Tyler esqueceu-se do filho no carro num dia de calor. Mas as mortes em carros fechados podem ser evitadas com esta nova tecnologia

CNN , Peter Valdes-Dapena
15 jul 2023, 22:00
Várias empresas estão a trabalhar numa tecnologia que utiliza ondas de rádio no interior de um veículo (estacionado) para detetar a presença de um ser vivo no interior

Estas mortes são tragédias horríveis que deixam atrás de si uma enorme dor, acrescida de sentimentos de culpa. Mas agora as novas tecnologias prometem pôr fim a pelo menos uma grande parte delas

Num dia quente de junho, no Luisiana, Estados Unidos, Tyler Cestia devia deixar o filho numa ama antes de seguir para o trabalho. O seu filho de dois anos, Thomas, pediu para ir no "lugar do menino grande", o assento para crianças em que o seu irmão mais velho costuma ir, e que fica mesmo atrás do assento do condutor. Depois de ter posto o cinto de segurança, era quase impossível vê-lo do lugar do condutor e ele não fazia barulho.

"Ele estava muito calado sempre que íamos de carro", disse Tyler Cestia. "Não me sai da cabeça que ele estava a dormir."

Cestia, gerente de uma empresa de soldadura, tinha uma grande auditoria financeira a decorrer nesse dia e tinha uma apresentação de segurança para fazer de manhã. Com Thomas silencioso e invisível, a paragem na ama passou-lhe despercebida. A temperatura exterior superou os 32 graus nesse dia. As temperaturas no interior da carrinha GMC Sierra de Cestia, estacionada, teriam sido bem superiores a  37 graus.

Thomas morreu preso no seu assento de segurança, o seu pequeno corpo foi simplesmente vencido pelo calor.

Uma tendência mortal

As mortes em carros quentes, como a de Thomas, ocorreram pelo menos oito vezes este ano, uma tendência mortal que voltou a surgir devido a ondas de calor em todo o país e à medida que os pais regressam aos seus locais de trabalho, de acordo com o grupo de segurança automóvel KidsandCars.org. No ano passado, o mesmo aconteceu a pelo menos 36 crianças pequenas.

As pessoas estão ocupadas, a vida pode ser confusa e mesmo os pais mais atentos e cuidadosos podem esquecer-se temporariamente de uma criança no banco de trás ou pensar que fizeram aquela paragem na creche quando, na verdade, não foram lá nesse dia.

Estas mortes são tragédias horríveis que deixam atrás de si uma enorme dor, acrescida de sentimentos de culpa. Mas agora as novas tecnologias prometem pôr fim a pelo menos uma grande parte delas.

Várias empresas, incluindo a Volvo, bem como os fornecedores de peças automóveis Hyundai MOBIS, parte do Grupo Hyundai, e a Continental, desenvolveram sistemas semelhantes a radares que funcionam no interior do veículo para detetar a presença de qualquer ser vivo, seja um animal de estimação ou uma pessoa. O sistema da Hyundai MOBIS já está a ser oferecido nos seus modelos no mercado nacional da Coreia do Sul e poderá chegar aos EUA no próximo ano, segundo a empresa.

A tecnologia de deteção de crianças da Continental baseia-se em frequências de rádio normalmente utilizadas para comunicar com um smartphone como parte de um sistema "telefone como chave", que utiliza sinais de rádio e sensores.

Esse sistema de sensores existente pode ser reaproveitado para detetar o sinal de rádio do próprio automóvel que reflete os objetos no seu interior, proporcionando uma visão tridimensional detalhada do interior do automóvel, explica David Muscat, engenheiro-chefe da Continental. Se um destes objetos estiver a mover-se, mesmo que ligeiramente, isso indica que há algo vivo no interior do carro estacionado.

A Volvo afirma que o seu sistema, que estará disponível no próximo ano em alguns veículos eléctricos Volvo e Polestar, consegue detetar um ser vivo mesmo na área de carga. Estes sistemas, incluindo o da Continental e os outros, são tão refinados que conseguem detetar até o pequeno movimento de uma criança a respirar debaixo de um cobertor.

"Podemos utilizar isto também para, pelo menos, ter uma ideia da idade, porque os bebés respiram mais depressa do que os adultos", observa Muscat.

Tecnologia existente

Atualmente, muitos veículos já têm um sistema de "lembrete do banco traseiro" para ajudar a reduzir as hipóteses deste tipo de tragédia. Os avisadores do banco traseiro funcionam com base numa lógica simples. Se a porta traseira do veículo for aberta e fechada antes de o condutor entrar e ligar o veículo, então, quando o veículo for desligado, soa um sinal sonoro e aparece um aviso a lembrar o condutor de verificar o banco traseiro.

A carrinha de Tyler Cestia tinha um aviso para o banco traseiro, mas, segundo ele, não deu conta de nada quando chegou ao trabalho. A dada altura, terá baixado o volume do som de alerta, disse, algo que nem sequer sabia ser possível. Só à tarde é que Cestia se apercebeu de que não tinha visto a ama nesse dia. Nessa altura, já era demasiado tarde.

Thomas foi uma de pelo menos quatro crianças que morreram depois de terem sido deixadas em veículos, apesar de um alerta de aviso no banco traseiro, diz Rollins.

Os detetores diretos no automóvel, que proporcionam uma maior certeza de que há realmente alguém no veículo, poderiam dar início a medidas mais urgentes do que um simples aviso no ecrã do indicador, defende Rollins. Poderiam tocar a buzina, contactar os serviços de emergência, baixar as janelas ou ligar o ar condicionado, mesmo que nenhum dos pais estivesse por perto.

Cerca de uma em cada quatro crianças que morrem num carro quente entrou no veículo por conta própria. Além disso, numa percentagem menor de casos, uma criança é deixada num carro de propósito, muitas vezes sem intenção de causar danos, mas porque os pais esperam estar longe do veículo por pouco tempo. (Esta é apenas uma das razões pelas quais deixar uma criança sozinha num carro não é uma boa ideia durante qualquer período de tempo). Os sistemas de deteção direta de presença também podem ajudar nestes casos, emitindo alertas sonoros no exterior do automóvel, como uma buzina, e até contactando os serviços de emergência se não houver uma resposta imediata.

Rollins recomenda outro dispositivo para ajudar a evitar que estes incidentes aconteçam: um ursinho de peluche. Um boneco que se coloca na cadeirinha quando esta está vazia pode ser deslocado para o banco da frente sempre que a cadeira da criança estiver a ser utilizada. Sentado à frente, o peluche serve para lembrar que ainda há uma criança no banco de trás. Também aconselha pôr música infantil a tocar no carro sempre que o seu filho está no banco de trás.

Duas semanas depois da morte do filho, Cestia soube que ele e a mulher iam ter outro filho. Atualmente, deixa a filha na mesma ama. Comprou para a filha uma cadeirinha com um sensor de calor na fivela que o avisa se ela estiver afivelada e estiver a ficar demasiado quente. E também ouve o lembrete do banco traseiro e verifica habitualmente o banco traseiro.

"Pode acontecer a qualquer um. Não é preciso muito", alerta. "É muito rápido."

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