Rivaldo, o tempo suspenso nesta bicicleta

18 mar 2014, 10:05
Rivaldo: a bicicleta ao Valência

Anatomia de uma foto, a carreira num momento

17 junho 2001, última jornada da Liga espanhola. O Barcelona-Valência valia o último lugar na Liga dos Campeões e fechava a medíocre temporada culé que tinha começado com a saída de Luís Figo para Madrid e uma mudança de presidente, tempos agitados no Camp Nou. Ao Valência bastava um empate para assegurar o quarto lugar. A um minuto do fim estava 2-2, os dois do Barça tinham sido de Rivaldo, um livre aos quatro minutos e um tiro de longe em cima do intervalo. Naquele momento recebeu no peito um passe de Frank de Boer, fora da área, e ganhou impulso para um pontapé de bicicleta perfeito.

O tempo parou com Rivaldo no ar

 
O relógio voltou a andar no momento em que o pé esquerdo dele fez entrar a bola ao ângulo da baliza. O Camp Nou explodiu de alegria e desaguou no relvado no dia em que Rivaldo vestiu a capa de super-herói e fez o que só os guiões de filmes épicos imaginam.



Foi puro génio condensado naquele movimento. E foi Rivaldo unânime, como poucas vezes numa carreira em que o brasileiro conseguiu muito, mas nunca a admiração incondicional dos adeptos.

Hoje Rivaldo tem 41 anos e ainda estava inscrito como jogador no Mogi Mirim Esporte Clube, onde tudo começou há 22 anos e onde é agora presidente. No sábado de manhã juntou jogadores, técnicos e funcionários no balneário e disse-lhes que tinha decidido parar de vez. Ao mundo disse-o através de uma rede social. Era o ponto final formal, na verdade a carreira de Rivaldo foi acabando aos poucos nos últimos anos, mas a discrição com que arrumou o assunto assenta bem à história dele.

Detendo-nos mais um pouco em Camp Nou. A bicicleta suspende o tempo, quando a bola entra ele volta a correr e o cenário é de apoteose. Invasão de campo, adeptos em cima das balizas, ambiente de loucura.



No meio disto, Rivaldo. Passado o êxtase, de volta à terra, viu-se rodeado por adeptos e o seu rosto volta a mostrar a sua outra face. Entre a incredulidade e o susto, pouco à vontade no meio daquela euforia.



Era a quarta temporada de Rivaldo em Barcelona. Tinha chegado em 1997, ao fim de um ano no D. Corunha e com a missão ingrata de suceder a Ronaldo, depois da estrondosa época solitária do Fenómeno em Camp Nou. Foi campeão em 1998 e em 1999, no ano em que também ganhou a Copa América e acabou eleito melhor do mundo, juntando a Bola de Ouro e o FIFA World Player.

Foi como jogador do Barcelona que esteve em dois Mundiais, finalista em 1998 e campeão do mundo em 2002. Marcou cinco golos e foi crucial na conquista do penta do Brasil.

No Barcelona jogou 253 jogos ao longo de cinco temporadas e marcou 136 golos. Teve grandes momentos, não foi só aquele dia com o Valência. Também houve, por exemplo, um hat-trick ao Milan para a Liga dos Campeões, uma noite épica numa reviravolta frente ao Chelsea, 5-1 no Camp Nou depois de uma derrota por 1-3 em Londres. E teve maus momentos.

Foi uma constante da carreira de Rivaldo, as críticas dos adeptos e da imprensa: que não se esforçava o suficiente, que era irregular. Nos clubes como na seleção do Brasil. No Barça, protagonizou uma guerra progressivamente menos surda com Van Gaal, treinador dos catalães desde que Rivaldo chegou até 2000, que acusava o 10 precisamente disso, de falta de compromisso com o clube.

Rivaldo foi o pretexto para esta explosão histórica do holandês na sala de imprensa, quando um jornalista lhe perguntou pelo brasileiro.



Van Gaal também disse coisas como esta: «Gostava mais de Rivaldo antes da Bola de Ouro.» No meio disto, ninguém se espantou muito quando no verão de 2002, com o holandês de regresso ao Barça, para diretor técnico, Rivaldo saiu, rescindindo o contrato um ano antes do termo. Livre, assinou pelo Milan e ainda seria campeão europeu pelos italianos na época seguinte.

Despediu-se do futebol de alto nível europeu na Grécia, ainda foi duas vezes campeão pelo Olympiakos. Seguiram-se as opções exóticas pelo Bunyodkor, no Uzbequistão, com Scolari, ou Angola, depois o regresso ao Brasil.

Rivaldo teve sempre dificuldades em lidar com o estrelato. Ele próprio chegou a dizer que acusou a pressão de ter sido eleito melhor do mundo em 1999. «Ganhar a Bola de Ouro complica-nos a vida», disse, falando da necessidade constante de «demonstrar que merecia o prémio e era o melhor, a cada partida».

Rivaldo não tinha o carisma de outros grandes do seu tempo, não tinha uma alegria contagiante a jogar, ele que não dissociava essa espécie de tristeza que se lhe colava de uma história de vida particularmente difícil: uma infância muito muito pobre, a morte do pai quando tinha 15 anos, a ascensão difícil de um menino que vinha de uma zona periférica no Brasil, ali perto do Recife. Mas tinha muito futebol.

Voltemos ao princípio. Fique com o tal Barcelona-Valência (a bicicleta a partir dos 6m30s).


E já agora com uma seleção dos melhores momentos da carreira dele

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