“Alguma morte que aconteça, a responsabilidade é inteiramente da política praticada pelo doutor Manuel Pizarro”: caos no SNS em novembro

24 out 2023, 15:52

Médicos tecem duras críticas ao ministro mas também às declarações do diretor-executivo do SNS, Fernando Araújo, que disse que vinha aí o caos se os médicos não chegarem a um acordo com o Governo (apesar de também admitir que os médicos "têm razão"). Os sindicatos estão indignados: "Os médicos têm feito mais do que aquilo que a força humana permite"

Os médicos descartam a responsabilidade do caos no Serviço Nacional de Saúde (SNS), em particular nas urgências, que se vai fazer sentir já a partir da próxima semana, quando várias minutas de escusa à realização de mais horas extraordinárias entram em vigor. Até ao momento, mais de 2.500 médicos já se mostraram indisponíveis para fazer mais do que as 150 horas anuais extraordinárias.

“Não são os médicos os responsáveis pelo caos que eventualmente se possa instalar em novembro. Se tal acontecer, se acontecerem fatalidades, situações nefastas para os doentes, alguma morte que aconteça, a responsabilidade é inteiramente da política praticada pelo doutor Manuel Pizarro”, diz Joana Bordalo e Sá, presidente da Federação Nacional dos Médicos, à CNN Portugal.

Susana Costa, médica e porta-voz do movimento Médicos em Luta - que impulsionou a entrega em massa de minutas de escusa a mais horas extras -, lembra que o Executivo já sabia que novembro ia ser difícil e que a própria já o tinha afirmado em declarações à CNN Portugal.

“A tutela tem conhecimento desde setembro que isto ia acontecer e nada fez para que as coisas não chegassem a este momento. E é isso o que nós médicos lamentamos e, enquanto cidadãos, nos entristece - perceber que temos um Ministério da Saúde que não está nada preocupado com a saúde dos portugueses”, afirma.

As declarações da dirigente surgem em resposta à entrevista de Fernando Araújo ao jornal Público, na qual diz que “novembro vai ser extremamente complexo, vai ser o pior mês, eventualmente, nestes 44 anos do SNS, na resposta de urgência, se nada se alterar”, que é como quem diz, se continuarem a ser entregues minutas de escusa e se os sindicatos e Governo não chegarem a um consenso na próxima reunião negocial, que decorre esta sexta-feira.

Sobre esta afirmação do diretor-executivo do Serviço Nacional de Saúde (DE SNS), Jorge Roque da Cunha também descarta que a responsabilidade seja dos médicos e adianta que “esta entrevista vem reconhecer algo que temos vindo a alertar nos últimos dias anos”, que é a “existência de um problema sério”.

"Se eu fosse editor do jornal Público poderia dizer que o título deveria ser ‘Se o Governo não chegar a acordo com os sindicatos, o mês de novembro será dramático”, diz o secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos (SIM).

"Os médicos têm feito mais do que aquilo que a força humana permite"

Na entrevista ao Público, Fernando Araújo reconheceu que os médicos “têm razão” ao não aceitar um aumento das horas extraordinárias de 150 horas anuais para 250 horas anuais, mas que, apesar de terem esse direito, devem “reclamar” de “uma forma que seja eticamente irrepreensível”. E esta acusação de falta de ética não caiu bem aos médicos.

“Se há aqui falta de ética não é por parte dos médicos”, afirma Joana Bordalo e Sá. Da mesma opinião é Roque da Cunha, que acusa o Governo de “funcionar em termos de sondagens” e assegura que “ética e deontologicamente os nossos colegas têm feito mais do que aquilo que a força humana permite para tentar mitigar estas instabilidades” no Serviço Nacional de Saúde.

“O que não é ético é os médicos continuarem a viver no limite, é todo um serviço à custa de horas extraordinárias”, afirma Joana Bordalo e Sá, que diz que Fernando Araújo “dá uma no cravo e outra na ferradura” com as suas declarações.

Também Susana Costa critica a declaração do diretor-executivo do SNS. “Ele é médico e percebe a posição dos médicos e se há coisa que os médicos são é éticos, o que não é ético é termos um Estado que sabe que temos um SNS há anos à custa de mais trabalho por menos dinheiro. O primeiro-ministro chamar-nos 'cobardes' não é ético e não bonito [declaração feita por António Costa em off em 2020]. O que não é ético é encerrar maternidades e chamar a isso ‘nascer em segurança’, fazer um acordo de alteração de estatutos com a Ordem dos Médicos e no fim alterar o acordo e publicar de forma unilateral”, vinca a médica Susana Costa. “Quem não está a ter nenhuma ética com a população é o Ministério da Saúde.”

Caos no SNS já em novembro e de norte a sul do país

Segundo o documento do Médicos em Luta em que são atualizadas as minutas entregues de escusa à realização de mais horas extraordinárias além das 150 horas anuais estipuladas em lei, o mês de novembro espera-se caótico, tal como a CNN Portugal noticiou e como Fernando Araújo reforçou na entrevista desta terça-feira.

No Hospital de Nossa Senhora do Rosário, do Centro Hospitalar Barreiro-Montijo, em novembro a urgência pediátrica não terá médicos que completem a escala mensal. Também o Hospital Santo André, que faz parte do Hospital Distrital de Leiria, terá a urgência pediátrica encerrada no feriado de 1 de novembro. 

No Hospital Sousa Martins, da Unidade Local de Saúde de Guarda, 100% dos médicos da especialidade de Anestesiologia entregaram escusas que entram em vigor no dia 1 do próximo mês, o que pode comprometer as escalas, sobretudo noturnas. 

Um cenário idêntico poderá verificar-se no Hospital Beatriz Ângelo, em Loures, com 100% dos médicos de Cirurgia Geral indisponíveis para fazer mais horas extraordinárias no próximo mês. Na Unidade Local de Saúde de Matosinhos, todos os especialistas de Neonatologia entregaram minutas que também entram em vigor no dia 1.

No Hospital Padre Américo, em Penafiel, todos os especialistas em Ginecologia deixarão de fazer mais horas extra em novembro, o que coloca em risco todas as escalas noturnas. Uma situação que poderá ser visível também no no Hospital de São Sebastião, do Centro Hospitalar Entre Douro e Vouga, em que todos os especialistas de Ortopedia e a maioria dos especialistas de Medicina Interna deixarão de fazer mais horas extra a partir de novembro.

No Hospital São Francisco Xavier, em Lisboa, quase todos os Médicos de Cirurgia Geral (17 em  19) não fazem mais horas extra a partir do dia 1.

No Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, segundo o documento, são esperados constrangimentos nas escalas de Cirurgia Geral, uma vez que 50% dos especialistas e a totalidade dos internos se recusam a fazer mais horas extraordinárias por terem já excedido as impostas por lei. Também são esperados constrangimentos em Obstetrícia no Hospital Santo António, no Porto, visto que 75% dos especialistas e 93% dos internos entregaram minutas que entram em vigor dia 1.

Em Viseu, 90% dos médicos de Medicina Interna e 70% dos especialistas em Anestesia entregaram minutas.

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