EUA tinham informações detalhadas sobre os planos de Prigozhin - mas mantiveram segredo da maioria dos aliados

CNN , Natasha Bertrand, Alex Marquardt, Kylie Atwood e Kevin Liptak
27 jun 2023, 10:28

O secretismo em torno das informações foi a razão pela qual alguns altos funcionários europeus e mesmo altos funcionários do governo dos EUA foram apanhados desprevenidos pelo ataque de Prigozhin na sexta-feira

Os serviços secretos norte-americanos conseguiram obter um retrato extremamente pormenorizado e preciso dos planos do líder da Wagner, Yevgeny Prigozhin, que antecederam a sua efémera rebelião, incluindo onde e como o grupo de mercenários planeava avançar, disseram à CNN fontes familiarizadas com o assunto.

Mas as informações eram tão confidenciais que só foram partilhadas com determinados aliados, incluindo altos responsáveis britânicos, e não ao nível mais vasto da NATO, sublinharam as fontes.

Não era claro exatamente quando é que Prigozhin iria agir. Mas parece ter decidido avançar com o seu plano na sequência de uma declaração do Ministério da Defesa russo, a 10 de junho, segundo a qual todas as empresas militares privadas, incluindo a Wagner, seriam obrigadas a assinar contratos com as forças armadas russas a partir de julho e seriam essencialmente absorvidas pelo Ministério da Defesa russo.

As informações eram tão secretas que, nos Estados Unidos, só foram comunicadas aos mais altos funcionários da administração, bem como aos membros do "Grupo dos Oito" [Gang of Eight, no original] do Congresso, que têm acesso aos assuntos mais sensíveis dos serviços secretos.

O secretismo em torno das informações foi a razão pela qual alguns altos funcionários europeus e mesmo altos funcionários do governo dos EUA foram apanhados desprevenidos pelo ataque de Prigozhin na sexta-feira e pela rapidez com que as forças de Wagner marcharam para Rostov-on-Don e para Moscovo na manhã de sábado, indicaram as fontes.

"Foi um controlo extremamente apertado", disse uma fonte familiarizada com as informações.

Alguns responsáveis da NATO expressaram a sua frustração por as informações não terem sido partilhadas. Mas, ao fazê-lo, ter-se-ia arriscado a comprometer fontes e métodos extremamente sensíveis, explicaram as fontes. As autoridades ucranianas também não foram informadas antecipadamente pelos serviços secretos, principalmente devido ao receio de que as conversas entre as autoridades norte-americanas e ucranianas pudessem ser intercetadas pelos adversários.

Biden passou os dias após o fim da rebelião a falar com aliados, incluindo os líderes de França, Alemanha, Reino Unido e Canadá, bem como com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky. Durante essas conversas, partilhou as informações de que os EUA dispunham sobre a rebelião, apurou também a CNN, a fim de garantir que os líderes tivessem uma melhor compreensão do que era do conhecimento dos serviços secretos americanos.

"Escondida à vista de todos"

A revolta de Prigozhin não surgiu do nada. Há meses que os responsáveis norte-americanos vinham acompanhando a crescente contenda com o Ministério da Defesa russo e tomaram nota das ameaças trocadas entre as partes. Segundo a CNN, havia igualmente indícios de que a Wagner estava a armazenar armas e munições antes da rebelião.

O senador democrata Mark Warner, da Virgínia, presidente do Comité de Informações do Senado e membro do restrito "Grupo dos Oito", disse que a rebelião de Prigozhin "estava escondida à vista de todos".

Ainda assim, foi surpreendente para os serviços secretos norte-americanos a pouca resistência que os combatentes da Wagner enfrentaram.

"O Putin de há dez anos nunca teria permitido que isto acontecesse da forma como aconteceu", considerou Warner no programa "Inside Politics" da CNN, acrescentando que Putin está "claramente enfraquecido".

"O facto de haver um grupo mercenário, que não creio que tivesse 25.000 soldados como Prigozhin afirmava, mas que foi capaz de entrar literalmente em Rostov, uma cidade com um milhão de habitantes que era o comando e o controlo de toda a guerra ucraniana, e tomá-la com apenas um tiro disparado - isso é sem precedentes, para dizer o mínimo", argumentou Warner.

Várias fontes disseram à CNN que os responsáveis norte-americanos e ocidentais acreditam que Putin foi simplesmente apanhado desprevenido pelas ações de Prigozhin e não teve tempo de organizar as suas forças contra os mercenários antes de estes conseguirem tomar o controlo do quartel-general militar em Rostov. Putin também não deve ter querido desviar recursos significativos da Ucrânia.

Acredita-se, porém, que se Prigozhin tivesse tentado apoderar-se de Moscovo ou do Kremlin teria perdido - de forma decisiva. É provavelmente por isso que Prigozhin concordou em fazer um acordo com a Bielorrússia e acabou por desviar as suas tropas.

Um ex-responsável da administração norte-americana disse à CNN que, embora houvesse "stress e tensão constantes entre Prigozhin e o Ministério da Defesa russo, houve momentos em que os EUA não teriam ficado surpreendidos se a situação se transformasse em escaramuças violentas - mas localizadas". Mas algo a esta escala não seria coisa que os serviços secretos dos EUA previssem até há algumas semanas.

Biden disse na segunda-feira que deu instruções aos membros da sua equipa de segurança nacional para se prepararem para uma "série de cenários" à medida que o motim se desenrolava. A Casa Branca recusou-se mais tarde a explicar que cenários foram explorados, mas fontes familiarizadas com o assunto disseram que foi explorada uma vasta gama de contingências, incluindo a possibilidade de Prigozhin chegar a Moscovo.

Assim que Prigozhin lançou a sua rebelião, os altos funcionários dos EUA começaram a esforçar-se por contactar aliados e parceiros e reiterar uma mensagem fundamental: que o Ocidente deveria permanecer em silêncio e não dar a Putin qualquer abertura para culpar os EUA ou a NATO pela insurreição.

Em privado, os responsáveis norte-americanos estavam a reforçar junto do governo russo que os EUA não tinham nada a ver com a revolta - e a exortá-los a manter a segurança do seu arsenal nuclear.

"Não abanem o barco"

No sábado, antes de Prigozhin recuar, os aliados contactaram os responsáveis ucranianos a diferentes níveis, advertindo-os para que não aproveitassem o caos para atacar dentro da Rússia, de acordo com uma fonte ocidental.

A preocupação era que a Ucrânia e o Ocidente fossem vistos como estando a ajudar Prigozhin e a ameaçar a soberania russa.

"A mensagem foi: 'Não abanem o barco'", revelou a fonte, acrescentando que a mensagem foi transmitida ao nível do ministro dos Negócios Estrangeiros, dos deputados e através dos embaixadores.

"Trata-se de um assunto interno da Rússia", repetiu, fazendo eco do que os EUA e outros responsáveis ocidentais disseram publicamente. "Os ucranianos estavam a ser avisados pelos aliados para não provocarem a situação. Aproveitem as oportunidades em território ucraniano, mas não se metam em assuntos internos nem ataquem meios militares dentro da Rússia."

Durante a guerra, a Ucrânia é suspeita de ter efetuado um número crescente de ataques transfronteiriços secretos e de sabotagem contra instalações militares russas, tendo mesmo realizado um ataque com drones ao Kremlin. As forças ucranianas bombardearam a região russa de Belgorod, perto da fronteira entre os dois países.

"Não se quer alimentar a narrativa de que a iniciativa foi nossa", defendeu o responsável. "É o que os russos sempre quiseram, provar que existem ameaças à soberania russa."

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