo o que ouvimos é radio ga ga, radio goo goo, radio blah blah". Como o Chega reforçou o poder de Ventura

28 nov 2021, 21:59

Ventura sai com mais poderes do Congresso, de onde os seus maiores opositores internos estiveram ausentes. Primeiro alguém partiu vidros de carros, depois Ventura partiu a loiça: as críticas à direita foram embaladas por Ramazzotti, depois endureceram contra a esquerda ao som de Queen: Costa, “vamos atrás de ti”

O IV Congresso Nacional do Chega foi uma consagração musicada de André Ventura. Se, nos primeiros dias, o ambiente foi marcado pelo delicodoce Eros Ramazzotti em hiper-repetição nas colunas do Expocentro de Viseu, onde o presidente tomou posse e o partido se "legalizou" novamente, assim que os assuntos pendentes foram resolvidos a música continuou em loop mas passou a ser outra.

"Tudo o que ouvimos é radio ga ga, radio goo goo, radio blah blah", ouvia-se e ouvia-se e ouvia-se este domingo de manhã: os militantes do Chega iam às urnas ao som da música eletrizante dos Queen. A confiança fora transmitida pelo presidente, André Ventura, na noite anterior - dia de eleições internas no PSD - quando quis frisar que os sociais-democratas não constituem ameaça para o Chega, que vê uma direita "de rastos" e pretende drenar para si o eleitorado descontente.

Depois das críticas a um Rui Rio "de joelhos", a um Rangel "frouxo" e a um Francisco Rodrigues dos Santos "barricado no Largo do Caldas", o alvo de Ventura passou a ser outro: o deputado único do Chega declarou que vai "atrás de Costa" e assumiu o objetivo de chegar ao poder dentro de duas legislaturas.

Mais poderoso à saída do que à entrada

Ventura assumiu-se orgulhoso da "lição de democracia" que diz ter dado, mas este parece ser um tema delicado dentro do próprio partido. O presidente tem, agora, a capacidade de dissolver os órgãos nacionais, regionais e distritais, e, ainda, de ter a última palavra na escolha dos candidatos do partido a todos os atos eleitorais.

A direção de André Ventura foi eleita com um "resultado histórico" à albanesa: 85,3% dos votos. A mesa não especificou contudo quantos militantes votaram. A novidade foi mesmo a entrada de José Pacheco, deputado dos Açores, para a vice-presidência.

O IV Congresso do Chega ficou marcado pela não votação das recomendações que vários militantes tentaram apresentar no certame, com críticos a sair do partido. "Porta da rua, serventia da casa", ouviu-se repetir em vários discursos. E assim foi: um congressista chegou mesmo entregar o cartão de militante, acusando o Chega de falta de democracia. Ventura desvalorizou. E assim neutralizou a oposição interna. Aliás, dois grandes críticos não marcaram presença no Congresso. Um deles foi candidato às últimas eleições diretas do partido: Carlos Natal não veio, alegando que não valia a pena. Também José Dias, que teve um conflito na distrital de Lisboa, faltou ao conclave do Chega.

As acusações de "nepotismo" e "amiguismo" dentro da estrutura interna do partido atingiram o ponto de ebulição quando Luís Vilela, presidente da concelhia de Vila do Conde, propôs uma alteração dos estatutos, para que os delegados aos congressos passem a ser indicados pelas distritais e concelhias em vez de serem eleitos. Entre gritos de “Democracia!” e "Chega!”, alguns delegados criticaram veementemente a proposta, chegando a haver ataques e insultos pessoais. Mais uma vez, Ventura desvalorizou.

O que diziam os militantes que o Chega não quis ouvir?

A democracia interna, principalmente ao nível local, é preocupação comum nos nove documentos não debatidos. Uma boa parte deles propõe a instauração de eleições diretas para as concelhias, em substituição do atual método, a nomeação, bem como a redução dos mandatos das mesmas de quatro para dois anos.

A recomendação da autoria de Fernando Arriscado Amorim aponta que a falta de eleições diretas para as concelhias tem gerado “casos de atropelo à organização, que têm resultado em situações graves, algumas mesmo casos de polícia e sem dúvida todos eles destruidores da imagem de um partido”.

A falta de transparência é outra crítica feita na generalidade das recomendações. A proposta elaborada pela militante Paula Carvalho atenta para as atitudes de alguns dos membros do partido, que são “exatamente iguais às do sistema instalado”, que o próprio Chega “quer combater”.

Assistimos a lutas internas constantes por lugares, seja para "alimentar egos", protagonismo ou sabe-se lá, se na esperança de um ‘tacho’ futuro, tal e qual como acontece nos outros partidos”

O partido cada vez mais depende de um só homem

Se houve banda sonora constante neste fim de semana de congresso foi a do "venturismo". Entre entradas apoteóticas e espetáculos de fogo de artifício, o culto ao líder do Chega esteve mais presente que nunca. No discurso final, Ventura gritou, esbracejou e até se ajoelhou. Citou um delegado que proferiu "Deus, Pátria, Família" e acrescentou "Trabalho" ao lema do Estado Novo de que se apropriou. 

Ventura proclamou-se herdeiro da Aliança Democrática e de Sá Carneiro e ainda prometeu ir atrás dos responsáveis pelo "pseudo-acidente em que ninguém acredita", que vitimou o antigo primeiro-ministro em 1980.

Acho que Sá Carneiro estaria orgulhoso. Provavelmente pagou com a vida por nunca se ter vendido ao socialismo e à extrema-esquerda. Não descansarei enquanto não responsabilizar quem assassinou Sá Carneiro"

Independentemente do que o líder do Chega dizia, a reação dos congressistas foi sempre parar à mesma quadra:

"Pouco importa, pouco importa

Se eles falam bem ou mal

Queremos o André Ventura 

A mandar em Portugal"

Foram muitas músicas num congresso produzido para parecer triunfal. Quase no final, voltaram os Queen, mas já não era Radio Gaga que soava. Era Bohemian Rhapsody: "É isto vida real ou é isto fantasia?" 

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