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Country Clinical Operations Manager da AbbVie

Cumprir o potencial dos ensaios clínicos em Portugal

15 mai 2023, 17:58

O diagnóstico é conhecido há mais de dez anos. Foi em 2013 que a PwC e a Apifarma publicaram pela primeira vez o estudo “Ensaios Clínicos em Portugal”. Numa atualização publicada em 2019 concluía-se que “apesar de terem sido dados alguns passos no sentido de promover a investigação clínica, quando comparado com outros países de dimensão semelhante ou mesmo inferior, Portugal ainda tem potencial de crescimento, apresentando uma diferença de até 3.7x entre o número de ensaios clínicos submetidos por milhão de habitante”. Entre 2013 e 2023 também ficou a perceção de que aumentou a distância entre Portugal e o que se observa na maioria dos países europeus.

Sendo unanimemente e há muito reconhecidos os benefícios sociais, económicos, científicos e de acesso precoce à inovação terapêutica associados aos ensaios clínicos, como se justifica que Portugal continue a ser pouco competitivo?

A versão de 2019 do estudo da PwC e da Apifarma vem confirmar um conjunto de constrangimentos que bloqueiam e inviabilizam uma evolução positiva dos ensaios clínicos em Portugal. Alguns exemplos se destacam desta extensa lista, que vão desde a ausência de uma verdadeira estratégia de promoção da investigação clínica no país, a persistente complexidade dos processos envolvidos nos ensaios clínicos, a deficiente valorização da investigação clínica pelas administrações hospitalares, a escassez de equipas de investigação profissionalizadas e dedicadas, com tempo protegido para a realização de investigação clínica de qualidade e os desafios inerentes à existência de diferentes sistemas de informação nas várias unidades de saúde, que impossibilitam o trabalho em rede e a referenciação de doentes entre instituições de saúde.

Tudo isto acontece apesar de os sucessivos Governos definirem a Investigação Clínica como estratégica para o setor da saúde em Portugal. 
Os anos da pandemia obrigaram, obviamente, a redefinir as prioridades na área da saúde, mas a criação de uma nova estrutura executiva na área do Serviço Nacional de Saúde aliada à indiscutível mais-valia da investigação clínica para doentes e profissionais de saúde podem e devem potenciar uma nova dinâmica nesta atividade. Como o espaço para crescer nesta área é enorme, há que colocar em prática as medidas há muito identificadas para remover os obstáculos já conhecidos por todos os agentes do sector.

Capacitar os centros de ensaio, investindo no desenvolvimento de estruturas dedicadas e de fomento de maior integração e cooperação entre agentes, e agilizar a criação de modelos de incentivos que estimulem o envolvimento de investigadores e de outros profissionais na atividade de ensaios clínicos, são algumas dessas medidas. Criar condições para reforçar a atratividade do binómio risco/retorno associado ao investimento e, ao nível do investimento público na saúde, apostar na especialização e melhoria das condições de investigação, quer ao nível dos recursos humanos quer das infraestruturas, são outras alterações a considerar.

O facto de esta atividade económica proporcionar um retorno de 1,99€ para a economia por cada € investido nos ensaios, posiciona-a como uma das que apresenta melhor relação entre investimento e retorno, num País com sistemático défice de investimento em saúde e com graves problemas de sustentabilidade nesta área e que se agravam ano após ano.

Todos os stakeholders reconhecem que os ensaios clínicos trazem benefícios para os doentes, para a comunidade científica e a economia. A Indústria Farmacêutica, em particular, que é responsável por 95% dos ensaios clínicos realizados no nosso País, está disposta a investir e sente-se responsável por dar oportunidade aos doentes portugueses de acederem a terapêuticas que, através dos ensaios, ficam disponíveis à maioria dos doentes europeus e que de outro modo não chegarão a Portugal.

Esta apetência de investimento pela Indústria Farmacêutica, que como já demonstrado, traduz-se em oportunidades múltiplas para todos os agentes, só poderá ser concretizada se for dado um sinal claro de viragem da política e estratégia nacional, pois a manterem-se as condições atuais, este investimento será deslocalizado para outros países europeus. Este é um movimento a que assistimos nos últimos 20 anos e que agora se agrava com a capacitação de novos países no espaço europeu para esta atividade.

Com a aplicação do Regulamento Europeu dos Ensaios Clínicos, que visa fomentar a competitividade da Europa na investigação, e que disponibiliza um processo centralizado de aprovação de novos ensaios clínicos, Portugal pode perder definitivamente esta batalha se não promover de forma rápida, pragmática e eficaz as alterações que se impõem. Por exemplo, a capacidade de resposta das nossas autoridades regulamentares - INFARMED e Comissão de Ética para a Investigação Clínica – que, em 2022 e primeiro trimestre de 2023, viram os seus prazos de aprovação aumentarem significativamente. Uma situação preocupante num momento em que se esperava precisamente o contrário.

O Plano de Recuperação e Resiliência teria sido também outra boa oportunidade para incluir um setor que será estratégico e crítico para garantir a sustentabilidade do sistema de saúde e a equidade de acesso à inovação terapêutica dos doentes em Portugal.

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