Um deu tudo no "roteiro da carne assada", o outro foi discreto a "apalpar terreno": foi assim que Pedro Nuno controlou o aparelho e Carneiro se catapultou

13 dez 2023, 07:00
José Luís Carneiro e Pedro Nuno Santos

Há três elementos que ajudam a explicar porque Pedro Nuno Santos controla, praticamente sem grande esforço, o “aparelho socialista”. Já José Luís Carneiro terá, segundo camaradas de partido, começado há muito, e sem levantar grandes ondas, a preparar-se para uma corrida como esta. Um dos dois será confirmado, no sábado, como sucessor de António Costa

É uma verdadeira corrida contra o tempo. Nesta sexta e sábado, 15 e 16, os socialistas vão a eleições para escolher o próximo secretário-geral, sucessor de António Costa. E os dias têm sido de contagem de espingardas para as duas principais candidaturas, de Pedro Nuno Santos e José Luís Carneiro.

Ministros, governantes, deputados, militantes históricos. Cada lado tem acenado com os seus pesos pesados, numa tentativa de mostrar a força da candidatura. O tom tem subido, com críticas de parte a parte. A Pedro Nuno apontam o radicalismo ou uma “retórica plástica”, a Carneiro lamentam que se tenha focado no ataque ao rival interno, usando argumentos da direita. Costa é que, na entrevista à TVI/CNN Portugal, não assumiu um favorito. “Qualquer um deles é melhor que o líder da oposição”, garantiu apenas.

E recorde-se que as campanhas começaram de pontos muitos diferentes. Se Pedro Nuno é visto como alguém que “sempre controlou o aparelho socialista”, tirando partindo das relações que teceu ao longo dos anos, Carneiro é um “self made man” que prepara um caminho que chegou cedo demais. Mas como chegou cada um deles ao dia de hoje? Como se associaram a essas imagens? Os socialistas ouvidos pela CNN Portugal têm explicações e muitas teorias.

O controlo de Pedro Nuno Santos

Longa ligação ao partido e proximidade a nomes que ganharam destaque

Primeiro: o longo percurso no partido. Pedro Nuno Santos liderou a Juventude Socialista e, desde aí, estreitou relações. São duas décadas que pesam bastante. E muitos daqueles que hoje têm poder no PS, por exemplo, nas federações distritais, pertencem à mesma geração.

“Teve amigos, companheiros de viagem, que foram ocupando o espaço [relevante no quotidiano do partido]. É uma pessoa de relações próximas. Às vezes, é muito inconveniente na relação pessoal: diz aos outros que não estão bem a ver a coisa. Isso é que é liderança. Não é bater com a mão nas costas”, explica um militante.

“Há gente que se revia no Pedro Nuno e que está hoje em posições de destaque”, resume um deputado do PS. “Esse controlo do aparelho faz-se com proximidade, atenção, preocupação, com respostas aos anseios das estruturas”, reitera outro.

(Lusa)

A presença no “roteiro da carne assada”

Segundo: a disponibilidade de Pedro Nuno Santos, mesmo quando era ministro. “Teve sempre uma disponibilidade muito grande naquilo que ele chama o roteiro da carne assada, como o lançamento de uma candidatura ou um encontro de Natal. Há um convite para estar, lá está ele. Seja numa sala com mil ou com 100 pessoas. Há um sacrifício com tempo de agenda. E os militantes valorizam muito isso”, conta um socialista muito próximo deste candidato.

“Posso dizer que foi quem mais veio a apresentações de candidatos no meu distrito”, reforça um presidente de federação.

Diferentes militantes confirmam que Pedro Nuno Santos não era alguém que estivesse constantemente a enviar mensagens para manter os relacionamentos no partido, para assim “controlar a máquina”. Não havia cacique, asseguram. Até porque a agenda de ministro tirava muito tempo necessário a esse tipo de atividades. “Mas é evidente que foi acompanhando as estruturas, foi tendo pessoas da sua confiança, que foram construindo uma solução em torno dele”.

(Lusa)

Os senadores-olheiros

Terceiro: o carisma de Pedro Nuno Santos sempre chamou a atenção dos chamados “senadores”. Tal como os olheiros do futebol, “os senadores gostam de ir sinalizando os jovens que mais se distinguem. Gostam de ir identificando, apadrinhando e aconselhando”, reforça um camarada de partido.

“Foi sempre alguém que irradiou aura para os militantes do partido. Foi sempre alguém que não deixou os outros indiferentes, que tomou posições mesmo quando não lhe eram favoráveis”, completa outro. Houve um tempo em que ele chegou a fazer frente a José Sócrates, acabando excluído das listas do partido. Para muitos dos socialistas que alinham por Pedro Nuno Santos, a frontalidade é a sua melhor característica: “as pessoas preferem saber o que pensam os seus líderes, mesmo quando eles pensam de forma diferente da maioria”.

“No partido, sempre se falou que no dia em que o António Costa caísse, o Pedro Nuno seria o candidato”. Só que esse dia chegou mais cedo do que todos esperavam.

(Lusa)

A ascensão de José Luís Carneiro

A noite em que “eliminou o espaço para outros”

Lembra-se de um congresso do PS, em agosto de 2021, onde o tema forte foi a sucessão de António Costa, discutida sobretudo nos bastidores? Na altura, a lista era grande. Fernando Medina, Ana Catarina Mendes, Pedro Nuno Santos, Mariana Vieira da Silva e até Marta Temido, acabada de se tornar militante do PS, faziam parte. Mas não José Luís Carneiro.

Então, como está ele hoje na corrida à liderança do partido? Entre os socialistas, há várias teorias para explicar essa ascensão. E quem considere que o anúncio, na noite da Comissão Política do PS, a 10 de novembro, três dias depois da demissão de Costa, foi uma surpresa.

“Para mim, passou uma rasteira ao Fernando Medina, à Ana Catarina Mendes e à Mariana Vieira da Silva. Ao aperceber-se que havia uma crise, colocou a semente num conjunto de sítios. A Comissão Política Nacional parecia um funeral, as pessoas a carpir as mágoas do 7 de novembro. O José Luís Carneiro deixou-se ficar num canto da sala. Perto da meia-noite, quando as pessoas estavam a mostrar gratidão, faz a intervenção, a dizer que era candidato. A reação da sala foi fria, seca, de quem reage a uma coisa desajustada. Depois desce, faz uma declaração aos jornalistas. Fingiu que havia um ‘endorsement’ à candidatura. Eliminou o espaço para outros. Num momento da fratura nacional, haver dois candidatos era dúbio. Haver três era impossível”, confessa um membro dessa comissão, que apoia Pedro Nuno Santos.

Do lado de José Luís Carneiro destaca-se, naturalmente, outra visão dessa noite, com ênfase ao abraço dado por António Costa ao candidato. "Fez questão de sair da mesa e ir abraçar o José Luís Carneiro". E "o discurso foi amplamente aplaudido. Só um cego de tiro na sala é que não viu isto".

À porta do Largo do Rato, Carneiro disse estas palavras naquela noite aos jornalistas: “Quis ouvir os meus camaradas na Comissão Política Nacional, compreender os seus pontos de vista sobre o momento que vive o partido, e transmitir-lhes a minha disponibilidade para, com os mesmos valores de sempre, da liberdade, da igualdade, da justiça social, colocar a minha experiência de vida (…) ao serviço deste país”.

(Lusa)

Discreto, a apalpar terreno, “mas não para este terreno”

Se o anúncio de José Luís Carneiro gerou surpresa mesmo entre aqueles que o apoiam, outros reconhecem que há muito o candidato vinha apalpando terreno para uma eventual candidatura à liderança do partido.

Outro membro da Comissão Política Nacional confirma à CNN Portugal que a intervenção de Carneiro “teve poucos aplausos”, que “muita gente achou que não seria o momento”. Mas admite: “já havia sinais de que estava a apalpar terreno. Tinha a máquina montada. Tenho noção de que já andava no terreno. Mas não para este terreno”. A demissão de António Costa precipitou tudo.

“Antes disto tudo, conheci duas ou três pessoas que me tinham dito que era um bom candidato. Mas não havia uma vaga de fundo. Também já ouvi a teoria de que ele próprio se chegou à frente, para ocupar o espaço de outros, deixando algumas pessoas desconfortáveis. Sim, ele já andava a fazer contactos, a apalpar terreno”, reforça um deputado do PS.

Entre os apoiantes de Carneiro, reconhece-se que a candidatura foi também “uma resposta, por oposição, ao projeto de Pedro Nuno Santos, que tem um posicionamento do PS que é respeitável, mas que está longe de ser reconhecido por todos”. E recusa-se que tenha sido uma “segunda opção” perante outro nome que muitos esperavam que avançasse e que acabou por não o fazer: Fernando Medina.

“Uma decisão desta natureza é uma decisão refletida e solitária. Uma decisão do próprio”, insiste um desses apoiantes, lembrando que “ser discreto é o melhor elogio que se pode fazer a um governante”.

(Lusa)

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