Pressão para fixar taxas do crédito à habitação surge sempre que as Euribor sobem. Mas é provável que o ciclo de subidas esteja a terminar. Ainda compensa fixar uma taxa por um período longo ou é mais sensato apostar numa taxa variável? Existe um meio termo
É quase consensual entre os especialistas: 2024 ainda não será o ano de alívio nas taxas Euribor, razão pela qual não se justifica alimentar expectativas de descidas na prestação a pagar ao banco pelo crédito à habitação.
Espera-se, sim, alguma estabilização, o fim da escalada constante de subidas, mesmo que o Banco Central Europeu tenha decidido, na semana passada, elevar as taxas de juro na zona euro para níveis históricos: pela primeira vez, após a décima subida, a instituição dirigida por Christine Lagarde abriu a porta ao final deste ciclo de incrementos, admitindo que os níveis atingidos darão um "contributo substancial para o retorno atempado da inflação ao objetivo".
No imediato, as prestações a pagar ao banco vão continuar a subir - as políticas do BCE para as taxas de juro já levaram a aumentos de 80% no valor mensal - e quem quer comprar casa a crédito tem de tomar decisões, nomeadamente a sobre a taxa de juro a contratar: variável, aquela que reflete as alterações da Euribor, fixa, que se mantém igual durante o prazo do empréstimo, ou mista, que permite ao cliente do banco ter uma taxa fixa durante um período inicial, definido pela instituição bancária, e posteriormente uma taxa variável.
Em condições de mercado ditas normais, a taxa fixa tem um custo mais elevado do que uma taxa variável; é o preço a pagar por ter a segurança de saber sempre o valor que será debitado na conta relativo ao crédito à habitação.
Mas, de acordo com os dados mais recentes do Banco de Portugal, nos meses de junho e julho quem contratou um crédito à habitação com taxa variável pagou mais do que os clientes dos bancos que optaram pela taxa fixa: em julho, por exemplo, a taxa de juro fixa ficou, em valores médios, em 4,04%, quando a taxa de juro variável subiu aos 4,49%.
Perante os dados, será que compensa optar pela taxa fixa no momento de contratar um crédito à habitação? "Considerando a oferta que existe, fazer taxa fixa não compensa a longo prazo", diz Nuno Rico, economista e especialista em produtos bancários da Deco Proteste. "Tal como as taxas variáveis têm vindo a subir, as fixas acompanham essa tendência. Neste momento, estamos a falar de uma taxa fixa de, no mínimo, 4% para 30 anos, por exemplo. Seria fixar todo o custo do crédito a esse nível", explica.
E se, segundo Nuno Rico, alguns bancos ainda oferecem taxas fixas de longo prazo, a aposta da banca centra-se agora sobretudo nas taxas mistas, referidas acima, com a opção de fixar taxas durante um curto período de tempo - entre os três, quatro ou dez anos, por exemplo, de acordo com a pesquisa feita pela CNN Portugal nos sites dos principais bancos a oferecer crédito à habitação em Portugal. "Até pode ser uma boa solução para clientes com contratos revistos em valores muito elevados", acrescenta o especialista da Deco Proteste.
Nuno Rico defende ainda que apostar numa taxa fixa de curto prazo, que não exceda os três anos, por exemplo, pode trazer vantagens: "Teremos provavelmente uma correção em baixa das taxas de juro nos próximos anos", esclarece. "Há bancos com taxa fixa de dois anos a 3,5%. Considerando que a Euribor já ultrapassa os 4% e ainda acresce o spread, os consumidores podem poupar e até estabilizar o valor da prestação durante este período", acrescenta ainda, admitindo que os bancos estão a oferecer soluções competitivas de taxas mistas porque, "no atual nível das taxas de juro, têm margem financeira para isso".
A taxa mista pode ser um pequeno balão de oxigénio no início de um crédito, "principalmente se o valor proposto estiver em valores idênticos aos das taxas Euribor ou até abaixo", frisa Nuno Rico. "Pelo menos, evita que o encargo com o crédito à habitação continue a subir".
Taxa fixa a longo prazo traz "demasiada rigidez" ao crédito à habitação
Filipe Garcia, economista e presidente da IMF - Informação de Mercados Financeiros, também considera que a taxa mista pode ser importante para quem não prescinda de uma "prudência salutar", sobretudo porque os custos adicionais não parecem penalizar quem a ela recorre. Mas admite que as alternativas disponíveis ao dia de hoje, para contratar um crédito à habitação, "podem ser quase equivalentes", numa altura em que não se espera que as Euribor subam muito mais mas também não se antevê uma descida num futuro próximo. "Não se pode esperar o alívio das prestações em 2024, mas também não se espera o agravamento. As taxas mistas fazem sentido no contexto atual porque ainda há alguma incerteza e quem está agora a contratar crédito muitas vezes ajusta o valor da casa à prestação que pode pagar no início do crédito, quando o valor é mais alto", assinala o economista.
"Pode fazer sentido ter os primeiros anos fixos", acrescenta Filipe Garcia, mas há um pormenor que não pode ser esquecido por quem subscrever uma taxa fixa, mesmo no modelo misto: "Não pode ter a perspetiva de amortizar o crédito antecipadamente", assinala. "Quanto se antecipa o pagamento do crédito, na taxa fixa há penalizações. Na taxa variável, este ano não há e, quando há, é inferior", lembra. "Para quem suspeite que vá fazer uma amortização extraordinária nos próximos anos, eu não aconselharia a taxa mista", resume.
Para os outros, uma taxa mista pode significar um par de anos de estabilidade de prestações. "Se as coisas se forem alterar, seja para um lado ou para o outro, vai ter algum tempo para tomar decisões. Se as taxas baixarem, não vai perder muito dinheiro, porque elas não vão cair agora para 1% ou 2%. Se as taxas estiverem a subir, vai ter mais tempo para se preparar", diz Filipe Garcia.
Quanto a uma taxa de juro fixa a longo prazo, o economista é mais reticente. "É provável que as taxas de juro, em média, estejam mais baixas no futuro do que agora", admite. "Uma taxa fixa a 30 anos confere rigidez demasiada a um empréstimo à habitação. Sabemos, por via das estatísticas, que a esmagadora maioria dos créditos termina antes do seu final previsto, ou porque há capacidade para amortizar, ou porque a pessoa não tem capacidade de pagar e perde a casa ou então, e este é um cenário relativamente comum, porque a pessoa troca de casa. E, quando isso acontece, é preciso pagar a tal comissão de amortização antecipada a 2%", frisa. "Tenho algumas reservas em fazer uma taxa fixa longa porque as coisas mudam muito", reflete Filipe Garcia.
O economista admite que, se fosse ele a decidir, apostaria agora numa taxa variável, "mas porque eu estou disposto a assumir um determinado risco", esclarece. "Se estiver numa situação em que estou com os rendimentos encostados a uma prestação, não posso arriscar e a taxa mista é interessante", diz ainda. "Agora cheira a fim de ciclo, mas posso estar enganado e ainda vir uma segunda onda de inflação", lembra também.
Bancos ajustam-se às necessidades do mercado
Sobre as ofertas do sector bancário, o presidente da IMF admite que as novas propostas de taxas mistas ajudam os bancos "de duas maneiras": porque incluem uma margem de lucro adicional para a instituição, que é colocada nessa taxa fixa - "a taxa variável é mais transparente, a fixa é uma taxa de mercado" - mas também porque uma taxa mista diminui as probabilidades de incumprimento. "É útil para o banco e é um instrumento interessante porque dá alguma flexibilidade a ambas as partes, que não estão agarradas a soluções de longo prazo", afirma o economista.
O Governo português, recorde-se, apresentou na quinta-feira novas medidas de apoio às famílias afetadas pela subida da prestação da casa, evitando precisamente este incumprimento - ainda que a presidente do BCE tenha pedido o fim deste tipo de apoios, por considerar que podem ter um efeito adverso na inflação. O ministro das Finanças revelou que as famílias poderão pedir aos bancos a alteração dos créditos à habitação para "prestações constantes", sendo que as condições só não se aplicam a quem tenha contratado uma taxa fixa. Está ainda previsto o reforço da bonificação dos juros e o prolongamento da suspensão da comissão por reembolso antecipado.
A banca, diz Filipe Garcia, também veio ajustar a oferta às necessidades do mercado, o que é "salutar", considera o economista. "Os bancos começaram a apresentar taxa mista por perceberem que as taxas não vão subir, vão-se adequando entre os seus interesses e os das pessoas", indica. O presidente da IMF acredita, porém, que a tendência em Portugal é para que se vá utilizando cada vez mais, e de forma progressiva, a taxa fixa, "porque também é standard a nível global". E recorda: "Em bom rigor, a última vez que vi uma pressão grande no mercado em geral para fazer fixação de taxas foi em 2007 ou 2008, quando as taxas estavam também muito altas. É sempre assim", garante.
Fixar as taxas agora, no entanto, não será o mais acertado num novo contrato de crédito, mas será "uma questão de tempo", diz o economista. "Estamos com as Euribor a 4%, vamos imaginar fixar a taxa a 2% ou até 3%: as pessoas vão achar barato", conclui.