Cau-quê? Republicanos do Iowa fazem soar tiro de partida para as presidenciais nos EUA

15 jan, 22:00
Presidenciais EUA Cartaz Trump Iowa (Kevin Dietsch/Getty Images)

A cada quatro anos, as eleições para a presidência norte-americana são precedidas de um longo processo de votações primárias, durante o qual os eleitores de um ou dos dois partidos escolhem o seu candidato de entre um grupo de vários aspirantes à nomeação. Esse processo começa sempre no Iowa, um pequeno estado do Midwest – em tempos pedra de toque eleitoral, hoje menos preponderante na corrida – onde essa escolha acontece de forma algo invulgar. Eis tudo o que precisa de saber sobre o caucus do Iowa

As previsões de frio gélido e nevões esta segunda-feira no Iowa são um elemento de incerteza numa noite da qual todos acreditam que Donald Trump sairá vitorioso. “Já é mais difícil pedir a alguém que participe num caucus do que em primárias, portanto o entusiasmo vai ser determinante”, destaca Nicola Schlinger, consultora republicana no Iowa que trabalhou para a campanha presidencial do senador Ted Cruz em 2016. “Num dia normal, é preciso estar muito investido [no processo eleitoral] para participar; é preciso estar ainda mais investido para aparecer [num caucus] sob condições adversas.”

Em novembro – na primeira terça-feira do mês, como manda a tradição – mais de 330 milhões de norte-americanos vão enfrentar uma escolha nas urnas, entre reconduzir Joe Biden na presidência dos Estados Unidos (EUA) ou mostrar cartão vermelho à administração democrata e optar por um presidente republicano. Dos boletins de voto vão constar os nomes do candidato oficial de cada partido à Casa Branca, que no caso dos republicanos será escolhido durante um longo processo de votações primárias que arranca esta segunda-feira à noite, com os famosos caucuses do Iowa – onde, segundo os meteorologistas, os termómetros podem atingir os -20 ºC, tornando estes os caucuses mais frios da história no Estado.

Mas em que consiste um caucus? E, dado que Donald Trump continua a liderar os inquéritos de opinião para as eleições deste ano, que surpresas podem ou não trazer? Entenda o evento político que marca o arranque oficial das presidenciais.

O que é um caucus?

Na prática é reunião político-partidária, mas não na forma dos costumeiros congressos deste lado do Atlântico. Em vez disso, baseia-se em encontros de eleitores nos quais os representantes de cada candidato à nomeação presidencial por um partido apresentam as suas plataformas políticas na tentativa de convencerem sobretudo indecisos a escolherem-no.

Definidos como “encontros políticos à porta fechada” pelo dicionário Merriam-Webster, são resumidos como "encontros de bairro" por David Yepsen, decano do jornalismo político no Iowa, um processo que culmina com os cidadãos a escreverem em folhas de papel em branco o nome de quem querem que dispute a presidência pelo seu partido.

Os boletins informais de voto são posteriormente registados, contabilizados e enviados para a sede estatal do partido, para integrarem a contagem final, cujos resultados são anunciados na convenção nacional do partido, em agosto.

Os caucuses são o mesmo que as primárias?

Na medida em que estão integrados num processo de nomeação partidária para as presidenciais, representam fundamentalmente o mesmo. Mas há diferenças nos procedimentos. 

As eleições primárias em cada Estado acontecem ao longo de um dia, durante o qual os eleitores vão às urnas depositar o seu voto secreto, como acontece nas presidenciais, num processo normalmente gerido a nível estatal.

Já os caucuses acontecem a uma hora específica de um determinado dia e são mais informais, com grupos de eleitores a juntarem-se para ouvirem os representantes de cada candidato e debaterem quem vão apoiar. Nalguns Estados, são os próprios cidadãos que se organizam em grupos a favor deste ou daquele candidato, tornando pública a sua inclinação.

Os votos em caucuses servem para nomear delegados que vão representar o seu candidato na convenção nacional do partido, que tem lugar no verão, cerca de dois meses antes das presidenciais. Esses delegados – 40, no caso do Iowa – são distribuídos pelos candidatos na proporção dos votos que cada um recebe no caucus.

Apoiantes de Nikki Haley reunidos num bar de Des Moines assistem ao último debate republicano (sem Trump) antes do caucus no Iowa (Melina Mara/The Washington Post via Getty Images)

Quem pode participar no processo?

Tal como nas primárias, isso depende das regras de cada um dos 50 Estados e restantes territórios norte-americanos – alguns permitem a participação de qualquer eleitor no caucus, independentemente da sua filiação partidária, outros apenas a de eleitores previamente registados como “democratas” ou “republicanos”, outros optam por um sistema misto.

No caso do Iowa, o Partido Republicano permite a participação de qualquer pessoa nos caucuses, mas apenas se se registar como republicana até à noite dos encontros, podendo fazê-lo no próprio local do caucus. Este ano, os encontros têm início marcado para as 19:00 locais (01:00 da madrugada de terça-feira em Lisboa) e, como descreve Tom Beaumont, da Associated Press, as pessoas vão reunir-se, algumas vão ficar sentadas e outras de pé, as que representam este ou aquele candidato vão falar em seu nome e, no final, cada pessoa vota, escrevendo o nome do candidato que prefere num pedaço de papel.

Quão populares são os caucuses?

Ao longo dos anos, o processo tem sido criticado por ter lugar apenas durante algumas horas e, muitas vezes, longe do distrito eleitoral a que os cidadãos pertencem. Por esse motivo, Estados como Kansas ou Maine optaram, na corrida que precedeu as presidenciais de 2020, por trocar o caucus por primárias, que normalmente permitem uma participação mais elevada de eleitores.

Atualmente, apenas oito dos 50 Estados norte-americanos – Iowa, Nevada, Idaho, Missouri, Dakota do Norte, Alasca, Hawai e Wyoming – e quatro territórios integrados – Ilhas Virgens, Samoa Americana, Mariana do Norte e Guam – continuam a organizar caucuses.

No caso do Iowa, há 1.657 distritos eleitorais de caucus, em escolas, bibliotecas, ginásios e outros locais. Ambos os partidos têm sido criticados por organizarem os encontros à noite, em horário pós-laboral, o que torna mais difícil a participação de pais com bebés e crianças pequenas e dos eleitores com horários de trabalho noturno. O processo é ainda criticado por dificultar a participação de eleitores que não dominam totalmente o inglês, isto porque os caucuses são marcados por acesos debates e conversas.

Politicamente, há também críticas ao facto de o Iowa dar o tiro de partida para as primárias, por ser predominantemente rural e caucasiano, ao contrário da grande maioria dos Estados dos EUA, mais urbanos e demograficamente diversos. Dado o conservadorismo dos republicanos, esta questão é secundária para o partido, que encontra no caucus do Iowa uma espécie de termómetro para avaliar os ânimos dos seus afiliados.

Qual a importância do Iowa?

O Estado do Midwest com cerca de 3,1 milhões de habitantes representa, há mais de 50 anos, o primeiro grande teste à eficácia das estratégias de comunicação política e gestão de candidaturas junto dos eleitores em anos de presidenciais. E sendo o primeiro Estado a votar no processo de primárias, apanha os candidatos ainda cheios de energia – e de fundos de campanha para gastar.

Como relatado pelo New York Times, em resposta à questão “porquê no Iowa primeiro'”, o Estado tornou-se fulcral no processo de primárias por causa de um “acidente histórico” – na sequência da convenção de Chicago, em 1968, os democratas quiseram dar aos seus eleitores a hipótese de terem mais palavras a dizer (literalmente) sobre quem querem que os represente nas urnas federais e, quatro anos depois, em 1972, organizaram o primeiro caucus da história dos EUA, precisamente no Iowa. Nas presidenciais seguintes, em 1976, os republicanos embarcaram no mesmo processo, num ano que viu o democrata Jimmy Carter (então praticamente um desconhecido fora da Georgia) ganhar o caucus no Iowa, a nomeação presidencial do partido e as presidenciais.

De tamanho reduzido em comparação com grandes Estados, o Iowa oferece aos candidatos com menos dinheiro e apoios a oportunidade de fazerem campanha em praticamente todo o Estado até ao caucus. Quem vence no Iowa tende a receber mais atenção mediática e mais doações de campanha e a conquistar um avanço em relação aos rivais, com potenciais implicações no resto das primárias.

Mas apesar das atenções que invocam, na última década os caucuses do Iowa não têm conseguido prever de forma consistente quem será o candidato de cada partido às presidenciais. Há oito anos, da última vez em que o caucus do Iowa foi competitivo para os republicanos, o senador Ted Cruz (Texas) conseguiu ganhar graças ao apoio dos evangélicos, que representam uma larga faixa do eleitorado conservador no Estado, mas no final acabou por perder a nomeação para Trump.

Nesse mesmo ano, o número de republicanos que participou nos caucuses situou-se abaixo dos 187 mil, de um total de cerca de 615 mil republicanos registados no Iowa, uma participação de cerca de 30%. Este ano, independentemente da quantidade de eleitores que decidir enfrentar o frio para votar nos caucuses, o desfecho do primeiro capítulo da corrida parece já estar gravado na pedra. Mesmo assim, Trump não poupou nos apelos à participação; num comício em Indianola, horas antes das votações desta segunda, o ex-presidente disse que todos devem participar nem que estejam "doentes como cães", até porque "se votarem e a seguir morrerem, terá valido a pena".

Ex-governadora da Carolina do Sul e ex-embaixadora dos EUA na ONU, Nikki Haley é a mais bem colocada na corrida ao segundo lugar no Iowa (atrás de Trump). Foto: AP

Quem se candidata à nomeação republicana?

O candidato que todos reconhecem é Donald Trump, que surpreendeu quase todos quando foi eleito presidente dos EUA em 2016, após dois mandatos democratas ao leme de Barack Obama, e que tenta agora destronar Joe Biden nas urnas, sempre sustentado na retórica de “roubo eleitoral” que tem marcado os seus discursos desde que perdeu para o rival há quatro anos. Foi essa retórica que levou milhares dos seus apoiantes a invadirem o edifício do Congresso para impedirem a certificação dos votos, a 6 de janeiro de 2021, duas semanas antes de Biden tomar posse.

Neste momento, o ex-presidente enfrenta vários processos judiciais por causa do ataque ao Capitólio, que no limite poderão impedi-lo de se candidatar à Casa Branca. Mas enquanto não se conhecem os resultados desses processos, os restantes candidatos à nomeação republicana estarão a competir entre si pelo segundo lugar, atrás de Trump. São eles Nikki Haley, ex-governadora da Carolina do Sul e ex-embaixadora dos EUA na ONU; Ron DeSantis, governador da Florida; o outsider Vivek Ramaswamy; Asa Hutchinson, ex-governador do Arkansas; e Ryan Binkley, empresário e pastor cristão do Texas.

Os analistas antecipam que só Haley e DeSantis deverão avançar, à medida que mais Estados forem votando em caucuses e primárias. Outros oito candidatos à nomeação republicana já desistiram da corrida, incluindo o ex-vice-presidente de Trump, Mike Pence, e Chris Christie, ex-governador de Nova Jérsia.

Como aponta Beaumont, este ano “Donald Trump continua a liderar a corrida” entre os republicanos do Iowa, onde Nikki Haley deverá ficar em segundo lugar. Se se confirmar que a ex-embaixadora destrona DeSantis, isso poderá ditar o fim das aspirações presidenciais do ex-governador da Florida e a vitória de Haley na votação seguinte, no New Hampshire. A grande dúvida após a votação no Iowa será quantos candidatos vão desistir e, mais do que isso, que candidatura vão apoiar – se a de Trump, se a do segundo mais votado.

E do lado democrata?

Em anos anteriores, os democratas do Iowa também organizaram caucuses. Este ano, os eleitores filiados também se encontram a 15 de janeiro para definirem as prioridades da campanha até à convenção nacional, mas face a alterações no calendário de nomeações do partido – e dado que Joe Biden tem a nomeação garantida – não haverá votações em caucus do lado democrata. 

Em vez disso, os eleitores democratas do Iowa vão votar por correio nas primárias até 5 de março, dia da chamada “super terça-feira”, quando os partidos vão ter primárias e caucuses em 15 Estados em simultâneo – Alabama, Alaska, Arkansas, Califórnia, Colorado, Maine, Massachusetts, Minnesota, Carolina do Norte, Oklahoma, Tennessee, Texas, Utah, Vermont e Virginia.

O que acontece a seguir?

Este ano, o Estado que se segue ao Iowa é o New Hampshire, que tem eleições primárias a 23 de janeiro. Seguem-se a Carolina do Norte, com primárias a 3 e a 24 de fevereiro; o Nevada, a 6 e a 8 de fevereiro; o Michigan a 27 de fevereiro; o Idaho e o Missouri, com caucuses a 2 de março; as primárias no distrito de Columbia (que alberga a capital dos EUA, Washington) a 3 de março, seguidas do caucus de 4 de março na Dakota do Norte. No dia seguinte chega a super terça-feira, determinante para a corrida presidencial dada a quantidade de Estados que votam simultaneamente nesse dia.

Entre 12 de março e 8 de junho, os restantes Estados e territórios norte-americanos têm as suas primárias e caucuses, em processos que vão culminar com as convenções nacionais dos dois partidos – a republicana entre 15 e 18 de julho, em Milwaukee, no Wisconsin (Estado onde Trump perdeu por uma unha negra para Biden nas últimas presidenciais), e a democrata entre 19 e 22 de agosto, em Chicago, no Illinois.

Daí até 5 de novembro, a terça-feira das presidenciais, haverá um debate entre os candidatos à vice-presidência, marcado para 25 de setembro, e três debates televisivos entre Biden e o seu rival republicano – um a 16 de setembro, outro a 1 de outubro e o terceiro a 9 de outubro. Dado que Trump se tem recusado a debater com os rivais do partido, não é certo se vai respeitar a tradição de longa data e dispor-se a enfrentar Biden mano a mano, caso conquiste a nomeação republicana.

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