A transferência de Nuno Gomes passo a passo

16 jul 2000, 14:49

Certezas prematuras, baralhação e alívio final A história começou sábado à tarde, perto do cinema da avenida, e só terminou pela hora de almoço de domingo. No caminho percorrido entre a alegria de Vale e Azevedo pelo encaixe financeiro e o entendimento da Fiorentina com o internacional português ficaram muitas dúvidas e hesitações. Mas tudo acabou bem, com meio milhão de contos a multiplicar por cinco épocas.

A Fiorentina pensou inicialmente no dia de sexta-feira para se reunir com o Benfica. A «operação Leandro Amaral», contudo, levou os responsáveis italianos a adiar por um dia o «ataque» a Nuno Gomes. 

Foi assim que às 13 horas de ontem (sábado) tudo começou. No escritório de Vale e Azevedo, presidente da SAD encarnada, sentaram-se à mesa o próprio Vale, o director financeiro benfiquista António Leitão, um elemento da empresa Cantera, que representa Nuno Gomes nalgumas áreas (João Paulo Fonseca), e três homens ligados à Fiorentina: Giancarlo Antognoni, director geral, e os empresários Claudio Pasqoli e Andrea D¿Amico, sócios um do outro. 

As primeiras duas horas do «round» não foram suficientes para concluir umas conversações durante as quais o presidente do Benfica, João Vale e Azevedo, se revelou uma vez mais como um homem duro a negociar. 

Vale teve entretanto que marcar presença num baptizado e novo encontro ficou aprazado para as nove da noite, no mesmo local. Quando as partes voltaram a juntar-se, já Luciano Luna, administrador delegado da sociedade desportiva da Fiorentina, tivera tempo de viajar do Porto para Lisboa com o primeiro troféu do fim-de-semana garantido à custa do F. C. Porto. Leandro já estava, faltava Nuno Gomes para completar os afazeres que haviam trazido os italianos a Portugal. 

Certezas... 

Sensivelmente à hora do recomeço da reunião, o médio «viola» Rui Costa dava conta ao Maisfutebol do gosto que faria em ter Nuno Gomes por companheiro. Cumprindo o seu papel na história, Rui Costa garantiu de nada saber. Foi a melhor forma de proteger o amigo e afastar-se da confusão que estava para vir. Nuno Gomes, no entanto, confidenciaria na hora do desafogo que manteve contacto quase permanente com o novo colega de equipa. 

De volta ao teatro de operações: por volta da meia-noite de sábado, os italianos e Vale e Azevedo saem do escritório da Avenida da Liberdade. Os primeiros mais comedidos, o segundo visivelmente satisfeito com aquilo que considerou ser «um grande negócio para o Benfica». 

À parte as dúvidas que se levantaram entre os quatro milhões anunciados pelo presidente do Benfica como valor pago pela Fiorentina e os 3,2 milhões de contos da cláusula de rescisão que de Itália garantiam ter sido a despesa «viola», o caso parecia resolvido. 

A transferência de Nuno Gomes para Florença encheu então os noticiários das rádios e fez as manchetes dos jornais que haveriam de sair para a rua escassas horas depois. 

A procissão, afinal, vai no adro 

Despachado o assunto entre clubes, chegou a vez de o jogador entrar em cena. Esfomeados, os italianos dirigiram-se ao restaurante Gambrinus. Nuno Gomes, que já jantara, juntou-se-lhes pouco depois. 

Em quase duas horas de conversa entre todos começou a cavar-se um fosso antes inimaginável para os representantes da Fiorentina. 

A hora de fecho do Gambrinus chegou sem que as horas de negociações entre Fiorentina e Nuno Gomes, a respeito do salário do internacional português, tivessem sido suficientes. 

O Hotel Tivoli, quartel-general dos italianos, foi o ponto da paragem seguinte. Com uma discussão que, soube o Maisfutebol, chegou a atingir pontos críticos que poderiam ter comprometido a transferência, a noitada dos contendores terminou perto das quatro da madrugada. Sem acordo, com 200 mil contos/ano a separarem as partes. 

Nuno Gomes, que interrompera de emergência umas férias no Algarve, dirigiu-se então à sua casa na zona de Cascais. Para dormir muito pouco, já que horas depois teria que se apresentar de novo no hotel lisboeta. 

Equipa formada 

Às sete e meia da manhã, Giancarlo Antognoni apanhou um táxi e rumou ao Aeroporto da Portela para entrar num avião que o levou de volta a Itália. 

O empresário Claudio Pasqoli surgiu cedo no hall do hotel e não demorou a telefonar para o representante e amigo de Nuno Gomes que acompanhou a par e passo as negociações. Os italianos estavam empenhados em regressar a casa com a garantia da contratação do internacional português e não queriam perder muito tempo. 

Pasqoli, pouco dado a grandes revelações, disse apenas que a posição do jogador «era compreensível» no plano da defesa dos seus interesses. Luciano Luna, o administrador que deixou claro através de recados e de má cara que não morre de amores por jornalistas, passou a ser o elemento decisor e também não demorou a juntar-se ao empresário no «lobbie» do Tivoli, tal como D¿Amico, o sócio de Pasqoli.  

Por esta altura estava também presente um amigo dos italianos, de nome Paolo Crosara, que conhece bem Portugal por se deslocar muitas vezes ao nosso país. 

É agora ou nunca 

Cerca das dez e meia da manhã Nuno Gomes entrou no hotel acompanhado por João Paulo Fonseca. De ar carregado, visivelmente cansado e limitando as palavras a um «bom-dia» aos jornalistas do Maisfutebol e do diário «A Bola» que desesperavam por novidades. 

A espera tornava-se mais que longa, mas havia finalmente a certeza de que algo de conclusivo teria que sair deste novo encontro entre as partes. É que se Antognoni já tinha partido, Pasqoli tinha voo marcado para pouco depois e os restantes italianos teriam que deixar Portugal ao meio-dia e meia. 

Às onze horas, já sem Pasqoli no filme e com a representação FIFA entregue a D¿Amico, Nuno dirigiu-se à porta do hotel. Seria desta? Não... 

O avançado abriu a porta da carrinha, tirou uma carteira com documentos e voltou a entrar, direito ao canto do «lobbie» onde conversava com os representantes «viola». 

O «até já» deixado pelo dianteiro, agora com sorriso, indiciava no entanto que o desfecho feliz estaria para breve. Além do mais, para que serviriam documentos numa negociação fracassada? 

Um quarto de hora mais tarde tudo se foi tornando claro. João Paulo Fonseca, o amigo e conselheiro de Nuno Gomes, passou a medear a comunicação com os jornalistas. Ficou a saber-se que seriam permitidas fotos dos abraços, dos apertos de mão e da assinatura oficiosa do contrato. 

Nuno Gomes prestaria declarações dentro do hotel e Luciano Luna, claro, mandou dizer que não estava para ninguém, embora não dispensasse o aparecimento no «boneco». 

O alívio (epílogo) 

Às 11.35 da manhã de domingo acendeu-se a luz verde. Nuno Gomes, empresário, representantes e dirigente trocaram abraços de sincero alívio. Luciano Luna, mantendo a esfinge mal-disposta, soprava como quem acaba de se livrar de um trabalho árduo. 

Últimas considerações e mais fotografias encerraram a estadia dos italianos em Portugal. 

Na próxima semana a Fiorentina far-se-á representar de novo em Lisboa para a assinatura formal do contrato que ligará Nuno Gomes ao clube nas próximas cinco épocas. 

O avançado parte hoje mesmo para o Algarve, onde a família o espera. Aliás, a mulher de Nuno Gomes foi parte activa no desenrolar do caso, apesar da distância física. 

Mais tarde, quando Nuno já falava mais calmo e de barriga aconchegada por um pequeno-almoço bem tardio, a entrevista foi interrompida por um telefonema de Isméria. Bem recebido, claro. Há prioridades e prioridades.  

A ex-estrela maior do universo benfiquista tenciona ficar por terras algarvias até ao final da férias-extra que lhe foram concedidas por força da participação no Europeu que lhe abriu as portas do grande futebol. 

No dia 5 de Agosto Nuno Gomes estará em Florença ao lado de Rui Costa para dar o pontapé de saída na nova aventura. Custou mas foi.

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