"Amor, quero beijar mais pessoas": Diogo Faro e Joana Brito Silva fizeram um espetáculo para falar da sua relação não monogâmica

4 nov 2023, 09:00
Diogo Faro e Joana Brito Silva (DR)

"A não monogamia é sobre honestidade - em primeiro lugar connosco mesmos e depois com os outros", diz Diogo Faro. O espetáculo que os dois namorados vão estrear em novembro pretende divertir, mas também mostrar às pessoas que o poliamor não tem nada a ver com homens que são galãs e mulheres que são vadias, mas que é muito mais "uma forma política de estar na vida"

Joana Brito Silva e Diogo Faro estão juntos há dois anos. Ela é atriz e encenadora, ele é humorista e influencer.  Tinham amigos comuns, já se tinham cruzado no meio artístico, mas foi no Instagram que começaram a falar. "Combinámos ir beber um copo, depois outro. Aconteceu tudo naturalmente, não é uma história muito original", conta ele. Há dois anos que têm uma relação não monogâmica consentida, a que alguns também chamam poliamorosa. Para eles, isto significa que, apesar de serem o parceiro principal um do outro, existe a possibilidade de cada um deles ter outras relações. E é importante que se diga "para eles" porque, ao contrário das relações monogâmicas, fechadas, em que há apenas um modelo de relação, nas relações abertas existem várias possibilidades, tantas quantas as pessoas envolvidas quiserem.

"Acho que tivemos sorte de nos encontrarmos um ao outro numa altura em que ambos sentíamos que era isto que queríamos", conta Diogo. Para ele a descoberta da não monogamia é um caminho que tem vindo a ser percorrido há já algum tempo: "Sentia que queria estar com várias pessoas, mas não queria que isso fosse rotulado de ser um machão, um galã, um player. Não queria ser enaltecido por estar com várias mulheres. Gosto de estar com várias pessoas, só isso. Achava que devia ser uma coisa normal, desde que houvesse consentimento de todas as partes. Portanto, comecei a estudar o assunto e percebi que é possível." 

Joana vinha de uma série de relações fechadas e muito longas, mas que sempre acabavam porque ela conhecia outra pessoa e ficava dividida. "A resposta que a sociedade tinha para me dar é que havia algum problema comigo, porque eu é que não sabia ser fiel e amar, eu é que estava errada por gostar de várias pessoas", conta. "Quando nos conhecemos eu vinha mesmo de um lugar psicologicamente difícil, de não me sentir identificada com essa ideia do amor para sempre, mas também sem saber que havia alternativas. Nas conversas com o Diogo, fui percebendo que era possível, até que para mim ficou super claro que eu queria experimentar, mesmo que fosse um tiro no escuro. É a nossa primeira relação aberta - de ambos. E até hoje é um desafio. Mas já sei que me identifico com esta maneira de estar na vida", afirma Joana.

No grupo de amigos, a relação de Joana e Diogo causou curiosidade. Nos jantares, ainda hoje, há sempre alguém a querer saber como é que fazem, se têm ciúmes, se existem regras. "Toda a gente tem imensas perguntas e, como somos ambos artistas, eu mais no teatro, o Diogo mais no stand up, acabou por surgir a ideia de fazermos um espetáculo sobre isto", conta ela. Foi assim que surgiu "Amor, quero beijar mais pessoas", o espetáculo que se estreia a 15 de novembro no Teatro Villaret, em Lisboa, onde falam sobre a sua relação e sobre o que é isto do poliamor.

Diogo Faro não tem dúvidas: "A monogamia não é natural no ser humano. Os sociólogos e até mesmo biólogos não defendem que a monogamia seja uma coisa natural. Acho que não está nada nos genes, é tudo construído. Mas também não está errada, isso é importante. E o que é interessante é chegarmos à conclusão de que todas as relações são válidas. Temos de nos questionar se estamos a fazer uma coisa porque é realmente o que queremos ou se é porque a sociedade nos diz que é assim que deve ser (e estás a ir contra aquilo que sentes). Se te questionaste e se te sentes bem com a tua opção, seja ela qual for, então está tudo bem".

O problema é um bocado esse, alerta Joana: poucas pessoas se questionam verdadeiramente. Como se fôssemos formatados a aceitar determinadas coisas como normais e outras não. "Quando eu estava em relações fechadas e comentava com os meus amigos que sentia atração por outra pessoa ou até que tinha traído, isso era mais bem aceite socialmente do que dizer que estou numa relação aberta consentida. A traição é vista como algo normal. Mas sobre as relações abertas há muitas dúvidas e isso é estranho", conta. A sociedade e a cultura estão permanentemente a dizer-nos que o ideal do amor romântico é entre duas pessoas que se encontram, procriam e são felizes para sempre. "Os filmes da Disney, as comédias românticas, os filmes de Hollywood, a música pop - tudo nos diz que temos de procurar o príncipe encantado e que, quando há uma traição, devemos ficar de coração partido. A sociedade não nos dá a mínima hipótese de nos questionarmos. Só chegar ao lugar do questionamento já seria bom", diz Joana Brito Silva. 

Também é para isso que serve este espetáculo, explica Diogo: "O espetáculo tem momentos divertidos, mas tentamos passar imensa informação, sem ser uma ted talk. Não dizemos às pessoas o que fazer, mas queremos que se questionem. Tentamos que tenha graça, mas que ao mesmo tempo seja informativo". "E que seja acessível", acrescenta Joana. "Algumas pessoas mais informadas podem achar simplista, mas para quem nunca tenha pensado sobre isto pode ser uma coisa transformadora", garante.

"A mensagem que queremos passar é que há montes de coisas que se podem fazer, diferentes maneiras de viver, e desde que sejamos todos adultos e todas as partes envolvidas estejam de acordo com o que está a acontecer, as relações são todas válidas", conclui Diogo Faro.

Depois de ter anunciado o espetáculo, o casal recebeu imensos comentários e reações. Uns mais positivos, outros mais negativos, claro. "Houve pessoas a dizerem que tínhamos instintos animais ou que não nos conseguimos controlar", conta Joana Brito Silva. Há quem ache que um homem que tem várias mulheres é um machão e que uma mulher que tem vários homens é uma vadia. "Ainda há um certo conservadorismo bafiento", admite Diogo Faro. 

Mas também perceberam que existe uma enorme curiosidade em relação ao tema, ainda que nem todos a verbalizem. "É mesmo difícil ser um adulto em 2023 e nunca ter sentido atração por mais do que uma pessoa ao mesmo tempo, ou nunca ter questionado determinadas relações. Por isso acho que as pessoas percebem do que estamos a falar e identificam-se", acredita Joana. "Conheço muita gente que já traiu ou que foi traído ou teve vontade de trair, gente que tem casamentos de fachada e depois tem outras relações, gente que se divorcia por causa de uma traição e se calhar bastavam ter falado sobre o que sentem e encontrarem outra solução", explica Diogo.

E Joana faz questão de esclarecer: "Nós sentimos ciúmes, como todas as outras pessoas, mas com o tempo e com o avançar da nossa relação, fomos trabalhando isto. Os ciúmes também diminuem porque começas a perceber de onde vêm os teus ciúmes e o que é que eles representam - quase sempre é o medo de perder alguém de quem gostas muito. Então, percebes que ele ir jantar com outra pessoa ou até envolver-se sexualmente com outra pessoa não quer dizer que o vais perder."

"As pessoas assumem logo que a não monogamia é sobre a quantidade de pessoas com quem tu estás, mas na verdade é uma forma política de estares na vida. Podes ser não monogâmico e estar sozinho, ou estar só com um parceiro - mas a tua forma de estar e de olhar para as relações é outra", explica Joana. E Diogo acrescenta: "A não monogamia é sobre honestidade - em primeiro lugar connosco mesmos. É não termos de esconder os nossos desejos.  Assumir que temos vários desejos, que os desejos mudam ao longo da vida. Mas também é sobre honestidade com os outros, sejam o teu parceiro principal ou não. É preciso respeito pelos outros e saber comunicar com os parceiros."

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