O líder da Igreja Ortodoxa Russa poderá ser um dos próximos alvos das sanções da União Europeia, pela sua proximidade ao Kremlin, mas sobretudo ao seu presidente
O líder da Igreja Ortodoxa Russa poderá ser um dos próximos alvos das sanções da União Europeia, pela sua proximidade ao Kremlin, mas sobretudo ao seu presidente. Mas quem é Cirilo I, o aliado de Vladimir Putin contra as "forças do mal"?
Nasceu Vladimir Mikhailovich Gundyayev, em novembro de 1946, em Leningrado, atual São Petersburgo, e desde 1 de fevereiro de 2009 que é Cirilo I - Patriarca de Moscovo -, a figura maior da Igreja Ortodoxa e peça central da política russa nas últimas décadas, sendo um dos pilares de Vladimir Putin e um dos defensores da “operação militar especial” na Ucrânia.
Apologista dos valores religiosos conservadores, já foi acusado de ser ex-informador do KGB - os serviços secretos soviéticos. É um dos poderosos do círculo restrito de Putin e tem sido fulcral no reforço do autoritarismo do Kremlin desde que ascendeu ao mais alto cargo religioso na Rússia.
Desde os primeiros dias à frente dos ortodoxos russos que se tem mostrado como um denunciante de protestos e manifestantes, bem como um defensor inabalável de Vladimir Putin. Em 2012, descreveu-o mesmo como um “milagre de Deus”.
Tanto Cirilo I como Putin, e várias outras figuras proeminentes da oligarquia russa, são naturais da antiga capital imperial do país, São Petersburgo. Tal como o pai, Mikhail, e o avô acabou por optar por uma carreira religiosa, mas, ao contrário do avô - que acabou exilado durante 30 anos nos campos de trabalho forçado - Vladimir Gundyayev subiu rapidamente na hierarquia da igreja russa, tendo acabado por se tornar chefe de relações externas, conquistando mesmo o seu próprio programa de televisão, focado na doutrina religiosa.
Na televisão russa teve a audácia de propor um plano ambicioso de reforma da igreja, que estava estagnada desde o período de ateísmo soviético. O objetivo sempre foi só um: expandir a presença da religião em instituições estatais como escolas e exércitos. Enquanto patriarca, acabou por torná-lo realidade, sempre muito próximo de Putin.
Assegurou a consolidação dos valores ortodoxos na última revisão constitucional, aprovada em 2020, introduzindo diversos princípios conservadores defendidos igualmente por Vladimir Putin, como a fé em Deus, o casamento reservado aos heterossexuais, o ensino patriótico e a imunidade vitalícia dos presidentes russos.
Nas últimas semanas, tem sido uma da maiores vozes públicas de apoio à "campanha militar" da Rússia na Ucrânia, pedindo a todos os fiéis que se unam no combate aos “inimigos externos e internos” de Moscovo. No sexto pacote de sanções da Comissão Europeia, é um dos nomes na lista de 58 personalidades a serem punidas.
#UPDATE European Commission proposes sanctioning the head of the Russian Orthodox Church, Patriarch Kirill, in the latest wave of economic measures against Russia that also includes a phased-in oil import ban, according to a document seen by @AFP pic.twitter.com/bY0piXNRsD
— AFP News Agency (@AFP) May 4, 2022
Em fevereiro, já com a guerra em curso, afirmou perante os fiéis que em curso estava uma luta contra as "forças do mal", que se opõem à "histórica unidade" entre Rússia e Ucrânia".
Recentemente, foi visado pelo Papa Francisco, que disse a Vladimir Gundyayev que os homens da igreja “não devem usar a linguagem política, mas a linguagem de Deus”.
Outra polémica a envolver Cirilo I foi quando, em outubro de 2015, concedeu uma bênção à intervenção russa em defesa do presidente sírio, Bashar al-Assad, operação que classificou como sendo uma “guerra santa” para proteger os cristãos. Disse, então, que a “Rússia tomou a decisão responsável de usar forças militares para proteger o povo sírio dos problemas causados pela tirania dos terroristas”, justificando que os bombardeamentos se tornaram necessários, porque "o processo político não levou a nenhuma melhoria percetível na vida de pessoas inocentes e estas precisavam de proteção militar".
Russian orthodox priest blesses a fighter jet on airfield of Belbek military airport outside #Sevastopol #AFP pic.twitter.com/QM2Y8pHb3X
— AFP Photo (@AFPphoto) November 26, 2014
Cirilo I tem vindo a utilizar a retórica em relação ao povo ucraniano, em tudo semelhante à posição de Vladimir Putin. Para o patriarca, este é um confronto que deve ser observado como um drama religioso e nacional, uma batalha existencial em que o bem (Rússia) se opõe ao mal (Ucrânia), um confronto entre a tradição, os valores, a unidade e as influências estrangeiras corruptoras presentes na fronteira da Rússia.
“Entrámos numa luta que não tem um significado físico, mas metafísico”, disse o patriarca num sermão em 6 de março.
Desde que Gundyayev assumiu o cargo de patriarca de Moscovo, a Igreja Ortodoxa Russa tem visado as minorias religiosas, como, em 2017, quando as Testemunhas de Jeová, que foram descritas como uma “seita totalitária” que queria “destruir o psicológico das pessoas e as famílias”, acabaram por ser banidas do país.