Governo permitiu que Christine Ourmières-Widener ocupasse cargos administrativos em duas empresas externas. Agora, a TAP acusa a antiga gestora de ter violado o acordo de exclusividade. Terá razão? A pasta era de Pedro Nuno Santos
Houve uma "clara violação do Estatuto do Gestor Público" caso fique comprovado que a ex-CEO da TAP acumulou cargos de administração em outras duas empresas enquanto geria a companhia aérea portuguesa. É esse o entendimento de Paulo Veiga e Moura, advogado que explica à CNN Portugal que, tendo em conta o Estatuto do Gestor Público (aplicável por a TAP ser uma empresa pública), o cargo de Christine Ourmières-Widener proibia-a de exercer funções de direção na administração de outras empresas. O advogado especialista em Direito Administrativo explica que o princípio é que “o gestor público exerce em exclusividade e não pode exercer outras atividades”.
Esta sexta-feira, foi revelado que o Governo autorizou a ex-CEO da TAP, Christine Ourmières-Widener, de acumular cargos de administração em outras duas empresas, a ZeroAvia e a MetOffice. A TAP acusa a gestora francesa de violar o "regime de exclusividade" que lhe foi imposto, alegando que assumiu funções adicionais sem o “consentimento” da empresa e dos acionistas.
Segundo o Jornal de Negócios, que teve acesso ao contrato, há uma cláusula que refere explicitamente a exceção para as funções de Widener na ZeroAvia e na Met Office. O contrato de Christine Ourmières-Widener e a TAP incluía uma cláusula específica de exceção, com indicação das duas empresas onde a ex-CEO desempenhava funções.
Apesar de Widener afirmar que não ocupava funções em comissões executivas ou empresas de consultoria à data da sua nomeação, a página de Linkedin contradiz esta afirmação, referindo que era fundadora e administradora da O&W Partners, uma empresa de consultoria do setor de aviação e turismo.
Paulo Veiga Moura acrescenta ainda que, a confirmar-se que Widener desempenhava funções de direção noutras empresas ao mesmo tempo que era diretora-executiva da TAP, tal constituiria "uma clara violação do Estatuto de Gestor Público”. "Se o contrato permitisse tal situação, então a cláusula de exceção presente no contrato seria considerada ilegal", desenvolve, explicando que estaria em contradição com a proibição do referido estatuto.
Ou seja, “se a lei diz que o gestor público não pode acumular a administração executiva com a administração de outras empresas, o contrato não pode dizer o contrário”, explica Veiga e Moura.
Por outro lado, o advogado diz: “Já se Widener for apenas membro do órgão consultivo de qualquer outra empresa, a cláusula de exceção prevista no contrato será legal”.
Assim, provado o tipo de cargo executado por Widener, o tribunal terá agora de decidir o caso. No entanto, independentemente da decisão do tribunal, torna-se crucial compreender o papel de Pedro Nuno Santos enquanto ministro das Infraestruturas na altura. Ao que parece, a TAP assume que Pedro Nuno permitiu que a acumulação de funções acontecesse. Ao que o secretário-geral do Partido Socialista reage:
Será que o fantasma da TAP vai afetar a campanha política de Pedro Nuno Santos?
O politólogo João Pacheco defende que sim e que, de um modo geral, já tem vindo a afetar a imagem do Partido Socialista. “A TAP foi um caso entre os vários que prejudicaram a imagem da maioria absoluta do PS”, afirma.
Segundo o politólogo, é claro que “a bolha mediática vai procurar explorar este caso e tudo o que se desdobra”, essencialmente por Pedro Nuno ser a figura principal e agora líder do PS. “É normal que aquele que foi o seu exercício mais recente de governação seja o centro das atenções”, refere.
“A partir do momento que Pedro Nuno Santos era o titular dessa pasta é claro que está envolvido”, acrescenta João Pacheco, relembrando o caso da autorização de indemnização por Whatsapp que Pedro Nuno não se lembrava e mais tarde veio a recordar-se. “A aceitação da acumulação de cargos da ex-CEO da TAP traz uma imagem de ligeireza”, acrescenta.
Apesar de Pedro Nuno Santos tutelar a TAP quando tudo aconteceu, o líder do PS culpa a TAP e diz que desconhecia se havia ou não ilegalidades. “Eu era ministro, não sou jurista” - é assim que o atual candidato a primeiro-ministro se defende. Para João Pacheco, apesar da dimensão legal, há uma dimensão política que não deve ser ignorada.
Segundo o politólogo, “Pedro Nuno Santos não assume mea culpa e argumenta legalmente para não assumir responsabilidade, mas devia ter havido mais cautela”. João Pacheco admite que compreende que o líder do PS tenha confiado nos advogados da TAP. Contudo, diz que deve haver mais cuidado para que o Governo não seja prejudicado. “Devia ter havido uma maior cautela desta decisão da TAP. Este Governo foi mal assessorado”.
“Em última instância os políticos é que têm a responsabilidade e não os técnicos ou assessores que, a nível da política, são sempre figuras secundárias e não devem ser usadas como chantagem política”, explica o politólogo.
Para João Pacheco, “o Governo tem a obrigação de ter uma estrutura funcional”. O politólogo admite que Pedro Nuno Santos não saiba tudo, mas “no momento em que o processo de decisão se inicia, deve procurar ter toda a informação possível”. Assim, defende que podia ter sido chamado um especialista para ajudar no processo de decisão.
A seu ver, a decisão não foi bem analisada juridicamente, apesar da presença dos advogados da TAP, se ninguém dentro do Ministério das Infraestruturas chamou a atenção, devia tê-lo feito. “Quem cala, consente”, frisa, acrescentando que não houve cuidado, nem rigor, com esta decisão.
“A TAP já por si tem uma conotação negativa e a colagem de Pedro Nuno Santos vai ser sempre uma pedra no seu sapato”. João Pacheco conclui que a TAP vai continuar a influenciar politicamente a campanha de Pedro Nuno Santos e o próprio PS, pois é vista como “um peso pesado das finanças e das opções políticas do Estado”.