Medo de falhar, exigência de um bom desempenho, o ritmo acelerado da vida e a pressão diária estão a contribuir para os ataques de pânico. Em Portugal cerca de 3,5% da população sofre deste problema
A pandemia foi o sinal de alerta: nessa altura intensificaram-se as idas às consultas procurar ajuda para problemas de ansiedade e a partir daí o tema da saúde mental tem assumido cada vez mais destaque. "Tivemos um grande acréscimo na procura por consultas online”, garante Miguel Ricou, psicólogo e presidente do Conselho da Especialidade de Psicologia Clínica e da Saúde da Ordem dos Psicólogos Portugueses. E um dos grandes protagonistas têm sido os ataques de pânico.
“É uma sensação iminente de morte e de descontrolo total e absoluto”. Para o psicólogo Miguel Ricou, esta é a melhor forma de descrever esses episódios.que começam quando o coração bate muito forte e vai aumentando o ciclo de ansiedade até atingir o pico. Os ataques de pânico parecem ter aumentado nos últimos anos e são muitos os fatores que estão a contribuir para esse cenário, desde a pandemia, aos diagnósticos mais certeiros, ao medo de falhar e até à genética. Mas não só.
“Por um lado, apenas recentemente começámos a abordar mais estes temas e a diagnosticar estes casos. Uma maior procura por ajuda, em termos de perturbações emocionais, possibilitaram mais diagnósticos”, destaca o psicólogo.
O mesmo confirma a psiquiatra Maria Moreno: “Penso que a maior disponibilidade de informação sobre saúde mental pode ser também um dos culpados. O aumento da noção que isto é um problema, também leva mais pessoas a procurar ajuda”, realça a especialista, afirmando que "a ansiedade é um consorte da sociedade moderna". Mas, para além disso, existem outros fatores mais problemáticos.
O próprio ambiente onde estamos envolvidos faz emergir sentimentos de medo que desenvolvem as crises ansiosas. “Vivemos numa sociedade cada vez mais exigente em relação ao desempenho e à produtividade e isso causa um medo nas pessoas em falhar”, frisa o psicólogo Miguel Ricou, sublinhando que o constante clima de stress e tensão para fazer mais e melhor, são elementos que afetam profundamente a saúde mental e desencadeiam, assim, os ataques de pânico. Além disso, a médica psiquiatra Maria Moreno acrescenta a “necessidade de compatibilizar o trabalho e a vida familiar, muitas vezes com pouco ou nenhum apoio, e as preocupações financeiras”.
As sequelas da pandemia
A própria pandemia deixou sequelas irreversíveis e fez surgir cada vez mais casos problemáticos de ataques de pânico. “A covid-diária 19 duplicou a procura por ajuda", revela Miguel Ricou, afirmando que as pessoas foram obrigadas a lidar com aspetos como o isolamento e as quebras de rotina. “No início sentiam-se mais protegidas nas suas casas, mas depois, com o desconfinamento, surgiram as dificuldades em estabelecer novamente contactos e atividades sociais”, salienta o especialista. Ou seja, o medo de sair de casa e enfrentar a realidade do dia a dia pode ser um aspeto muito complicado para algumas pessoas.
A médica psiquiatra na Fisiogaspar, Maria Moreno, confessa que nas suas consultas muitas vezes ouve: “Não doutora, a covid-19 não me fez mal, até me soube bem ficar em casa”. O problema foi quando depois já não conseguiam mesmo sair. “Todos os problemas de ansiedade que já existiam antes da pandemia, agravaram”, reforça.
De acordo com a psiquiatra Maria Moreno, em Portugal cerca de 3,5% da população tem ataques de pânico. Isso significa que aproximadamente 350 mil portugueses sofrem deste problema. Nos últimos cinco anos, estima-se que o número de pessoas que sofrem de ataques de pânico tenha aumentado cerca de 30%.
“Existe uma tendência mais descrita para os jovens em experienciar perturbações de ansiedade, pois sofrem com o excesso e a necessidade de desempenho elevado”, disse o psicólogo Miguel Ricou, realçando que a obrigação de cumprir com determinadas tarefas ou com os prazos estabelecidos de entrega de trabalhos, por exemplo, desencadeia mais perturbações de ansiedade. Além disso, o profissional acrescenta que a saúde mental dos idosos também foi das mais afetadas na sequência da pandemia, porque ficaram mais sozinhos.
Genética e ambiente
“A resposta para as doenças psiquiátricas parece estar na dupla habitual: a genética e o ambiente andam sempre de mãos dadas”, frisa a psiquiatra Maria Moreno, explicando que filhos de pessoas com ansiedade têm maior probabilidade de futuramente desenvolver a doença. Além disso, juntam-se fatores de stress precoces, por exemplo uma infância menos boa ou uma determinada educação que podem contribuir para formas de pensar que nos tornam mais suscetíveis a esta ou outra doença mental, e ainda fatores de stress atuais, como um aumento de carga no trabalho. "Todos estes fatores podem provocar um desequilíbrio no nosso cérebro e gerar ansiedade e ataques de pânico", argumenta a psiquiatra.
De acordo com Miguel Ricou, é importante saber identificar com antecedência o que está a acontecer e o que está a sentir para não se assustar ainda mais. “É o medo de ter medo. O que alimenta o processo é o medo que eu tenho do que estou a sentir. É um ciclo vicioso que atinge o ataque de pânico”, alerta.
As perturbações de ansiedade, notam os especialistas, têm um grande impacto na qualidade de vida de um indivíduo, sendo por isso necessário tratá-las adequadamente com psicólogos e psiquiatras.