Lula da Silva, Bolsonaro ou uma "terceira via"? Brasil prepara eleições presidenciais com a difícil tarefa de tentar unir um país "dividido ao meio"

14 mai 2022, 18:00
O antigo presidente Lula da Silva (à esq.) e o atual chefe de Estado, Jair Bolsonaro (à dir.) (EVARISTO SA/AFP via Getty Images)

De acordo com o politólogo José Filipe Pinto, o próximo presidente do Brasil irá confrontar-se com o mesmo desafio que se coloca agora a Macron: tentar reunir um país que está dividido ao meio.Seis perguntas e respostas sobre as eleições no país

O Brasil vai decidir, no dia 2 de outubro, quem será o seu próximo presidente, depois de um mandato de Jair Bolsonaro que ficou marcado por várias polémicas e críticas, nomeadamente em relação à gestão da pandemia de covid-19 no país.

O principal adversário de Bolsonaro nesta corrida às presidenciais será Lula da Silva, o ex-presidente do país, que tem vindo a consolidar a sua vantagem sobre os restantes pré-candidatos nas intenções de voto.

A CNN Portugal criou um guia para que perceba o que está em causa nestas eleições.

Como é eleito o Presidente do Brasil? 

O sistema eleitoral utilizado nas eleições presidenciais do Brasil é o sistema maioritário, à semelhança do que acontece nas presidenciais portuguesas. Neste sistema, ganha o candidato que obtiver mais de 50% dos votos nas eleições.

Caso contrário, ocorre uma segunda volta entre os dois candidatos mais votados na primeira volta, tal como aconteceu recentemente nas presidenciais da França, que terminaram com a vitória de Emmanuel Macron numa segunda volta contra Marine Le Pen.

Quais são os candidatos à presidência?

Para já, ainda não se pode falar em candidatos às eleições presidenciais do Brasil, mas sim em pré-candidatos, uma vez que a lista definitiva de candidatos só será definida nas convenções partidárias que vão ocorrer entre 20 de julho e 5 de agosto deste ano. 

Assim, o Brasil conta já com 10 pré-candidatos, mas, como explica o politólogo José Filipe Pinto, “alguns destes pré-candidatos podem vir a desistir” da corrida presidencial até agosto. “Antes da abertura da campanha, estes partidos lançam um candidato para perceber qual o apoio de que ele beneficia, para lançar as principais bandeiras do partido e tentar perceber a recetividade do eleitorado à sua mensagem”, afirma o especialista à CNN Portugal.

O atual presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, do Partido Liberal (PL), pré-candidatou-se a um segundo mandato, quatro anos depois de ter sido eleito em 2018 com 55% dos votos. O mandato de Jair Bolsonaro foi bastante controverso, ficando marcado, entre outras coisas, pela gestão da covid-19 no país.

O ex-presidente brasileiro Lula da Silva também está entre os pré-candidatos às eleições presidenciais, quatro anos depois de ter sido preso no âmbito da Operação Lava Jato, uma investigação criminal que descobriu casos de corrupção na petrolífera Petrobras e noutros órgãos públicos do país. Lula esteve preso durante 580 dias, acabando por sair em liberdade em 2019, depois do Supremo Tribunal Federal brasileiro ter anulado a possibilidade de prisão. Em 2021, o mesmo tribunal anulou a condenação de Lula, decidindo que o juiz Sérgio Moro não tinha jurisdição para investigar e julgar esses casos.

Lula da Silva, que foi presidente do Brasil entre 2003 e 2011, tem vindo a conquistar várias batalhas jurídicas no âmbito desta operação, ao ponto de ver restituídos os seus direitos políticos que lhe permitiram esta candidatura a um terceiro mandato. O ex-presidente conta com o apoio de quase todas as forças progressistas, que estão em processo de construção de uma ampla aliança para enfrentar os partidos de direita e extrema-direita, e que inclui, além do PT, o Partido Socialista Brasileiro (PSB), o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), o Partido Verde, Solidariedade e a Rede.

Entre os restantes pré-candidatos, contam-se João Dória, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), Ciro Gomes, do Partido Democrático Trabalhista (PDT), Simone Tebet, do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), Vera Lúcia, do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), Luis Filipe D’Ávila (Novo), Leonardo Péricles, do Unidade Popular (UP), e José Maria Eymael, do Democracia Cristã (DC).

O que dizem as sondagens?

Desde o início do ano que as sondagens dão vantagem ao pré-candidato Lula da Silva, que tem mantido uma distância confortável em relação aos adversários, sempre reunindo cerca de 40% de intenções de voto. Contudo, tal significa que não tem apoio suficiente para vencer à primeira volta. 

A sondagem mais recente do Instituto Ipespe, disponibilizada à CNN Brasil no passado dia 6, confirma a vantagem de Lula da Silva nestas eleições, com 44% das intenções de voto, enquanto Bolsonaro contabiliza 31%. Ciro Gomes (PDT), surge em terceiro lugar nesta sondagem, com 8% das intenções de voto, seguindo-se João Dória (PSDB), com 3%, André Janones (Avante), com 2%, e por fim Felipe d’Avila (Novo) e Simone Tebet (MDB), ambos com 1%.

Será necessário uma segunda volta?

De acordo com José Filipe Pinto, especialista em Ciência Política, é necessário esperar que os pré-candidatos formalizem a sua candidatura às presidenciais, pois só aí será possível perceber quão provável será uma segunda volta nestas eleições: “Neste momento, dificilmente se pensará na eleição à primeira volta. Acredito perfeitamente que pelo menos cinco ou seis candidaturas irão até ao fim. Vamos ter de esperar mais para ver principalmente se Sergio Moro se lança na corrida, porque, neste momento, se tivermos Ciro Gomes, Simone Tebes, João Dória, e Sergio Moro, já são quatro candidatos entre Lula da Silva e Bolsonaro. E a partir daí dificilmente não haverá uma segunda volta”, explica.

O problema da terceira via e do “eterno futuro adiado” do Brasil

A chamada terceira via é vista (sobretudo na diáspora) como “a única forma de superar a dicotomia no país” entre o que o politólogo José Filipe Pinto classifica como “dois populismos diferentes”, referindo-se a Jair Bolsonaro e Lula da Silva. Esta terceira via, prossegue o especialista, prevê uma representação do “brasileiro médio, do cidadão que está preocupado com o Estado social, mas que simultaneamente está preocupado com o seu nível de vida e com o facto de o Brasil continuar a ser o país do eterno futuro adiado, apesar de ter recursos muito abundantes”.

O problema, de acordo com José Filipe Pinto, é saber quem tem capacidade, neste momento, para se apresentar como terceira via, isto é, como uma “figura de consenso”.

Há três pré-candidatos que poderão tentar assumir-se como o candidato da terceira via, na perspetiva do politólogo, nomeadamente Ciro Gomes (PDT), Simone Tebes (MDB) e o ex-ministro da Justiça do governo de Bolsonaro, Sergio Moro, que em março anunciou a sua filiação ao União Brasil. Moro foi o juiz que liderou a Operação Lava Jato. Recentemente, o Comité dos Direitos Humanos da ONU concluiu que Moro foi parcial no julgamento do ex-presidente Lula da Silva.

Destes três potenciais candidatos a terceira via, José Filipe Pinto destaca Sergio Moro, cujo envolvimento nesta corrida às presidenciais ainda permanece uma incógnita: “Neste momento ainda não sabemos se [Sergio] Moro desistiu ou não da pré-candidatura”, diz.

De acordo com a CNN Brasil, desde fevereiro passado que os partidos MDB e PSDB tentam negociar uma possível aliança que permita quebrar a polarização entre Lula da Silva e Jair Bolsonaro. Inicialmente, o partido União Brasil também integrava estas negociações, mas, no passado dia 4 de maio, anunciou a sua retirada do grupo.

A falta de consenso entre os partidos sobre os critérios para definir uma candidatura única, os resultados relativamente baixos nas sondagens e o desejo manifestado pelo União Brasil de apresentar uma candidatura própria terão contribuído para este desfecho. Agora, o grupo tem apenas dois pré-candidatos, nomeadamente Simone Tebet (MDB) e João Dória (PSDB). O nome do candidato único a concorrer pela aliança deverá ser divulgado no próximo dia 18, mas ainda não há um consenso entre os partidos.

Qual o principal desafio do próximo presidente do Brasil?

Segundo José Filipe Pinto, o próximo presidente do Brasil irá confrontar-se com “o mesmo desafio que se coloca agora a Macron: tentar reunir um país que está dividido ao meio”. Mas, para o especialista, esta é “uma missão impossível”, uma vez que “a união do Brasil só será possível através da terceira via”. “Entre estes dois populismos [de Bolsonaro e Lula da Silva] não há hipótese de aproximação nem de negociação ou conciliação”, argumenta.

“[Com] os problemas graves que o Brasil enfrenta, nomeadamente desde a saúde, a educação, o emprego, etc., as políticas que forem tomadas para os resolver serão sempre no sentido daquilo que é a ideologia dominante do candidato. Isto quer dizer que vamos ter medidas mais liberais se Bolsonaro continuar no poder, e vamos ter medidas do foro social, de um Estado mais interventivo, mais virado para medidas de esquerda, se for Lula da Silva a vencer”, explica.

Ainda assim, “quem for eleito causará desagrado e verá todas as medidas que tomar serem contestadas pela outra parte do país”, concluiu o politólogo, salientando assim a fragmentação política em que o país se encontra.

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