"Agora, somos todos soldados". A inferioridade militar ucraniana combate-se com a resistência de civis e estrangeiros

4 mar 2022, 09:11

Desde que começou o conflito, os civis ucranianos fizeram filas para se alistarem no Exército e não recusaram a chamada para defenderem o país. Mas há ainda apelos a que mais civis se juntem, sejam ou não ucranianos

A resistência ucraniana mantém-se na frente de combate e garante que não vai desistir do país, nem que para isso tenha de pedir ajuda estrangeira para combater nas ruas.

O exército ucraniano tem 219 mil soldados no ativo, enquanto a Rússia tem 840 mil: para atenuar o desequilíbrio de forças, os civis ucranianos fazem filas para se alistarem no Exército, produzem cocktails molotov, lubrificam balas com banha de porco e até confrontam o exército russo cara a cara. Mas há ainda apelos a que mais civis se juntem, sejam ou não ucranianos.

O apelo não é de hoje. No domingo, o ministro de Negócios Estrangeiros, Dmytro Kuleba, deixou o convite no Twitter: "Estrangeiros dispostos a defender a Ucrânia e a ordem mundial como parte da Legião Internacional de Defesa Territorial da Ucrânia, convido-vos a entrar em contato com as missões diplomáticas estrangeiras da Ucrânia nos vossos países. Juntos, derrotámos Hitler e também derrotaremos Putin".

Seguiram-se novos apelos. Na terça-feira, as autoridades de Kiev revelaram as instruções que cada um destes voluntários devem seguir se quiserem alistar-se nesta legião estrangeira. O primeiro passo é manifestar essa vontade, pessoalmente, por e-mail ou por telefone, junto da representação diplomática ucraniana nos países de origem.

Numa altura em que a ONU estima que um milhão de refugiados já saíram da Ucrânia, o presidente ucraniano anunciou a chegada dos primeiros 16.000 combatentes estrangeiros para defender o país das tropas russas.

"A Ucrânia já está a cumprimentar os voluntários estrangeiros. Os primeiros 16.000 já estão a postos para proteger a nossa vida e a nossa liberdade", disse Volodymyr Zelensky.

Em declarações à CNN Portugal, Sandra Costa, analista de assuntos internacionais, comentou a presença de combatentes estrangeiros na Ucrânia, admitindo que o apelo do presidente ucraniano a voluntários de toda a Europa se justifica pela situação de "desespero".

"Sabemos que quando entram combatentes estrangeiros voluntários existe brutalização do conflito", esclarece a especialista. "Não têm ligação à terra, não estão a lutar pela terra", acrescenta. "Pode estar a formar-se um caldo com consequências imprevisíveis". 

Esta quinta-feira, o Comité do Conselho autorizou os civis a disparar contra o inimigo, avança a agência de notícias Unian. O deputado Andrii Osadchuk, vice-presidente do comité, anunciou que a medida foi aprovada por unanimidade.

"O Comité de Aplicação da Lei da Verkhovna Rada da Ucrânia acaba de aprovar, por unanimidade, um aumento significativo da responsabilidade criminal por pilhagens. Além disso, foram suspensas todas as restrições ao uso de armas de fogo por civis para repelir a agressão armada pela Rússia/outro país durante a lei marcial", escreveu Osadchuk no Facebook.

"A Ucrânia é corajosa"

Os milhares de voluntários que já se juntaram às fileiras ucranianas estão a ser armados pelo governo. No total, de acordo com a CNN, mais de 18 mil armas já foram entregues a civis. 

De Portugal, há já quem se queira juntar aos civis na frente da batalha. E há portugueses que vivem na Ucrânia e não pensam em abandonar o país, mas sim lutar ao lado de quem os acolheu nos últimos 20 anos. É o caso de Fernando Alves, de 52 anos, que reside na Ucrânia há quase 20 e quer lutar pelo país que o acolheu, juntando-se aos seus vizinhos, à “comunidade da qual diz fazer parte”. 

“O povo ucraniano nunca me surpreendeu. A Ucrânia hoje mostra ao mundo que é corajosa, que tem carácter, que tem força”, conta à CNN Portugal Fernando Alves.

E a ajuda surge de todos os lados. Em declarações à CNN, Valery, residente em França, rumou a Kiev e juntou-se às forças armadas ucranianas um dia antes do ataque inicial russo.

"O que posso fazer enquanto os aviões russos estão a atirar bombas na capital? Simplesmente não podia ficar dentro de casa, fechado dentro de quatro paredes sem fazer nada. Então vim e juntei-me", contou, acrescentando que recebeu armas do governo. "Quando recebi esta arma, primeiro senti uma espécie de náusea. Mas se andar nas ruas e olhar nos olhos das pessoas que estão à espera para receber armas, há muita esperança e muita determinação para derrotar o inimigo".

Já Yurash Sviatoslav Andriiovych e Kira Rudik são dois dos deputados do parlamento ucraniano que também resistem, com armas. 

Em entrevista à CNN Portugal, na terça-feira, Andriiovych explicou que se juntou a este conflito de kalashnikov na mão porque "há combates intensos" e "os russos estão a tentar cercar Kiev", mas que a resistência ucraniana os vai fazer "fracassar".

"Estamos todos juntos neste combate. Não interessa como vivíamos ou se fazíamos algo relevante ou importante ou se éramos soldados. O presidente Zelenzky disse que somos todos soldados agora, que todos são guerreiros".

O deputado diz ainda que não consegue imaginar "uma solução pacífica" e garante que os ucranianos vão "lutar até ao fim".

"Uma solução pacífica é algo que não consigo imaginar. Para os russos, a nossa submissão é a única opção. Não vamos ceder. (...) Somos 40 milhões de pessoas que lutaram pelo direito de ser um país vezes sem conta ao longo da nossa história. É o nosso combate e vamos lutar até ao fim".

Também Kira Rudik, deputada do parlamento, afirma que Putin não quer paz e que, quando fala em negociações, tudo não passa de um "truque". 

"É a retórica do Putin. Se ele diz que quer paz, isso significa guerra. Se ele diz que quer uma negociação pacifica, o que ele quer dizer é “vou atacar as vossas cidades duas vezes mais forte do que antes”. Por isso, não, não vejo nenhum ponto nestas negociações pacíficas. Como uma cidadã da Ucrânia que [viu] guerra com a Rússia por oito anos, posso dar algumas dicas e truques da retórica do Putin", afirmou a deputada, em entrevista a Jim Sciutto.

Dizendo que é seu dever continuar a trabalhar pela Ucrânia, Rudik fá-lo com uma arma ao lado (como mostra no Twitter) e enquanto decorrem bombardeamentos na cidade.

"Estou armada e a minha equipa também está armada. Temos várias pessoas de defesa territorial que também estão armadas e que vão lutar por cada centímetro de solo ucraniano para não deixarem os russos avançar", garantiu.

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