Utentes de Marvila voltam a manifestar-se esta sexta-feira: "Há uma degradação efetiva do SNS nos últimos anos"

29 set 2023, 14:01
Unidade de Saúde de Marvila (DR)

Em Marvila há 14 mil utentes sem médico de família, mas o problema é nacional. Os utentes do SNS prometem não ficar calados e manifestam também o seu apoio à luta dos médicos: "A não valorização dos profissionais de saúde está na raiz da falta de médicos"

"Pelo direito à saúde", os utentes do centro de saúde de Marvila, em Lisboa, vão voltar a fazer ouvir a sua voz esta sexta-feira: o cordão humano está marcado para as 18:30 com o objetivo de denunciar a existência de 14 mil utentes sem médico de família e de lutar por "mais e melhor Serviço Nacional de Saúde". 

A Comissão de Utentes de Marvila (CUM) foi criada em janeiro, coincindindo com a inauguração do novo edifício da unidade de saúde do bairro. "Já antes tinha havido movimentações dos utentes porque o antigo edifício era lamentável. Este novo edifício significa uma melhoria enorme, mas não chega", explica Sandra Canavezes. "Sentimos que é importante os utentes fazerem ouvir a sua voz e chamarem a atenção para os problemas, para que se tente resolvê-los. Muitas pessoas não acreditam que valha a pena lutar mas, se nunca fizermos nada, não saberemos. Temos ao menos de denunciar as situações." 

E na verdade já valeu a pena: quando foi inaugurada a nova unidade de saúde, os utentes sem médico de família tinham apenas um dia - o primeiro dia útil de cada mês - em que podiam marcar consultas. Nesse dia, as filas à porta do centro começavam ainda de madrugada. As pessoas ficavam ali de pé, à chuva e ao frio, durante horas. Graças aos protestos da CUM, esse sistema foi alterado em março e agora já é possível marcar consultas todos os dias. "Embora haja um número restrito de marcações por mês, já é melhor", explica Sandra Canavezes.

Outros problemas estão na mira da comissão de utentes - como os acessos pedonais ao centro de saúde, a falta de sinalização ou as condições da sala de espera - mas, neste momento, o principal problema da unidade de Marvila é a falta de médicos: mais de metade dos utentes, cerca de 14 mil, não tem médico de família.

"Há uma degradação efetiva do SNS nos últimos anos", afirma Sandra Canavezes, para quem o problema mais urgente é, sem dúvida, a falta de médicos: "Os médicos mais velhos estão a reformar-se e os mais novos não querem vir para o SNS. A não valorização dos profissionais de saúde está na raiz da falta de médicos, por isso, sem dúvida que apoiamos a luta dos médicos por melhores condições de trabalho. O SNS não pode sobreviver com o espírito de missão de alguns, é compreensível que os médicos trabalhem onde têm melhores condições."

Cecília Sales, porta-voz do Movimento de Utentes dos Serviços Públicos (MUSP), confirma que um dos maiores problemas enfrentado pelos utentes do SNS é o acesso aos cuidados de saúde primários: "Temos 1,7 milhões de utentes sem médico de família, dos quais 700 mil na região de Lisboa", sublinha. "No mesmo centro de saúde podemos ter tratamentos diferenciados. Os utentes sem médicos de família são aqueles que têm de ir de madrugada para a fila para conseguir uma consulta, o que é uma vergonha." A dificuldade no acesso aos cuidados de saúde primários, além das consequências na prevenção de doenças e no acompanhamento dos utentes, assim como na sua qualidade de vida, leva a que, depois, as pessoas recorram aos hospitais - contribuindo para o congestionamento dos serviços de urgência.

A falta de médicos, o envelhecimento da população (cada vez mais necessitada de cuidados), a situação caótica nos serviços de obstetrícia, a dificuldade na marcação de consultas e as listas de espera são as principais preocupações dos utentes, resume Cecília Sales. "Parece-nos que tem havido mais investimento mas há um problema grave de falta de pessoal e de desorganização. O SNS, que foi uma das grandes conquistas depois do 25 de Abril, tem vindo a degradar-se nos últimos anos, isso é inegável. Tem sido uma espiral, uma destruição progressiva do SNS", acusa. Resta saber se a recém-criada Direção-Executiva no SNS terá capacidade para resolver a situação: "Até agora ainda não mudou nada".

O MUSP tem-se manifestado várias vezes - só este ano já estiveram à porta do Ministério da Saúde no dia 1 de abril a protestar sobre a situação no Hospital Beatriz Ângelo, depois numa jornada de luta no centro de Lisboa a 20 de maio e, finalmente, no passado dia 16 de setembro. "Continuaremos a manifestar-nos porque acreditamos que temos de salvar o SNS", promete Cecília Sales.

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